CC BY 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2024; 59(S 01): e98-e100
DOI: 10.1055/s-0042-1757302
Relato de Caso

Excisão de tumor fibroso solitário na chanfradura ciática com compressão do nervo ciático – Um raro caso clínico

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1   Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Centro Hospitalar Tondela-Viseu, Viseu, Portugal
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1   Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Centro Hospitalar Tondela-Viseu, Viseu, Portugal
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Resumo

É apresentado um caso clínico de uma paciente de 41 anos, sem antecedentes pessoais de relevo, que foi estudada por dor abdominal difusa autolimitada, tendo sido detectada incidentalmente uma massa tumoral extrabdominal, extraperitoneal ao nível da chanfradura ciática direita. Durante o estudo do caso, a doente resolveu as queixas abdominais, mas desenvolveu quadro de ciatalgia, irradiada para o pé direito e dor tipo choque elétrico. Biópsia guiada por TAC revelou tratar-se de uma neoplasia mesenquimatosa dos tecidos moles, de baixo grau, com características que a enquadram em um tumor fibroso solitário extrapleural. A paciente foi referenciada para a equipe de bacia do serviço de ortopedia para excisão cirúrgica da lesão, tendo sido operada sem intercorrências – excisão total da lesão, com margens livres, foi obtida e o exame anatomopatológico foi compatível com o realizado na biópsia. Após excisão da lesão, ocorreu resolução completa dos sintomas relacionados com compressão do nervo ciático.


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Introdução

Os tumores fibrosos solitários (TFSs) são tumores raros de crescimento lento e de origem mesenquimatosa que correspondem a < 2% de todos os tumores de tecidos moles. Os TFSs podem surgir em praticamente todo o corpo, embora sejam mais frequentes em localização intratorácica.[1] Tumores fibrosos solitários em localização extrapleural são mais comuns a nível intra-abdominal, podendo ser intraperitoneais, retroperitoneais ou pélvicos.[2] Do ponto de vista clínico, estes tumores são normalmente assintomáticos até atingirem tamanho suficiente para originar sintomas compressivos – as dimensões são extremamente variáveis dependendo da localização da massa tumoral, podendo medir entre 1 e 40 cm.[1] [2] [3] No presente artigo, é apresentado um relato de caso de uma paciente com um TFS em localização rara, a chanfradura ciática, com sintomatologia de compressão do nervo ciático.


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Relato de Caso

Paciente do sexo feminino, 41 anos, sem antecedentes de relevo, referenciada para a equipe de bacia do departamento de ortopedia por um achado incidental em TAC pélvica, realizada para estudo de dor abdominal. Durante o acompanhamento inicial, a doente resolveu as queixas abdominais, mas desenvolveu dor tipo ciática, com irradiação para o membro inferior direito, com qualidade neuropática (dor tipo choque elétrico) e que não resolvia com medicação. Meios complementares de diagnóstico caracterizam a presença de uma massa tumoral extra-abdominal, extraperitoneal, localizada na chanfradura ciática direita, com provável compressão do nervo ciático. Biópsia guiada por TAC descreve a lesão como um tumor fibroso solitário extrapleural. A paciente foi proposta para excisão da lesão tumoral, tendo sido operada sem intercorrências – com remoção completa de uma massa sólida ([Figs. 1], [2] e [3]). O exame anatomopatológico foi consistente com o diagnóstico previamente estabelecido e confirmou margens livres. Após a cirurgia, houve resolução completa dos sintomas de compressão do nervo ciático e a paciente recebeu alta clínica do departamento da ortopedia.

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Fig. 1 Com apoio de fluoroscopia, e tendo por base a TAC abdominopélvica, foi marcada a chanfradura do ciático, a localização do tumor e a linha de incisão.
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Fig. 2 Foi realizada uma abordagem posterior da chanfradura ciática. Uma vez identificado o músculo piriforme, identificou-se a massa tumoral e efetuou-se a sua excisão.
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Fig. 3 Tumor excisado.

