CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2023; 58(04): e592-e598
DOI: 10.1055/s-0043-1771482
Artigo Original
Coluna

Lombalgia em estudantes e professores de medicina durante a pandemia: Estudo de coorte retrospectivo[*]

Article in several languages: português | English
1   Estudante de Graduação em Medicina, Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo (SP), Brazil
,
1   Estudante de Graduação em Medicina, Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo (SP), Brazil
,
2   Membro do Centro de Excelência em Coluna, Programa Locomotor, Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brazil
,
2   Membro do Centro de Excelência em Coluna, Programa Locomotor, Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brazil
› Author Affiliations
Suporte Financeiro Nenhuma fonte de financiamento que pudesse influenciar os resultados foi recebida.
 

Resumo

Objetivo Este estudo teve como objetivo determinar a prevalência de lombalgia antes e durante a pandemia, comparando os dois períodos.

Métodos Foi aplicado um questionário contendo questões sobre a presença de lombalgia, características sociodemográficas e hábitos que poderiam estar relacionados à essa dor.

Resultados Entre as 978 respostas obtidas, a prevalência de lombalgia durante a pandemia foi de 69,94%, o que representou um aumento significativo em relação aos valores do período pré-pandêmico (57,37%). Foi encontrada alta prevalência de lombalgia entre todos os grupos, principalmente entre as mulheres. Alguns fatores foram associados à incidência de lombalgia, como ter problemas de coluna previamente diagnosticados e sedentarismo.

Conclusões A prevalência de lombalgia aumentou significativamente durante a pandemia nos grupos estudados.


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Introdução

Aproximadamente 80% da população, em algum momento da vida, sofrerá um episódio breve e agudo de lombalgia.[1] [2] Geralmente, a lombalgia é dividida em dois tipos: específica e inespecífica, onde a inespecífica não tem causa aparente e representa até 90% dos casos.[3] A lombalgia, além de limitar diversas atividades diárias e prejudicar a qualidade de vida, também é um dos principais fatores responsáveis por absenteísmo laboral e diminuição da produtividade no ambiente de trabalho.[4]

Na literatura são descritos vários fatores de risco que podem desempenhar um papel crucial na etiologia da lombalgia, como ser do gênero feminino, ter sobrepeso, história prévia de problemas de coluna, histórico familiar de problemas de coluna, tempo sentado prolongado e estilo de vida sedentário,[5] [6] [7] [8] ou mesmo fatores psicológicos, como ansiedade e estresse.[8] [9] Devido à grande carga horária dos cursos de medicina, alunos e professores frequentemente estão expostos a vários desses fatores de risco, como estresse e sedentarismo, e longas jornadas em hospitais e clínicas, que podem contribuir para uma maior prevalência de lombalgia quando comparados para a população em geral.[10] Além disso, a presença de dor lombar pode afetar a produtividade e a participação dos alunos nas aulas, o que pode impactar sua futura carreira médica.[10]

Um estudo realizado no Brasil com 629 estudantes de medicina revelou que a lombalgia recorrente esteve presente em 81% deles.[11] Outro estudo, realizado com 1.243 estudantes de medicina de uma faculdade francesa, relatou prevalência de lombalgia de 72,1%.[12] Apesar da limitação que a dor musculoesquelética representa para adolescentes e jovens adultos, faltam dados sobre lombalgia em estudantes de medicina.[13]

Da mesma forma, poucos estudos investigaram a presença de lombalgia em professores,[14] e essa carência é ainda maior quando se trata de professores do curso de medicina, que também estão expostos a diversos fatores de risco para a presença de lombalgia, como movimentos repetitivos ao escrever, ficar em pé por longos períodos de tempo e uso diário do computador.[15] Em um estudo realizado com professores de uma escola primária na Etiópia, foi encontrada uma prevalência de lombalgia de 74,8%, que estava relacionada a alguns fatores de risco, como ficar muito tempo em pé, falta de sono e sedentarismo.[16]

Durante a pandemia de COVID-19, as aulas presenciais foram canceladas, obrigando as universidades a adotarem um modelo de ensino à distância. No entanto, essa mudança favoreceu alguns aspectos relacionados à prevalência de lombalgia, como ficar muito tempo sentado, inatividade física e maior estresse psicológico, o que poderia aumentar a prevalência de lombalgia em alunos e professores nesse período atípico. O objetivo deste estudo foi determinar a prevalência de lombalgia em estudantes e professores do curso de medicina de três universidades brasileiras durante a pandemia e compará-la com o período pré-pandêmico, além de identificar fatores de risco associados ao desenvolvimento dessa dor.


