Palavras-chave
epidemiologia - esportes - futebol - medicina do esporte - traumatismos do tornozelo
Introdução
O futebol é o esporte mais popular do mundo, com 240 milhões de atletas amadores e
cerca de 200.000 profissionais.[1] Somada à sua popularidade, apresenta alto índice de lesões. Nos últimos anos, a
exigência física tem aumentado, o que obriga os atletas a trabalharem perto de seus
limites máximos de exaustão, com maior predisposição às lesões.
Os movimentos realizados no futebol são muito variados, exigindo mudanças repentinas
de direção, em média, a cada seis segundos.[2] Nesse cenário, os mecanismos de lesão são favoráveis ao acometimento dos membros
inferiores, especialmente dos tornozelos. Essas correspondem a cerca de 13% das lesões
no futebol, atrás apenas de lesões na coxa e no joelho.[3] Além do impacto na carreira do atleta, essas lesões resultam em altos custos para
os clubes, devido ao tratamento e reabilitação. O entendimento da epidemiologia e
incidência das lesões do tornozelo pode ajudar as equipes a prepararem seus atletas
de forma direcionada. Dessa forma, o objeto deste estudo é realizar uma análise epidemiológica
das entorses de tornozelo em jogadores profissionais de futebol, nos principais campeonatos
nacionais, ocorridos entre 2016 e 2019.
Materiais e Métodos
Trata-se de um estudo epidemiológico prospectivo que avaliou as entorses de tornozelo
em atletas profissionais de futebol masculino em duas divisões de dois campeonatos
de futebol masculino com importante relevância social e econômica no Brasil - Campeonato
Brasileiro de Futebol (CBF) e Campeonato Paulista de Futebol (CPF) - durante os anos
de 2016 a 2019. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o registro
CAAE 56723616.3.0000.5505 e o consentimento informado foi obtido de todos os participantes
individuais incluídos no estudo.
Foram registrados todos os atendimentos médicos em campo realizados durante partidas
oficiais. Os médicos dos clubes foram treinados a preencher dois formulários em duas
plataformas online, Transfermarkt (Transfermarkt GmbH & Co. KG, Hamburgo, Alemanha)
e SurveyMonkey (Momentive AI., San Mateo, CA, EUA). O primeiro formulário era preenchido
logo após cada partida e o segundo após o retorno do atleta ao esporte. A coleta foi
realizada durante todo o campeonato e mensalmente era feito contato com os médicos,
lembrando-os do preenchimento dos formulários.
Todos os jogadores com lesões decorrentes de entorses do tornozelo foram incluídos
no estudo, independentemente da idade. As variáveis avaliadas foram: idade e posição
do jogador, diagnóstico da lesão, lateralidade, local em campo em que ocorreu a lesão,
tempo de jogo, exames de imagem realizados, realização de tratamento cirúrgico, tempo
de afastamento e recorrência da lesão. Para este estudo, a lesão foi definida como
uma queixa musculoesquelética ocorrida durante um jogo que levou o jogador ao afastamento
de pelo menos um jogo ou sessão de treino. A incidência das lesões foi avaliada de
acordo com a fórmula de incidência da FIFA = (total de lesões x 1.000)/total de horas
de jogo.
O software utilizado para realizar a análise estatística descritiva das variáveis
quantitativas foi o Excel 2016 (Microsoft Corporation, Redmond, WA, EUA). O software
IBM SPSS Statistics for Windows, Versão 20.0 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA) foi utilizado para a realização de inferência
estatística de variáveis contínuas. Variáveis qualitativas foram analisadas utilizando
o teste de qui-quadrado, e o teste de análise de variância (ANOVA) foi utilizado para
análise multivariada, definindo o intervalo de confiança de 95% e significância de
5% (p < 0,05). O teste de Shapiro-Wilk foi utilizado para definição da normalidade da amostra.
O estudo aconteceu durante 4 temporadas do CBF, com a participação de 20 clubes por
ano em cada divisão, que jogaram 38 partidas por temporada. No mesmo período ocorreram
4 temporadas do CPF, com participação de 16 a 20 clubes por ano em cada divisão, que
jogaram 17 a 22 partidas por temporada. No total, foram analisadas 15 temporadas entre
2016 e 2019 (não houve registro da segunda divisão do CBF em 2019), totalizando 3.828
partidas e 126.357 horas de jogo.
