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CC BY 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2024; 59(01): e93-e100
DOI: 10.1055/s-0044-1779609
Artigo Original
Ombro e Cotovelo

Os ângulos de distalização e lateralização do ombro na artroplastia reversa podem interferir nos resultados funcionais em pacientes com artropatia do manguito rotador?

Article in several languages: português | English
1   Departamento deOrtopedia e Traumatologia, Hospital Británico de Buenos Aires, Buenos Aires, Argentina
,
1   Departamento deOrtopedia e Traumatologia, Hospital Británico de Buenos Aires, Buenos Aires, Argentina
,
2   Conselho Científico, Hospital Británico de Buenos Aires, Buenos Aires, Argentina
› Author Affiliations

Suporte Financeiro Este trabalho não recebeu suporte financeiro de fontes públicas, comerciais ou sem fins lucrativos.
 

Resumo

Objetivo: Avaliar a influência dos valores radiográficos nos resultados clínicos e funcionais em pacientes tratados com artroplastia reversa para artropatia do manguito rotador utilizando um desenho lateralizado.

Métodos: Foi realizada uma análise retrospectiva. Foram registradas as demografias dos pacientes, bem como o intervalo de movimento pré-operatório e pós-operatório. A função foi calculada usando a pontuação Constant-Murley tanto antes como depois do procedimento. Radiografias pré e pós-operatórias anteroposteriores e axiais do ombro afetado foram analisadas. Nas imagens pré-operatórias, foram calculados a distância acromioumeral (DAU) e offset lateral umeral (OLU). As medidas pós-operatórias incluídas foram DAU, OLU, ângulo de distalização do ombro (ADO) e ângulo de lateralização do ombro (ALO). Foi realizada uma análise de regressão linear e regressão quadrática para determinar seu grau de associação com os resultados funcionais finais. Aplicando uma análise de regressão quadrática e curvas ROC, os valores de corte foram determinados em relação aos ângulos acima mencionados e o valor preditivo positivo foi calculado.

Resultados: As maiores faixas de elevação anterior (EA) foram encontradas com ADO entre 40 e 45° e ALO entre 80 e 90°, enquanto a melhor abdução (ABD) foi observada com ALO de 90 e 100°. A DAU pré-operatória foi correlacionada com a rotação externa (RE) (rs: 0,47; p: 0,049). A DAU pós-operatória apresentou uma relação diretamente proporcional com a EA (rs: 0,49; p: 0,03). A ABD pós-operatória mostrou uma regressão linear inversa com a DAU pré-operatória (rs: -0,44, p: 0,047). O ALO e o ADO estavam inversamente relacionados.

Conclusão: Determinamos que um ADO entre 40 e 45° e um ALO de 80 e 100° poderia levar a uma melhor amplitude de movimento em relação à EA e ABD em pacientes com artropatia do manguito rotador tratados com artroplastia reversa de ombro.


Introdução

O desenho original da artroplastia invertida (AI) do ombro por Grammont em 1985 para o tratamento da artropatia do manguito rotador (AMR) consistia em medialização e distalização do centro de rotação da articulação glenoumeral para melhorar o braço de alavanca deltoide e, assim, aumentar a amplitude da elevação anterior (EA) e a abdução (ABD).[1] [2] [3] Esses implantes foram associados a algumas complicações específicas, como geração de incisuras escapulares e danos neurológicos[1] [2] [3] que diminuíram graças à introdução de artroplastias reversas do ombro (ARO) lateralizadas, também diminuindo a incidência de luxação protética e aumentando a amplitude de rotação.[4]

Há controvérsias em relação ao posicionamento ideal do implante para maximizar a amplitude de movimento (ADM) e reduzir o risco de complicações. Debate-se também os valores radiográficos e sua influência nos desfechos pós-operatórios.[5] Vários autores tentam determinar o grau ideal de lateralização e distalização na ARO, embora os métodos tenham sido considerados muito exigentes para a prática clínica diária.[5] [6] [7] [8] Os ângulos de distalização e lateralização do ombro descritos por Boutsiadis et al.[8] acerca da posição do úmero em relação à escápula, poderiam representar ferramentas reprodutíveis e determinantes dos desfechos clínicos.

