Palavras-chave artroplastia do joelho - durapatita - cimentos ósseos - prognóstico
Introdução
A demanda por artroplastias está aumentando em todo o mundo, sendo indicada cada vez
mais precocemente e em pacientes mais jovens. Kurtz et al.[1 ] previram que até 2030, 55% das artroplastias totais do joelho (ATJ) ocorrerão em
pacientes com menos de 65 anos. Em prol disso, a comunidade cientifica tem se impulsionado
em busca de métodos e estratégias cirúrgicas que proporcionem maior longevidade e
estabilidade aos implantes.
O método ideal de fixação utilizado em ATJ permanece incerto. Embora a utilização
do cimento ósseo ainda seja a forma mais aceita e utilizada pela maioria dos cirurgiões
de joelho, é crescente o número de estudos que evidenciam resultados melhores ou equivalentes
ao utilizar componentes não cimentados.
Dentre as vantagens dos componentes não cimentados, Bercovy et al.[2 ] cita a ausência de toxicidade na interface osso-implante, a diminuição do tempo
cirúrgico e a redução do risco de desgaste do polietileno. Em contrapartida a fixação
não cimentada é, teoricamente, mais vulnerável por permitir maiores micro movimentos
no pós-operatório imediato.
As ATJ não cimentadas ainda podem ter sua fixação melhorada a partir do revestimento
de hidroxapatita ao redor da superfície porosa do componente. Freitas et al.[3 ] destacou que, devido às propriedades de biocompatibilidade e bioatividade, a hidroxapatita
tem notória aplicação em áreas de implante e enxertos ósseos, aumentando a fixação
biológica e estabilidade da prótese.
Dentre os diversos fatores a serem analisados a migração do componente tibial das
ATJ está entre os mais investigados, uma vez que influencia diretamente na longevidade
da prótese, nos índices de soltura, na necessidade de revisão e, consequentemente,
no sucesso clinico obtido após o procedimento. Portanto, esta metanálise de ensaios
clínicos randomizados publicados nos últimos 10 anos é uma ferramenta eficaz e necessária
para determinar os benefícios ou indiferenças dentre as três formas de fixação disponíveis,
uma vez que estudos anteriores semelhantes não as agruparam em uma metanálise. Dessa
maneira, o objetivo do estudo é avaliar quantitativamente e comparar a migração obtida
pelo componente tibial em ATJ cimentada, não cimentada sem revestimento e não cimentada
com revestimento de hidroxapatita.
Materiais e Método
Esta metanálise foi conduzida de acordo com a metodologia Preferred Reporting Items
for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA).
Estratégia de Busca
Foi realizada busca sistemáticas na literatura, a partir das bases de dados PubMed
e MeSH no período de junho a julho de 2022. Foi utilizado a busca avançada pela ferramenta
Medical Subject Headings (MeSH) com as palavras-chaves: “randomized controles trial”
AND (“hydroxyapatite” OR “durapatite”) AND (“knee artrhoplasty” OR “Arthroplasty,
Replacemente, Knee”) Além disso, na busca no PubMed foram utilizados termos livres
que não foram encontrados nos Descritores em Ciência da Saúde (DeCS) ou no MeSH: “knee
cemented uncemented” OR “knee cemented uncemented rsa.”
Critérios de Elegibilidade
Foram considerados para análise ensaios clínicos randomizados, publicados nos últimos
10 anos, que analisaram, através de radioesteriometria, a migração do componente tibial
de ATJ cimentadas, não cimentadas sem revestimento e não cimentadas com revestimento
ao longo do tempo. Nenhuma limitação de idioma foi aplicada.
Foram excluídos estudos realizados em animais, estudos que incluíam na análise próteses
de revisão e aqueles que não incorporavam em seus resultados o maximun total point motion (MTPM).
Seleção dos Artigos
Os artigos foram baixados através do navegador Mozilla Firefox. Os arquivos foram
selecionados de forma individual por dois autores distintos. Discordâncias na seleção
dos artigos foram resolvidas em acordo comum.
Análise Estatística
Após a seleção dos estudos e extração dos dados de número amostral, média e desvio-padrão
de MTPM (mm) foi estimada a diferença das médias ponderadas, com intervalo de confiança
(95%), entre duas exposições: cimentada e não cimentada sem revestimento. O modelo
de efeito aleatório foi usado e a heterogeneidade entre os estudos foi testada usando
a estatística I2 e o teste qui-quadrado.
Estabeleceu-se três categorias em relação ao tempo após a realização da ATJ: dois
anos, cinco anos e dez anos.
Em um estudo,[4 ] o desvio-padrão foi estimado a partir do limite superior e inferior do intervalo
de confiança. Em outros três estudos,[5 ]
[6 ]
[7 ] o desvio-padrão foi estimado a partir da média dos outros estudos (Cochrane Handbook).
Após a elaboração de um banco de dados no software Excel, os dados foram processados
no software R versão 4.1.2 com interface Rstudio e foram apresentados os gráficos
de Forest Plot para metanálise e Gráfico do Funil para avaliação do viés de publicação
([Fig. 1 ]).