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Materiais e métodos

Aprovação Ética

O protocolo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição, em 04 de outubro de 2020 (CAAE n° 38595320.9.0000.5492).


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Questionário e participantes

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa das instituições afiliadas dos autores, e o consentimento foi obtido de todos os participantes. Foi realizado um estudo de coorte retrospectivo por meio da aplicação de um questionário a estudantes e professores de medicina de três escolas médicas brasileiras localizadas em diferentes estados do país. Os critérios de inclusão foram que os participantes deveriam ser estudantes ou professores de medicina das três universidades participantes. Foram excluídos do estudo os participantes que discordassem na assinatura do termo de consentimento, aqueles que não fossem alunos ou professores de medicina das universidades participantes e mulheres em período gestacional. O questionário foi distribuído entre dezembro de 2020 e março de 2021 e abordou questões sobre características sociodemográficas (como gênero, idade e etnia), presença de lombalgia antes e durante a pandemia, quantificação da intensidade dessa lombalgia, histórico familiar de doenças e cirurgias da coluna vertebral e diversos fatores comportamentais que podem estar associados à prevalência de lombalgia nessa população, além do impacto nas atividades diárias e no estado emocional.


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Análise estatística

Tendo em vista o total aproximado de 3.000 alunos de medicina e 200 professores nessas três universidades, adotamos um nível de confiança de 95% e margem de erro de 5%, calculando uma amostra de 341 alunos e 132 professores. E como as três universidades estão localizadas em estados diferentes e podem apresentar discrepâncias regionais, com o objetivo de analisar subgrupos por instituição de ensino, mantendo um nível de confiança de 95% e margem de erro de 5%, a amostra por instituição deveria ser de no mínimo 278 alunos e 60 professores.

A análise descritiva dos resultados foi realizada para caracterização dos participantes da pesquisa. Para descrever os resultados, foram utilizados a frequência absoluta e percentual para variáveis categóricas. Para comparar a proporção de lombalgia antes e durante a pandemia nos diferentes grupos, foi utilizado o teste de McNemar. Para investigar possíveis fatores associados à lombalgia durante a pandemia, foi utilizada regressão logística univariada, estimando-se odds ratio (OR) como medida de efeito, com intervalo de confiança (IC) de 95%. Posteriormente, as variáveis que apresentaram associação pelo menos moderada (P < 0,25) com a variável de interesse foram selecionadas por meio do teste qui-quadrado. Essas variáveis foram incluídas no modelo multivariado, estimando-se o odds ratio ajustado, considerando possíveis interações entre elas. A qualidade do modelo multivariado foi avaliada por meio do teste de Hosmer e Lemeshow. Para todas as análises, apenas P < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.


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Resultados

No total, 978 indivíduos responderam ao questionário. Dentre eles, 831 eram alunos do 1° ao 4° ano, 60 alunos do 5° e 6° ano (internato médico) e 87 professores ([Tabela 1]).

Tabela 1

Universidade 1

n (%)

Universidade 2

n (%)

Universidade 3

n (%)

Total (n%)

Estudantes do 1° ao 4° ano

295 (35.49%)

250 (30.08%)

286 (34.43%)

831(100%)

Estudantes do 5° ao 6° ano

19 (31.66%)

35 (58.33%)

6 (10.01%)

60 (100%)

Professores

70 (80.45%)

10 (11.49%)

7 (8.06%)

87 (100%)

Prevalência de Lombalgia

Quando questionados sobre a presença de lombalgia antes e durante a pandemia, os percentuais de respostas afirmativas aumentaram entre professores e alunos do 1° ao 4° ano, e diminuíram entre os alunos do 5° ao 6° ano. Entre os professores, 28,74% que não tinham lombalgia passaram a sentir dor durante a pandemia (P < 0,001). Da mesma forma, 20,10% dos alunos do 1° ao 4° ano que não apresentavam lombalgia antes da pandemia passaram a queixar-se de lombalgia (P < 0,001). Durante a pandemia, apenas para o grupo de alunos do 5° e 6° ano não houve aumento da prevalência de lombalgia (P = 1,000).