O objetivo deste estudo foi identificar os valores radiográficos e avaliar sua influência nos resultados em pacientes tratados com ARO para AMR utilizando um desenho lateralizado com 135° de inclinação umeral.


Métodos

Este estudo é uma análise retrospectiva de casos atendidos entre janeiro de 2018 e janeiro de 2020 e foi aprovado pelo Comitê de Ética.

Seleção de Pacientes

Os critérios de exclusão foram pacientes tratados com próteses medializadas ou com inclinação umeral de 145° ou 155°; presença concomitante de fraturas da cabeça do úmero ou da glenoide; ausência de radiografias pré-operatórias; cirurgias de revisão; acompanhamento insuficiente e doenças neuromusculares. Os pacientes incluídos tiveram acompanhamento mínimo de 12 meses e foram submetidos ao tratamento da ARM (Hamada ≥ 3) com prótese lateralizada e inclinação umeral de 135°. Esses indivíduos tinham 18 anos ou mais e deltoide funcional.


Técnica Cirúrgica

A prótese lateralizada Arrow® (FH Orthopaedics, Mulhouse, França) foi utilizada.

Com o paciente em posição de cadeira de praia e anestesia do plexo, a abordagem deltopeitoral foi realizada com tenotomia insercional completa do subescapular e secção da cápsula articular. A cabeça do úmero foi luxada em rotação externa máxima e a osteotomia do úmero foi realizada com 20° de retroversão e 135° de inclinação. Posteriormente, o canal umeral foi submetido a raspagens crescentes até a obtenção de uma sensação de atrito cortical. A lima de maior calibre foi mantida no local para proteger o úmero proximal durante o procedimento na glenoide.

Ao realizar a exposição da glenoide, os osteófitos e o lábio degenerativo foram ressectados para otimizar a visualização da superfície articular. Em seguida, a cartilagem articular foi fresada, preservando o máximo de estoque ósseo possível. A implantação de metaglene foi feita projetando uma inclinação inferior de 10° com versão neutra. A fixação definitiva utilizou dois parafusos de compressão de 5,5 mm. Este sistema permitiu a utilização de glenosferas de 36, 39 ou 42 mm.

O componente umeral definitivo foi colocado não cimentado desde que a qualidade óssea metafisária o permitisse. A seguir, o tamanho do inserto de polietileno final foi escolhido. Assim como o tamanho da glenosfera, estes parâmetros foram decididos de acordo com a tensão deltoide intraoperatória e a estabilidade do implante.

Todos os pacientes foram submetidos à imobilização por 30 dias com tipoia de tipo Velpeau e iniciaram exercícios de mobilidade passiva uma semana após a cirurgia e reabilitação quatro semanas depois.


Avaliação Clínica

As ADMs pré-operatória e pós-operatória no último acompanhamento foram determinadas. A mobilidade ativa foi avaliada em graus, utilizando goniômetro, em EA, RE1, ABD e rotação interna (RI) com a mão nas costas, registrando o segmento alcançado pelo polegar como nível máximo conforme a descrição de Greene e Heckman[9] e pontuado de acordo com Levy et al.[10]

A função do deltoide foi definida pelo cirurgião responsável pelo tratamento, de acordo com a escala motora de Daniel, considerando o funcionamento do deltoide ao igualar ao valor de M5.[11]

A função foi calculada utilizando o escore de Constant-Murley adaptado para a população argentina.[12]


Avaliação Radiológica

Foram utilizadas radiografias anteroposterior (AP) e axial do ombro afetado, tanto pré-operatórias quanto pós-operatórias. Considerando a importância do posicionamento correto e da técnica radiológica, todas as imagens foram realizadas pela mesma equipe e o mesmo fluoroscópio.