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Discussão

Os TFSs são lesões tumorais raras. Dado que muitas vezes são assintomáticos, são comumente diagnosticados de forma acidental. A localização variável também se traduz em tamanhos diversos no momento do diagnóstico, em função do efeito de massa necessário para causar sintomatologia.[1] TAC contrastada habitualmente demonstra um tumor bem delimitado, hipervascularizado e frequentemente lobulado, com áreas de necrose.[4] Idealmente, uma biópsia é realizada com o intuito de diagnosticar e classificar a malignidade da lesão, uma vez que os diagnósticos diferenciais são inúmeros.[1] Dada a raridade deste tipo de tumor, não existem diretrizes baseadas em ensaios randomizados clínicos. Como resultado, atualmente é aceita uma abordagem multidisciplinar semelhante à realizada para o tratamento de sarcomas de tecidos moles. Uma vez diagnosticado o TFS, o tratamento consensual é exérese cirúrgica da lesão com margens livres.[1] [2] [3] [4] O planeamento cirúrgico tem de ser feito caso a caso, dada a elevada variabilidade de localizações das lesões. Neste caso clínico, a equipe de cirurgiões optou por uma abordagem posterior da chanfradura ciática. Utilizando a TAC como referência, foi marcado o local da incisão com apoio de fluoroscopia ([Fig. 1]). Seguindo uma abordagem posterior modificada da articulação sacroilíaca direita (incisão mais distal), o músculo piriforme foi identificado ([Fig. 2]) e a massa tumoral foi encontrada imediatamente adjacente, sendo facilmente palpável. A excisão foi realizada sem intercorrências ([Fig. 3]), confirmando-se a presença de margens livres no exame anatomopatológico. O comportamento deste tipo de tumor é geralmente benigno, mas potencialmente agressivo a nível local. Contudo, uma fração destes pacientes tem TFS com comportamento maligno – sendo este desenvolvimento difícil de prever.[5] [6] A obtenção de margens livres na excisão cirúrgica é importante para prevenir recorrência e melhorar o prognóstico. Uma pequena série de casos estudos a longo prazo demonstrou níveis de recorrência local de 8%, mas os níveis reais de recorrência provavelmente são mais elevados.[4] [7] Em tumores com comportamento maligno, contudo, a resposta é muito menos duradoura, com recorrência em até 63% casos apesar de uma resseção completa da lesão.[4] Várias variáveis foram descritas para tentar identificar o comportamento maligno tumoral ([Tabela 1]).[1] Ainda assim, o prognóstico geral dos TFSs é significativamente superior ao de muitas outras neoplasias de tecidos moles, com taxa de sobrevivência de 59 a 100% aos 5 anos, e de 40 a 89% aos 10 anos.[4] [8] Um dos maiores estudos sobre os TFS reporta taxas de sobrevivência de 89% aos 5 anos e de 73% aos 10 anos.[3] Por este motivo, o acompanhamento está recomendado após a resseção de TFSs, apesar de não haver diretrizes estabelecidas. A presença de características de malignidade dita um acompanhamento mais apertado ([Tabela 1]).[1]

Tabela 1

Estudo

Características do tumor

Gold et al.[2]

Tumor recorrente

Margens macro ou microscopicamente positivas do tumor excisado

Tamanho > 10 cm

> 4 mitoses/10 campos de grande ampliação (HPF)*

Pleomorfismo nuclear aumentado

Celularidade aumentada

Presença de componentes malignos

Demicco et al.[3]

Idade > 55 anos

Tamanho > 15 cm

≥ 4 mitoses/10 campos de grande ampliação (HPF)*

Necrose tumoral

Os TFSs são neoplasias raras e pouco estudadas. Apesar de frequentemente assintomáticos e diagnosticados acidentalmente, por vezes provocam sintomatologia relacionada com efeito de massa, sendo a apresentação extremamente variável – dada a possibilidade de se poder manifestar em qualquer área do corpo humano. É consensual a exérese cirúrgica como tratamento, sendo importante o acompanhamento a longo prazo.


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Conflito de Interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Suporte Financeiro

Esta pesquisa não recebeu nenhuma bolsa específica de agências de fomento nos setores público, comercial ou sem fins lucrativos.

Estudo realizado no Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Centro Hospitalar Tondela-Viseu, Viseu, Portugal.