Para alunos do 1° ao 4° ano, a prevalência de lombalgia aumentou de 54,75% antes da pandemia para 71,48% durante a pandemia (P < 0,001). Entre os alunos do 5° e 6° ano, a prevalência não se alterou significativamente, registando-se 66,67% antes e 65% durante a pandemia (P = 1.000). Por fim, entre os professores, a prevalência aumentou de 31,03% antes para 58,62% durante a pandemia (P < 0,001) ([Tabela 2]).

Tabela 2

Professores n (%)

Estudantes do 1° ao 4° ano

n (%)

Estudantes do 1° ao 4° ano

n (%)

Geral

n (%)

Apresentava dor nas

costas antes da

pandemia?

Não

60 (68.97%)

376 (45.25%)

20 (33.33%)

456 (46.63%)

Sim

27 (31.03%)

455 (54.75%)

40 (66.67%)

522 (53.37%)

Apresentava dor nas costas

durante a pandemia?

Não

36 (41.38%)

237 (28.52%)

21 (35.00%)

294 (30.06%)

Sim

51 (58.62%)

594 (71.48%)

39 (65.00%)

684 (69.94%)


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Fatores de risco associados

Alunos do 1° ao 4° ano tiveram significativamente mais chance de ter lombalgia quando comparados aos professores (OR: 1,77, IC 95%: 1,12-2,77; P = 0,013). Entre os participantes da pesquisa que não têm dor nas costas, 60,2% são mulheres, enquanto entre os participantes que têm, 79,97% são mulheres, sendo que os homens têm chances significativamente menores de ter dor lombar quando comparados às mulheres (OR: 0,38, 95% CI: 0,28-0,51; P < 0,001). Também foi observado que aqueles previamente diagnosticados com algum problema de coluna tiveram chances significativamente maiores de dor lombar quando comparados àqueles que não possuíam diagnóstico (OR: 3,56, IC 95%: 2,4-5,43; P < 0,001). Além disso, indivíduos com histórico familiar de problemas na coluna também foram significativamente mais propensos a ter dor lombar (OR: 1,78, IC 95%: 1,35-2,36; P < 0,001). Os entrevistados da universidade 2 foram menos propensos a ter lombalgia quando comparados com as outras instituições (OR: 0,56, IC 95%: 0,4-0,77; P < 0,001).

Em relação à postura ao sentar-se, aqueles que sempre sentam corretamente, os que sentam corretamente a maior parte do tempo e mesmo os que sentam corretamente com menos frequência tiveram chances significativamente menores de ter lombalgia quando comparados aos que nunca sentam corretamente (ORs de 0,11; 0,32 e 0,65 e P < 0,001; P < 0,001 e P = 0,012, respectivamente). Considerando o consumo de tabaco, café e bebidas alcoólicas, nenhum deles foi estatisticamente significativo para a prevalência de lombalgia entre nenhum dos grupos (P = 0,915; P = 0,274 e P = 0,255, respectivamente).