As medidas foram determinadas na projeção AP por dois pesquisadores que desconheciam os desfechos clínicos com o software Synapse 3d® (Fujifilm Healthcare®), considerando a média interobservador. A concordância interobservador foi calculada pelo coeficiente de correlação intraclasse (CCI). O poder do CCI foi considerado quando a concordância foi superior a 0,8. O CCI foi quase perfeito em todas as medições, como demonstrado na [Tabela 1].

Tabela 1

Média (DP)

Intervalo

CCI

IC de 95%

Idade (anos)

72 (±7,1)

61–84

DAU pré-operatória

7,27 mm (±4,1)

1–16,2

0,96

(0,81–0,99)

OLU pré-operatório

12,56 mm (±5,8)

3–23,5

0,98

(0,95–0,99)

DAU pós-operatória

25,6 mm (±8,3)

12–46

0,97

(0,93–0,98)

OLU pós-operatório

18,6 mm (±7,3)

2–28,2

0,95

(0,89–0,97)

ADO

43,2° (±6,8)

30–60

0,88

(0,53–0,96)

ALO

92,5° (±10,1)

80–115

0,82

(0,62–0,92)

CM

69,9 (±7,8)

47–83

Nas imagens pré-operatórias, foram calculados os seguintes parâmetros: distância acromioumeral (DAU) e offset lateral do úmero (OLU). As medidas pós-operatórias incluíram DAU, OLU, ADO e ALO ([Fig. 1]).

  • O ALO ([Fig. 1A]) foi determinado com base em três pontos de referência: a borda superior do tubérculo glenoidal, a borda mais lateral do acrômio e a borda mais lateral do tubérculo maior. Uma linha uniu o tubérculo glenoidal superior à borda mais lateral do acrômio. Uma segunda linha conectou este último ponto com a borda lateral da tuberosidade maior. O ângulo entre essas duas linhas corresponde ao ALO.

  • O ADO ([Fig. 1B]) considerou a borda superior do tubérculo glenoidal, a borda mais lateral do acrômio e a borda mais superior do tubérculo maior. O ADO foi calculado traçando-se uma linha da borda mais lateral do acrômio até o tubérculo glenoidal superior e, daí, outra linha até a borda mais superior da tuberosidade maior. O ângulo entre essas duas linhas correspondeu ao ADO.

  • A DAU foi medida calculando a distância perpendicular entre a porção mais lateral do acrômio e uma linha paralela à borda superior da tuberosidade maior ([Fig. 1C-D]).

  • O OLU foi calculado com base na distância da linha da DAU até a projeção da borda mais lateral da tuberosidade maior ([Fig. 1E-F]).

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Fig. 1 Descrições das medidas. a) ângulo de lateralização do ombro; b) ângulo de distalização do ombro; c) distância acromioumeral pré-operatória; d): distância acromioumeral pós-operatória; e) deslocamento lateral do úmero pré-operatório; f) offset lateral do úmero pós-operatório.

A classificação de Hamada e Fukuda[13] determinou o grau de osteoartrite glenoumeral.


Análise Estatística

As variáveis descritivas contínuas foram expressas como média, desvio-padrão e amplitude. As variáveis qualitativas foram expressas em porcentagens. Uma análise de regressão linear determinou o grau de associação entre os ângulos pré-operatórios e pós-operatórios e a mobilidade. Uma análise de regressão quadrática foi realizada e a área sob a curva (AUC, do inglês area under the curve) característica de operação do receptor (ROC, do inglês, receiver operating characteristic) (AUC-ROC) foi calculada. O valor do ponto de corte foi utilizado como o valor cuja sensibilidade e especificidade estavam mais próximas do valor da AUC-ROC e a diferença absoluta entre o valor de sensibilidade e especificidade foi mínima. Os valores de corte foram determinados em relação aos ângulos ADO e ALO. Os programas Graph Pad Prism 8.02 e MedCalc12.0 foram empregados para análise.