Fig. 1 Fluxograma da identificação e seleção dos artigos.
Resultados
Oito ensaios clínicos randomizados preencheram os critérios de elegibilidade para
esta metanálise. Destes, seis compararam a artroplastia total de joelho (ATJ) cimentada
com a ATJ não cimentada sem revestimento; um comparou a ATJ cimentada com a ATJ não
cimentada com revestimento de hidroxapatita e um comparou a ATJ não cimentada sem
revestimento com a ATJ não cimentada com revestimento de hidroxapatita. Dentre todos
os estudos analisados, tivemos um total de 668 joelhos ([Tabela 1 ]).
Tabela 1
Estudos
Amostras
Técnica
N
Seguimento
(em meses)
Laend et al. (2019) [8]
222/138
CIMExNCSR
360
12 e 24
Henricson e Nilsson (2016) [5]
21/26
CIMExNCSR
47
3, 24 e 60
Henricson, Rõsmar e Nilsson (2013) [11]
21/26
CIMExNCSR
47
120
Pijls (2012) [6]
24/20
CIMExNCSR
44
120
Wilson et al. (2012) [4]
18/27
CIMExNCSR
45
6, 12, 24 e 60
Heesterbeek et al. (2016) [7]
16/17
CIMExNCSR
33
24
van Hamersveld et al. (2017) [9]
30/30
CIMExNCCR
60
3, 12, 24 e 60
van Hamersveld et al. (2018) [10]
17/16
NCSRxNCCR
33
12, 24 e 120
Total
669
Seis estudos foram incluídos para metanálise comparando as técnicas de artroplastia
total de joelho (ATJ) cimentada e ATJ não cimentada sem revestimento. A diferença
média padronizada com efeito de modelo comum foi de -1,20 (IC95%, -1,39 a -1,02),
na análise com modelo de efeito aleatório foi de -0,55 (IC95%, -1,26 a 0,17), este
resultado apesar de favorecer a técnica cimentada não apresentou diferença significativa
([Fig. 2 ]). A partir do gráfico de funil ([Fig. 3 ]) e da estimativa I2 , observou-se alta heterogeneidade com valor de 97% (p-valor < 0,01).
Fig. 2 Forest plot da MTPM comparando a artroplastia total de joelho cimentada e artroplastia
total do joelho não cimentada sem revestimento.
Fig. 3 Gráfico do funil com erro padrão e diferença da média ponderada entre a artroplastia
total de joelho cimentada e a artroplastia total de joelho não cimentada sem revestimento.
Em seguida, analisamos as médias isoladas de MTPM para cada tipo de técnica e por
período de tempo. Considerando a técnica cimentada, observou-se que a média de MTPM
foi maior em experimentos com cinco anos de acompanhamento com média de 0,67 mm (IC95%
- 0,52 a 0,87). Por outro lado, a média de MTPM foi menor nos experimentos de até
dois anos (0,28mm, IC95% - 0,10 a 0,79). Apesar das diferenças nas médias de MTPM,
estas não foram estatisticamente significantes. No período de experimento de dez anos
os valores de MTPM foram intermediários com média de 0,41mm (IC95% - 0,16 a 1,04)
([Fig. 4 ]).
Fig. 4 Forest plot da média de MTPM das artroplastia totais de joelho cimentadas por período
e tempo em anos.
Quanto a média MTPM nos experimentos não cimentados sem revestimento, observou-se
maior média no período de 10 anos (1,30mm; IC95% - 0,70 a 2,39); menor média foi observada
no período de 2 anos (0,70mm; IC95% - 0,30 a 1,60) e um valor intermediário foi observado
no período de cinco anos com média de 0,96 mm. Apesar das diferenças numéricas nas
médias de MTPM não se observou diferença estatisticamente significante ([Fig. 5 ]).
Fig. 5 Forest plot da média de MTPM das artroplastia totais de joelho não cimentadas sem
revestimento por período de tempo em anos.
Na [Fig. 6 ] são apresentados os estudos que mensuraram a média de MTPM quando se usou a técnica
com não cimentada com revestimento de hidroxapatita. Menor média foi observada no
período de 10 anos (0,90mm; IC95% - 0,69 a 1,18) e maior média no período de cinco
anos (1mm; IC95% - 0,82 a 1,22). Apesar das diferenças numéricas nas médias de MTPM
não se observou diferença estatisticamente significante.
Fig. 6 Forest plot da média de MTPM das artroplastia totais de joelho não cimentadas com
revestimento de hidroxapatita por período de tempo em anos.
[Fig. 6 ]: Forest plot da média de MTPM das artroplastia totais de joelho não cimentadas com
revestimento de hidroxapatita por período de tempo em anos.