As horas de sono também afetaram significativamente as chances de sentir dor lombar. Aqueles que dormiam de 6 a 9 horas por dia antes da pandemia tinham menor chance de dor lombar quando comparados aos que dormiam menos (OR: 0,61, IC 95%: 0,45-0,83; P = 0,002). Da mesma forma, indivíduos que dormiam de 6 a 9 horas por dia durante a pandemia também tiveram menor chance de dor lombar (OR: 0,41, IC 95%: 0,26-0,63; P < 0,001). Além disso, indivíduos que dormiam mais de 9 horas por dia durante a pandemia também tiveram menores chances de apresentar dor lombar (OR: 0,54, IC 95%: 0,3-0,96; P = 0,038). Aqueles que se exercitaram durante a pandemia tiveram chances significativamente menores de ter dor lombar quando comparados aos que não praticaram atividades físicas (OR: 0,57, IC 95%: 0,42-0,76; P < 0,001). Para todas as outras variáveis, não há evidências suficientes de que as chances de indivíduos com tais características sejam significativamente diferentes em comparação com as características definidas como linha de base a 5% de significância.

No modelo logístico múltiplo, apenas ser do gênero masculino (OR ajustado: 0,47, IC 95%: 0,33-0,66; P < 0,001), sentar-se sempre corretamente (OR ajustado: 0,11, IC 95%: 0,04-0,3; P < 0,001), sentar-se corretamente a maior parte do tempo (OR ajustado: 0,31, IC 95%: 0,19-0,49; P < 0,001), sentar-se corretamente com menos frequência (OR ajustado: 0,59, IC 95%: 0,4-0,86; P = 0,006), ser da universidade 2 (OR ajustado: 0,54, IC 95%: 0,35-0,83; P = 0,005), estudar/trabalhar entre 1 a 4 horas por dia durante a pandemia (OR ajustado: 0,49, IC 95%: 0,24-0,97; P = 0,046) e dormir de 6 a 9 horas por dia durante a pandemia (OR ajustado: 0,4, IC 95%: 0,23-0,66; P < 0,001) se destacaram como fatores de proteção para lombalgia. Por outro lado, ainda no modelo logístico múltiplo, apenas ter problemas de coluna previamente diagnosticados (OR ajustado: 3,79, IC 95%: 2,42-6,14; P < 0,001) e histórico familiar de problemas de coluna (OR ajustado: 1,82, IC 95%: 1,32-2,52; P < 0,001) se destacaram como fatores de risco. A [Tabela 3] resume fatores importantes e sua associação com dor lombar.

Tabela 3

Variável

Dor lombar

OR

IC (95%)

p Valor

Não

n (%)

Sim

n (%)

Grupo

 Professores

36

12,24%

51

7,46%

1

 Estudantes (1° ao 4° ano)

237

80,61%

594

86,84%

1,77

1,12-2,77

0,013*

 Estudantes (5° ao 6° ano)