Resultados

Pacientes

Dos 57 pacientes submetidos à ARO, 35 foram diagnosticados com ARM. Oito indivíduos foram excluídos; não foi possível obter as radiografias de três pacientes, quatro não tiveram acompanhamento suficiente e os demais receberam próteses medializadas ([Fig. 2]). O estudo incluiu 27 pacientes com idade média de 72,0 ± 7,1 anos. (77,7% mulheres, n: 21, sendo 20 ombros direitos). A ADM não foi analisada em relação ao tamanho da glenosfera, que foi de 36 mm em 24 casos e 39 mm em três casos. O tempo de acompanhamento foi de 19,3 ± 6,9 meses após a cirurgia. O ALO médio foi de 92,5° (85 a 115°) e o ADO médio foi de 43,2° (30 a 60°). Os valores médios das medidas radiográficas estão descritos na [Tabela 1], assim como o desvio-padrão, o CCI e os intervalos de confiança (CI) dos coeficientes. A [Tabela 2] mostra a mobilidade pré e pós-operatória e as diferenças significativas entre os valores, exceto de ABD (p: 0,56)

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Fig. 2 Fluxograma de pacientes incluídos e excluídos. ARO: artroplastia reversa do ombro; ALM; artropatia da laceração de manguito.
Tabela 2

Média (DP)

Pré-operatória

Média (DP)

Pós-operatória)

p

Elevação anterior

90,21° (39,8°)

131,2° (32°)

0,0002

Rotação externa

12,3° (19,2)

35,2° (16,8°)

<0,0001

Rotação interna

L4-L5 (3,8) SD 2,2

L1-L3 (5,5) SD 2,4

0,013

Abdução

68,7° (31,9°)

87,1° (28,2°)

0,56


Análise de Correlação

Houve uma associação diretamente proporcional entre o DAU pré-operatório e RE e a rotação interna (RI) (rs: 0,47 e rs: 0,44, respectivamente) e uma correlação negativa de Pearson com a ABD (rs: -0,44). A DAU e a EA pós-operatória apresentaram associação de Spearman diretamente proporcional (rs: 0,49). A [Tabela 3] revela a ausência de associação entre os demais ângulos estudados.

Tabela 3

DAU pré-operatória

r

p

 EA

0,0004

0,99

 RE

0,47

0,049

 ABD

−0,44

0,047

 RI

0,44

0,046

 CM

0,36

0,07

OLU pré-operatório

r

p

 EA

−0,0025

0,9

 RE

0,17

0,42

 ABD

−0,04

0,86

 RI

−0,43

0,04

 CM

0,12

0,6

DAU

r

p

 EA

0,13

0,5

 RE

−0,05

0,8

 ABD

25

0,9

 RI

0,06

0,8

 CM

0,06

0,7

ALH

r

p

 EA

−8

0,7

 RE

−0,14

0,49

 ABD

0,25

0,2

 RI

−0,24

0,28

 CM

−0,3

0,13

DAU pós-operatória

r

P

 EA

0,49

0,03

 RE

0,32

0,11

 ABD

0,15

0,48

 RI

−73

0,74

 CM

0,35

0,08

OLU pós-operatório

r

P

 EA

0,06

0,74

 RE

−0,12

0,56

 ABD

0,13

0,5

 RI

−0,42

44

 CM

0,02

0,9


Regressão Linear e Componente Quadrático

A RE pós-operatória apresentou regressão linear positiva com a DAU pré-operatória (r2: 0,12). A adição de um componente quadrático aumentou o ajuste (r2: 0,3; p: 0,02). Além disso, os valores pré-operatórios de DAU de 5 e 10 mm melhoraram os melhores ângulos de RE ([Fig. 3a]).

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Fig. 3 Regressão linear e componente quadrática. a) entre RE pós-operatório e DAU pré-operatória; b) entre EA pós-operatória e DAU pós-operatória; c) entre ABD pós-operatória e DAU pré-operatória; d) entre ALO e ADO. RE: rotação externa; DAU: distância acromioumeral; EA elevação ativa; ALO: ângulo de lateralização do ombro; ADO: ângulo de distalização do ombro.

A EA pós-operatória apresentou regressão linear positiva com a DAU pós-operatória (r2: 0,24). A adição de um componente quadrático produziu um aumento significativo no ajuste (r2: 0,22; p: 0,02) com melhores ângulos pós-operatórios de EA entre 18 e 38 mm de DAU pós-operatória ([Fig. 3b]).