Discussão
Este estudo teve como objetivo primário avaliar e comparar quantitativamente a migração
obtida pelo componente tibial em artroplastia total de joelho (ATJ) cimentada, não
cimentada sem revestimento e não cimentada com revestimento de hidroxapatita. Os resultados
mostram favorecer a ATJ cimentada (DMP -0,65) em relação a ATJ não cimentada. Porém,
não apresentam diferença significativa (IC95%, -1,65 a 0,35), e é provável que isso
se deve à alta heterogeneidade dos estudos (I2 = 97%; p < 0,01). O estudo com a maior amostra fez o seguimento por 2 anos, onde encontrou
resultados favoráveis a ATJ cimentada e com diferença significativa.[8 ]
Apenas dois estudos com o mesmo autor obtiveram dados de ATJ não cimentada com revestimento
de hidroxapatita.[9 ]
[10 ] Diante disso, não podemos chegar em um resultado conclusivo comparando a esta técnica
com as que utilizam ATJ cimentada ou não cimentada sem revestimento. De modo geral,
as ATJ não cimentadas com revestimento de hidroxiapatita obtiveram o maior MTPM médio
(0.94mm), seguidas das sem revestimento (0.81mm), e as ATJ cimentadas com menor MTPM
médio (0.40mm). Entretanto, van Hamersveld et al.[10 ] relata que o maior MTPM médio das ATJ não cimentadas revestidas com hidroxiapatita
se deve a maior migração dos componentes revestidos nas primeiras semanas pós-operatórias
e, que após 3 meses, há diminuição da progressão de migração. Em nosso estudo encontramos
um MTPM médio menor das ATJ não cimentadas com revestimento de hidroxiapatita (0.9mm)
com relação as ATJ não cimentada sem revestimento (1.7mm) em 10 anos, porém há apenas
um único estudo que realizou seguimento de 10 anos com revestimento de hidroxiapatita.
Em um estudo que não foi possível inserir na análise de das ATJ com revestimento por
ausência de dados absolutos de MTPM há relato de redução da migração do componente
tibial da técnica com hidroxiapatita se comparada com a não cimentada e não revestida.[6 ]
Analisamos o MTPM médio isolado de cada técnica (cimentada, não cimentada sem revestimento
e não cimentada com revestimento de hidroxiapatita) de acordo com o período em anos,
encontrando maior MTPM médio no intervalo de 5 anos nas ATJ cimentadas e nas não cimentadas
com revestimento de hidroxapatita; e maior no período de 2 anos nas ATJ não cimentadas
sem revestimento. Porém, apesar de haver diferença nas médias, essas não foram estatisticamente
significantes.
Há de se destacar que o uso de componentes cimentados ou não cimentados com designs
diferentes entre os grupos dos estudos pode interferir na migração. Os estudos encontrados
não foram homogêneos com relação aos designes utilizados na fixação. Laende et al.[8 ] utilizou 8 desenhos de implantes diferentes, sendo 5 não cimentados, e encontrou
resultados de migração menos favoráveis com implante modular significativamente maior
em 1 ano e entre 1 e 2 anos, indicando que este desenho de implante modular está em
maior risco de sobrevivência ruim a longo prazo. Nos dois estudos de van Hamersveld
et al.[9 ]
[10 ] foram utilizados apenas o implante de Triathlon na sua versão cimentada e não cimentada
com revestimento de hidroxapatita. Henricson e Nilsson[5 ]
[11 ] utilizaram um componente tibial Trabecular Monobloco de Metal (TM) em não cimentados
e componentes NextGen em cimentados, onde encontraram um bom prognóstico dos componentes
TM não cimentados por 10 anos, com estabilização a partir de 3 meses após a migração
inicial precoce. Wilson et al.[4 ] também fizeram uso de componente tibial TM em não cimentados e NextGen em cimentados,
encontrando resultados semelhantes em um intervalo de 5 anos de estudo.
Em relação à elevada heterogeneidade dos estudos de uma forma geral, uma possível
justificativa para a relativa variabilidade dos resultados de estudos da fixação da
ATJ consiste na variedade de designers utilizados e ausência de método de cegamento
dos estudos. Além disso, devido à escassez de artigos sobre o tema, não houve limites
demográficos populacionais, os quais podem influenciar de alguma forma.
A artroplastia total de joelho cimentada ainda é a campeã entre ortopedistas, mas
a demanda por ATJ está aumentando, e em idade populacional menor. Diante disto, ensaios
recentes demonstraram que a ATJ não cimentada tem sobrevida maior e resultados funcionais
comparáveis às próteses cimentada.[12 ]
[13 ] No entanto, mais estudos prospectivos e randomizados são necessários para delinear
claramente quaisquer diferenças entre essas três opções de fixação. É preciso enfatizar
a necessidade de um tempo de seguimento maior de 10 anos e uma maior serialização
no primeiro ano do estudo. O uso de cegamento também agregaria valor aos estudos futuros,
com eliminação de vieses como preferências do cirurgião e peculiaridades de técnicas
cirúrgicas.
Conclusão
A migração obtida pelo componente tibial na artroplastia total de joelho (ATJ) foi
estatisticamente semelhante em 2, 5 e 10 anos ao comparar as técnicas cimentada e
não cimentada (com e sem revestimento). Entretanto, devido ao pequeno número de artigos
existentes, são necessários mais estudos clínicos sobre tais técnicas e com maior
tempo de acompanhamento.