21

7,14%

39

5,70%

1,31

0,67-2,61

0,436

Gênero

 Feminino

177

60,20%

547

79,97%

1

 Masculino

117

39,80%

137

20,03%

0,38

0,28-0,51

<0,001*

Universidade

 1

100

34,01%

284

41,52%

1

 2

114

38,78%

181

26,46%

0,56

0,4-0,77

<0,001*

 3

80

27,21%

219

32,02%

0,96

0,68-1,36

0,834

Problema de coluna anterior

 Não

263

89,46%

482

70,47%

1

 Sim

31

10,54%

202

29,53%

3,56

2,4-5,43

<0,001*

Histórico familiar de problemas na coluna

 Não

177

60,20%

314

45,91%

1

 Sim

117

39,80%

370

54,09%

1,78

1,35-2,36

<0,001*

Senta-se corretamente

 Não

66

22,45%

255

37,28%

1

 Quase nunca

129

43,88%

323

47,22%

0,65

0,46-0,91

0,012*

 Quase sempre

80

27,21%

98

14,33%

0,32

0,21-0,47

<0,001*

 Sim

19

6,46%

8

1,17%

0,11

0,04-0,25

<0,001*

Horas diárias de sono antes da pandemia

 Menos de 6 horas

74

25,17%

242

35,38%

1

 6-9 horas

216

73,47%

434

63,45%

0,61

0,45-0,83

0,002*

 Mais de 9 horas

4

1,36%

8

1,17%

0,61

0,19-2,34

0,433

Horas diárias de sono durante a pandemia

 Menos de 6 horas

26

8,84%

127

18,57%

1

 6-9 horas

233

79,25%

464

67,84%

0,41

0,26-0,63

<0,001*

 Mais de 9 horas

35

11,90%

93

13,60%

0,54

0,3-0,96

0,038*

Consumo de álcool

 Não

104

35,37%

270

39,47%

1

 Sim

190

64,63%

414

60,53%

0,84

0,63-1,11

0,227

Consumo de café

 Não

76

25,85%

202

29,53%

1

 Sim

218

74,15%

482

70,47%

0,83

0,61-1,13

0,242

Fumante

 Não

283

96,26%

661

96,64%

1

 Sim

11

3,74%

23

3,36%

0,9

0,44-1,93

0,767

Exercício físico antes da pandemia

 Não

88

29,93%

213

31,14%

1

 Sim

206

70,07%

471

68,86%

0,94

0,7-1,27

0,707

Exercício físico durante a pandemia

 Não

84

28,57%

282

41,23%

1

 Sim

210

71,43%

402

58,77%

0,57

0,42-0,76

<0,001*

Além disso, 41,2% dos participantes com lombalgia relataram que a dor afeta o desempenho nas atividades relacionadas à faculdade. Além disso, 52,3% dos participantes que relataram ter lombalgia indicaram que ela prejudica a concentração. Também, 59,6% deles relataram que a dor alterava significativamente seu humor, causando ansiedade, tristeza ou raiva. Fora isso, 37,9% dos que referiram lombalgia também relataram que a dor dificulta permanecer sentado por mais de 30 minutos. Assim, fica evidente que a lombalgia nesses indivíduos certamente é capaz de prejudicar sua vida acadêmica e diária.

Quando questionados sobre a intensidade de sua dor em uma escala de 1 a 10, antes da pandemia, as intensidades de dor mais comuns relatadas eram entre 4 e 5. Durante a pandemia, no entanto, as intensidades de dor mais comuns relatadas eram entre 6 e 7. Embora tenha havido apenas um leve aumento na intensidade da dor, devido à maior exposição a fatores de risco, a pandemia poderia ter piorado a intensidade da dor lombar desses indivíduos.


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Discussão

O objetivo deste estudo foi investigar a presença de lombalgia em estudantes e professores de medicina de três universidades localizadas em diferentes regiões do Brasil.

Houve aumento significativo da prevalência de lombalgia em todos os grupos estudados, exceto nos alunos do 5° e 6° ano. Isso provavelmente ocorreu porque esses alunos continuaram com o horário normal, mesmo com a pandemia, pois nessa fase do curso de medicina, basicamente só estão em hospitais. A prevalência geral de dor lombar, considerando todos os participantes, aumentou de 53,37% antes da pandemia para 69,94% durante a pandemia. Considerando apenas os alunos do 1° ao 4° ano, a prevalência de lombalgia era de 54,75% antes e 71,48% durante a pandemia. Fica evidente que, durante a pandemia, a rotina acadêmica dos alunos do 5° e 6° anos não foi tão alterada quando comparada à rotina dos alunos e professores do 1° ao 4° ano, o que pode explicar a prevalência inalterada de lombalgia nesse grupo, pois não houve exposição aumentada a fatores de risco relacionados à lombalgia.

Além disso, a prevalência de lombalgia é maior entre as mulheres do que entre os homens, corroborando achados de outros autores.[17] [18] [19] Além disso, em nosso estudo, a existência de história familiar de problemas na coluna esteve relacionada à prevalência de lombalgia. O mesmo resultado foi obtido por Alshagga et al.[20] e Ilic et al.,[21] que encontraram relação positiva entre histórico familiar de distúrbios musculoesqueléticos e prevalência de dor lombar.