A ABD pós-operatória apresentou regressão linear inversa com a DAU pré-operatória (r2: 0,19). A adição de um componente quadrático aumentou o ajuste (r2: 0,24; p: 0,02). Os melhores ângulos de ABD (90 a 160°) foram associados a valores pré-operatórios de DAU entre 5,7 e 13,5 ([Fig. 3c]). Por fim, a correlação de Pearson entre ALO e ADO foi negativa (r2:-0,38; p: 0,047) ([Fig. 3d]). Todos estes casos apresentaram relação estatisticamente significativa.

Não houve nenhum componente quadrático entre a ADO e a EA ou entre ALO e ABD (r2: 0,05; p: 0,33), ALO e RE ou ALO e RI, nem entre DAU pós-operatória e ABD ou OLU pós-operatório e ABD.


Área Sob a Curva e Previsões

A AUC-ROC foi calculada. O ADO ≤ 45° pode prever uma EA pós-operatória > 106° com sensibilidade (SE) de 73,7% (IC de 95%: 48,8 a 90,9) e especificidade (ESP) de 57,1% (IC de 95%: 29 a 96,3), com AUC de 64% (IC de 95%: 0,4 a 0,8) ([Fig. 4a]). O ALO ≥ 86° prevê uma EA > 106° com AUC de 0,6 (IC de 95%: 0,4 a 0,8), SE de 73,7% (IC de 95%: 48,8 a 90,9) e ESP de 57,1 (IC de 95%: 18 a 90,1) ([Fig. 4b]). O ALO > 80° pode prever ABD > 76° com 94,12% de SE, 50% de ESP e AUC de 0,62 (IC de 95%: 0,4-0,8) ([Fig. 4c]).

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Fig. 4 Curvas ROC. a) ADO e EA >106°; b) ALO e EA >106°; c) ALO e ABD >76°; d) ADO e ABD >76°; e) ADO e RE >20°; f) ALO e RE >20°. ROC: característica de operação do receptor; ASD: ângulo de distalização do ombro; EA: elevação ativa; ABD: abdução; RE: rotação externa; ALO: ângulo de lateralização do ombro.

Com ALO e ABD >76° ([Fig. 4d]) e ADO ou ALO referente à RE >20° ([Fig. 4e-4f]), a AUC foi razoável, de 0,62, 0,55 e 0,67, respectivamente, e os modelos não foram estatisticamente significativos.

Os melhores valores de EA (>106°) foram encontrados com ADO entre 40 e 45° e ALO entre 80 e 90°. Valores menores ou maiores têm valor preditivo positivo (VPP) menor ([Tabelas 4a] e [4b]).

Tabela 4

4a.

ADO (°)

VPP (%)

IC de 95%

 ≤ 35°

72,7

18–99,1

 ≤ 40°

79,1

45,2–96,7

 ≤ 45°

80,1

54–95,1

 ≤ 50°

70,7

48,3–87,6

4b.

ALO (°)

VPP (%)

IC de 95%

 ≤ 80°

74,2

51,4–90,3

 ≤ 85°

80,6

54–90,1

 ≤ 90°

77,3

49–94,5

4c.

ALO (°)

VPP (%)

IC de 95%

 ≤ 90°

75,03

39,4–95,6

 ≤ 95°

84,8

58,4–97,5

 ≤ 100°

76,64

53,3–92,1

Os melhores valores de ABD foram associados ao ALO entre 90 e 100°. Valores menores ou maiores apresentaram VPP menor ([Tabela 4c]).



Discussão

Os principais achados deste estudo foram que um ARO lateralizado com inclinação umeral de 135° apresentou faixas de EA >106°, ADO entre 40 e 45° e ALO entre 80 e 90°, enquanto a ABD >76° foi mais observada com ALO entre 90 e 100°.