  • Referências

  • 1 Davanzo B, Emerson RE, Lisy M, Koniaris LG, Kays JK. Solitary fibrous tumor. Transl Gastroenterol Hepatol 2018; 3: 94
  • 2 Gold JS, Antonescu CR, Hajdu C. et al. Clinicopathologic correlates of solitary fibrous tumors. Cancer 2002; 94 (04) 1057-1068
  • 3 Demicco EG, Park MS, Araujo DM. et al. Solitary fibrous tumor: a clinicopathological study of 110 cases and proposed risk assessment model. Mod Pathol 2012; 25 (09) 1298-1306
  • 4 Robinson LA. Solitary fibrous tumor of the pleura. Cancer Contr 2006; 13 (04) 264-269
  • 5 Gholami S, Cassidy MR, Kirane A. et al. Size and location are the most important risk factors for malignant behavior in resected solitary fibrous tumors. Ann Surg Oncol 2017; 24 (13) 3865-3871
  • 6 Vallat-Decouvelaere AV, Dry SM, Fletcher CD. Atypical and malignant solitary fibrous tumors in extrathoracic locations: evidence of their comparability to intra-thoracic tumors. Am J Surg Pathol 1998; 22 (12) 1501-1511
  • 7 Okike N, Bernatz PE, Woolner LB. Localized mesothelioma of the pleura: benign and malignant variants. J Thorac Cardiovasc Surg 1978; 75 (03) 363-372
  • 8 Kayani B, Sharma A, Sewell MD. et al. A Review of the Surgical Management of Extrathoracic Solitary Fibrous Tumors. Am J Clin Oncol 2018; 41 (07) 687-694

Endereço para correspondência

Tiago Gameiro Alpalhão Fontainhas Carneiro, MD
Departamento de Cirurgia Ortopédica, Centro Hospitalar Tondela-Viseu, Hospital São Teotónio
Av. Rei Dom Duarte, 3504-509, Viseu
Portugal   

Publication History

Received: 02 July 2022

Accepted: 17 August 2022

Article published online:
31 July 2023

© 2023. The Author(s). This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution 4.0 International License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/)

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  • Referências

  • 1 Davanzo B, Emerson RE, Lisy M, Koniaris LG, Kays JK. Solitary fibrous tumor. Transl Gastroenterol Hepatol 2018; 3: 94
  • 2 Gold JS, Antonescu CR, Hajdu C. et al. Clinicopathologic correlates of solitary fibrous tumors. Cancer 2002; 94 (04) 1057-1068
  • 3 Demicco EG, Park MS, Araujo DM. et al. Solitary fibrous tumor: a clinicopathological study of 110 cases and proposed risk assessment model. Mod Pathol 2012; 25 (09) 1298-1306
  • 4 Robinson LA. Solitary fibrous tumor of the pleura. Cancer Contr 2006; 13 (04) 264-269
  • 5 Gholami S, Cassidy MR, Kirane A. et al. Size and location are the most important risk factors for malignant behavior in resected solitary fibrous tumors. Ann Surg Oncol 2017; 24 (13) 3865-3871
  • 6 Vallat-Decouvelaere AV, Dry SM, Fletcher CD. Atypical and malignant solitary fibrous tumors in extrathoracic locations: evidence of their comparability to intra-thoracic tumors. Am J Surg Pathol 1998; 22 (12) 1501-1511
  • 7 Okike N, Bernatz PE, Woolner LB. Localized mesothelioma of the pleura: benign and malignant variants. J Thorac Cardiovasc Surg 1978; 75 (03) 363-372
  • 8 Kayani B, Sharma A, Sewell MD. et al. A Review of the Surgical Management of Extrathoracic Solitary Fibrous Tumors. Am J Clin Oncol 2018; 41 (07) 687-694

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Fig. 1 Com apoio de fluoroscopia, e tendo por base a TAC abdominopélvica, foi marcada a chanfradura do ciático, a localização do tumor e a linha de incisão.
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Fig. 2 Foi realizada uma abordagem posterior da chanfradura ciática. Uma vez identificado o músculo piriforme, identificou-se a massa tumoral e efetuou-se a sua excisão.
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Fig. 3 Tumor excisado.
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Fig. 1 Sciatic notch, tumor location, and incision line determination with the support of fluoroscopy and based on an abdominopelvic computed tomography scan.
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Fig. 2 From a posterior approach to the sciatic notch, we identified the piriformis muscle, located the tumor mass, and excised it.
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Fig. 3 Excised tumor.