Em relação ao uso de tabaco, vários estudos indicam que fumar pode ser um fator de risco para lombalgia.[22] [23] [24] Porém, em nosso estudo não foi possível determinar essa associação, como em outro estudo realizado no Brasil com 629 estudantes de medicina em período não pandêmico.[11] Além disso, a prática de exercícios físicos mostrou-se protetora contra o aparecimento de lombalgia, corroborando o estudo de Sihawong et al.[25]

Ter um sono de boa qualidade, em nosso estudo, também foi um fator de proteção contra o aparecimento de lombalgia, indo de encontro a outro estudo que encontrou tendência de pior lombalgia em indivíduos com sono de má qualidade.[26] Por outro lado, embora sentar corretamente tenha sido um fator de proteção contra lombalgia, De Carvalho et al.,[27] em sua meta-análise, não encontraram relação significativa entre as posições sentada e a presença de lombalgia em comparação com as posições em pé, concluindo que mais estudos são necessários para melhor elucidar essa questão. Vale ressaltar que sentar-se corretamente foi avaliado de acordo com a percepção de cada entrevistado e precisa ser visto com cautela.

Os participantes da instituição número 2 apresentaram menor probabilidade de ter lombalgia quando comparados às demais instituições. Comparando a exposição aos fatores de risco entre os indivíduos das três universidades participantes, os indivíduos da instituição número 2 relataram maior engajamento em exercícios durante a pandemia (77,96% relataram praticar, ante 65,88% e 48,17% nas outras duas instituições) e melhor qualidade do sono (92,54% relataram dormir mais de 6 horas por noite, contra 75,5% na instituição número 1, por exemplo). Isso pode refletir menor exposição a fatores de risco relacionados à lombalgia.

Considerando o alto índice de indivíduos que relataram prejuízo em suas atividades universitárias devido à presença de lombalgia (28,83%), fica evidente que essa condição pode impactar o desempenho acadêmico desses professores e alunos.

As principais limitações deste estudo são inerentes ao modelo de coorte retrospectivo. Além disso, os dados referentes aos docentes devem ser analisados com cautela, pois o número de participantes desse grupo ficou abaixo do esperado, com exceção dos docentes da universidade 1. No entanto, há uma prevalência muito alta de lombalgia em estudantes de medicina e professores, indicando a necessidade de implementar estratégias preventivas para minimizar o problema.


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Conclusão

A prevalência de lombalgia é alta entre estudantes e professores de medicina, aumentando ainda mais no período da pandemia, exceto entre alunos do 5° e 6° ano. Antecedentes familiares e pessoais de problemas de coluna, gênero feminino e má postura ao sentar foram fatores de risco, enquanto atividade física e sono de boa qualidade foram fatores de proteção para o aparecimento de lombalgia. Além disso, considerando a escassez de dados sobre os reais impactos dessa alta prevalência de lombalgia nesses grupos, ainda são necessários estudos mais específicos sobre o assunto.


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Conflitos de Interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

* Estudo desenvolvido na Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, Brasil.


Contribuições dos autores

Cada autor contribuiu individual e significativamente para o desenvolvimento deste artigo. AFM (0000-0002-9419-7777)*: curadoria de dados (igual), investigação (igual), metodologia (igual), redação-rascunho original (igual) e redação-revisão e edição (igual); NFL (0000-0002-3874-4588)*: curadoria de dados (igual), investigação (igual), metodologia (igual), redação-rascunho original (igual) e redação-revisão e edição (igual); MW (0000-0003-1961-6537)*: conceituação (igual), metodologia (igual), administração do projeto (igual), supervisão (igual), redação-rascunho original (igual) e redação-revisão e edição (igual); e DEM (0000-0001-5510-3507)*: conceituação (lead), curadoria de dados (igual). Investigação (igual), metodologia (igual), administração do projeto (igual), supervisão (igual), redação-rascunho original (igual) e redação-revisão e edição (igual). *ORCID (Open Researcher and Contributor ID).


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Endereço para correspondência

Arthur Fiorotto de Mattos
Universidade Anhembi Morumbi, Rua Dr. Almeida Lima
1.134, Mooca, 01310-200, São Paulo, SP
Brazil   

Publication History

Received: 25 June 2022

Accepted: 08 November 2022

Article published online:
30 August 2023

© 2023. Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution-NonDerivative-NonCommercial License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit. Contents may not be used for commercial purposes, or adapted, remixed, transformed or built upon. (https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/)

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Rua do Matoso 170, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20270-135, Brazil

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