Os primeiros autores a proporem o uso de ADO e ALO foram Boutsiadis et al.,[8] que incluíram dois desenhos diferentes de implantes com inclinação umeral de 145° e 155°. Estes autores observaram a existência de regressão linear positiva com ALO e EA e maior EA e ABD com ADO entre 40° e 65° e melhores valores de RE com ALO entre 75° e 100°.[8] Berthold et al.[5] também relataram uma correlação entre EA e ADO entre 40° e 60° e ALO entre 75° e 95° utilizando implante de inclinação umeral de 135° em 61 pacientes. Esses resultados foram semelhantes ao nosso estudo, em que uma melhor EA foi relacionada a 40 a 45° de ADO e 80 a 90° de ALO. Nossa série revelou que o ALO está associado à melhor ABD quando calculado entre 90 e 100°. Até onde temos conhecimento, esta é a primeira vez que esta relação é descrita.

Observamos que a EA >106° poderia ser prevista quando ADO era entre 40 e 45° e ALO entre 80 e 90°. Esses resultados podem ser comparados a estudos anteriores, onde a menor EA (<100°) foi relacionada ao ADO <40° ou >70°[5] [8] e ALO >95°.

Como outros autores,[14] [15] [16] não encontramos um valor de corte de ADO ou ALO relacionado à RE, ao contrário de Boutsiadis et al.,[8] que previram RE > 16° quando ALO variava entre 75 e 95°. Houve uma associação diretamente proporcional entre DAU pré-operatória, conforme descrito por Berthold,[5] e os melhores intervalos de RE com distâncias entre 5 e 10 mm. Essa medida radiográfica teve associação inversa com ABD, que apresentou valores entre 90 e 160° com DAU de 5,7 e 13,5 mm. A DAU pós-operatória foi diretamente associada à EA. As medidas entre 18 e 38 mm foram relacionadas a melhores faixas de EA. Isso foi mencionado por Jobin et al.,[17] que verificaram que pacientes com EA >135° apresentavam DAU pós-operatória >38 mm em 90% dos casos e, em 45% dos indivíduos, a EA era inferior a 135° quando a DAU pós-operatória era < 38 mm. Lädermann et al.[18] descreveram uma relação linear positiva entre DAU e EA em um modelo computacional. Berthold observou uma correlação moderada e significativa entre RE e DAU pós-operatória,[5] mas nossos achados não foram semelhantes. Resumindo, de acordo com nossos resultados, a melhor ADM pode ser obtida com ALO entre 80 e 100° e ADO >40° e ≤45°. Tanto ALO quanto ADO permitiram uma estimativa da lateralização e distalização do úmero após a ARO. Beltrame et al.[15] encontraram uma relação direta entre ALO e ARO lateralizado e entre ASD e ARO mais distalizado. Identificamos uma correlação linear negativa entre esses ângulos, como relataram Boutsiadis et al.[8] e Beltrame et al.[15], o que significa que há um ponto em que muita distalização leva a menos lateralização. Demonstrou-se que a lateralização aumenta EA e RE pós-operatórias,[19] restaurando o centro anatômico de rotação, otimizando o recrutamento das fibras musculares restantes do manguito e preservando o momento rotacional do subescapular e redondo menor, também aumentando o momento do deltoide em 42%.[7] [20] A EA pode ser influenciada pela lateralização, volume do deltoide e comorbidades dos pacientes,[21] embora este tópico ainda seja debatido.[16]

A lateralização do ARO pode ser gerada no lado glenoide e/ou umeral. O BIO-LSA causa apenas lateralização da glenoide,[22] em contraste com o Arrow reverso.[23] Nesta série, o ALO ficou entre 80 e 110° para lateralização ideal do implante no que diz respeito à RE e ABD. Deve-se ter cuidado com lateralização excessiva devido ao risco de neuropraxia e fratura acromial.[24] [25]

A distalização do úmero permite aumentar a tensão no músculo deltoide, elevando assim a EA.[3] Acredita-se que o alongamento ideal do úmero deve ser em torno de 2cm,[26] mas a distalização excessiva do ARO pode gerar neurapraxia.[27]

O escore de Constant-Murley foi de 69,9 ± 7,8, em concordância com outros autores, oscilando entre 59 pontos em 45 pacientes aos 40 meses de acompanhamento e sendo de 86 pontos com implante lateralizado após 10 anos de acompanhamento.[28] [29] Não encontraram relação entre ALO ou ADO e o escore de Constant-Murley pós-operatório, ao contrário de Boutsiadis et al.,[8] que descreveram uma associação significativa entre a seção de mobilidade do escore e ALO.

As limitações do nosso estudo retrospectivo foram a ausência de documentação do status intraoperatório do subescapular em todos os casos. Além disso, o tamanho da glenosfera poderia interferir na ADM,[30] que não foi levada considerada neste estudo. Outra limitação foi o pequeno número de pacientes avaliados e o fato de que as radiografias, mesmo padronizadas, poderem apresentar variações dependendo do posicionamento do paciente durante o exame.


Conclusões

Este estudo revela que o ADO entre 40 e 45° e o ALO entre 80 e 100° poderia melhorar a amplitude de movimento em relação à EA e ABD em pacientes com artropatia do manguito rotador submetidos à ARO.



Conflito de Interesses

Os autores não têm possíveis conflitos de interesse a declarar.

Trabalho desenvolvido no Hospital Británico de Buenos Aires, Buenos Aires, Argentina.



Endereço para correspondência

Tamara Dainotto
Hospital Británico de Buenos Aires
Perdriel 74. Buenos Aires
Argentina   

Publication History

Received: 26 October 2022

Accepted: 18 January 2023

Article published online:
21 March 2024

© 2024. The Author(s). This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution 4.0 International License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/)

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Fig. 1 Descrições das medidas. a) ângulo de lateralização do ombro; b) ângulo de distalização do ombro; c) distância acromioumeral pré-operatória; d): distância acromioumeral pós-operatória; e) deslocamento lateral do úmero pré-operatório; f) offset lateral do úmero pós-operatório.
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Fig. 1 Measurement descriptions. a) lateralisation shoulder angle; b) distalistion shoulder angle; c) preoperative acromiohumeral distance; d): postoperative acromiohumeral distance; e) preoperative lateral humeral offset; f) postoperative lateral humeral offset.
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Fig. 2 Fluxograma de pacientes incluídos e excluídos. ARO: artroplastia reversa do ombro; ALM; artropatia da laceração de manguito.
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Fig. 3 Regressão linear e componente quadrática. a) entre RE pós-operatório e DAU pré-operatória; b) entre EA pós-operatória e DAU pós-operatória; c) entre ABD pós-operatória e DAU pré-operatória; d) entre ALO e ADO. RE: rotação externa; DAU: distância acromioumeral; EA elevação ativa; ALO: ângulo de lateralização do ombro; ADO: ângulo de distalização do ombro.
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Fig. 4 Curvas ROC. a) ADO e EA >106°; b) ALO e EA >106°; c) ALO e ABD >76°; d) ADO e ABD >76°; e) ADO e RE >20°; f) ALO e RE >20°. ROC: característica de operação do receptor; ASD: ângulo de distalização do ombro; EA: elevação ativa; ABD: abdução; RE: rotação externa; ALO: ângulo de lateralização do ombro.
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Fig. 2 Flowchart of included and excluded patients. RSA: reverse shoulder arthroplasty; CTA; cuff tear arthropathy.
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Fig. 3 Linear regression and quadratic component. a) between popER and preAHD; b) between pop AE and popAHD; c) between pop ABD and preAHD; d) between LSA and DSA. Pop ER: postoperative external rotation; preAHD: preoperative acromiohumeral distance; popAE: postoperative active elevation; popADH: postoperative acromiohumeral distance; LSA: lateralisation shoulder angle; DSA: distalisation shoulder angle.
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Fig. 4 ROC curves. a) DSA and AE >106°; b) LSA and AE >106°; c) LSA and ABD >76°; d) DSA and ABD >76°; e) DSA and ER >20°; f) LSA and ER >20°. DSA: distalisation shoulder angle; AE: active elevation; ABD: abduction; ER: external rotation; LSA: lateralisation shoulder angle.