Resultados
Durante o estudo foram registrados 7.899 atendimentos em campo, dos quais 2.486 resultaram
em diagnóstico de lesões. Desses, foram registradas 253 entorses de tornozelo (10,17%
do total de lesões) com índice FIFA = 2.002. Ao longo dos anos, houve uma redução
progressiva no total de lesões, de 86 em 2016 para 38 em 2019.
Diagnósticos, Idade e Exames Complementares
Seis diferentes diagnósticos de lesões por entorse de tornozelo foram identificados
no decorrer dos campeonatos, com destaque para as lesões ligamentares laterais (LLLs),
que representaram 53,75% do total dos entorse, seguidas pelas entorses simples (entorse
sem diagnóstico de lesão ligamentar, fraturas ou outras lesões associadas), que representaram
28,85% dos casos. Outros diagnósticos foram: lesões ligamentares mediais (LLMs), fraturas
unimaleolares, fraturas bimaleolares e lesões da sindesmose ([Tabela 1]).
Tabela 1
Diagnóstico
|
n (%)
|
Incidência FIFA
|
Reincidência
|
Cirurgia
|
Afastamento
|
Local em campo
|
Área ataque
|
Meio ataque
|
Meio defesa
|
Área defesa
|
Entorse simples
|
73 (28,85%)
|
0,578
|
28 (11,07%)
|
0
|
6,78
|
19 (7,51%)
|
21 (8,30%)
|
22 (8,70%)
|
45 (17,79%)
|
Fratura do tornozelo unimaleolar
|
8 (3,16%)
|
0,016
|
0
|
6 (2,37%)
|
105
|
3 (1,19%)
|
6 (2,37%)
|
3 (1,19%)
|
9 (3,56%)
|
Fratura do tornozelo bimaleolar
|
2 (0,79%)
|
0,063
|
0
|
2 (0,79%)
|
89
|
0
|
2 (0,79%)
|
0
|
0
|
Lesão ligamentar lateral
|
136 (53,75%)
|
1,076
|
44 (17,39%)
|
5 (1,98%)
|
10,44
|
1 (0,40%)
|
0
|
0
|
1 (0,40%)
|
Lesão ligamentar medial
|
26 (10,28%)
|
0,206
|
6 (2,37%)
|
2 (0,79%)
|
16,27
|
0
|
0
|
1 (0,40%)
|
3 (1,19%)
|
Lesão da sindesmose
|
8 (3,16%)
|
0,063
|
1 (0,40%)
|
3 (1,19%)
|
37,75
|
8 (3,16%)
|
7 (2,77%)
|
8 (3,16%)
|
15 (5,93%)
|
Posição
|
|
Atacante
|
86 (33,99%)
|
0,680
|
23 (9,09%)
|
5 (1,98%)
|
10,92
|
23 (9,09%)
|
32 (12,65%)
|
30 (11,86%)
|
3 (1,19%)
|
Meia
|
44 (17,39%)
|
0,348
|
17 (6,72%)
|
4 (1,58%)
|
15,86
|
1 (0,40%)
|
16 (6,32%)
|
23 (9,09%)
|
4 (1,58%)
|
Volante
|
33 (13,04%)
|
0,261
|
8 (3,16%)
|
2 (0,79%)
|
13,52
|
0
|
7 (2,77%)
|
25 (9,88%)
|
1 (0,40%)
|
Lateral
|
50 (19,76%)
|
0,396
|
17 (6,72%)
|
4 (1,58%)
|
14,32
|
4 (1,58%)
|
4 (1,58%)
|
25 (9,88%)
|
17 (6,72%)
|
Zagueiro
|
30 (11,85%)
|
0,237
|
9 (3,56%)
|
3 (1,19%)
|
22,50
|
1 (0,40%)
|
10 (3,95%)
|
15 (5,93%)
|
4 (1,58%)
|
Goleiro
|
10 (3,95%)
|
0,079
|
5 (1,98%)
|
0 (0%)
|
5,6
|
0
|
1 (0,40%)
|
3 (1,19%)
|
6 (2,37%)
|
A média de idade dos jogadores lesionados foi de 25,94 anos, sendo que as diferentes
lesões apresentaram distribuição semelhante entre as faixas etárias. Exames de imagem
foram solicitados em 94,07% das lesões, totalizando 391 exames realizados ([Tabela 2]).
Tabela 2
Diagnóstico
|
Nenhum
|
RNM
|
Radiografia
|
RX + RNM
|
RX + TC + RNM
|
Total geral
|
Entorse simples
|
15
|
9
|
48
|
1
|
0
|
73
|
Fratura tornozelo bimaleolar
|
0
|
0
|
2
|
0
|
0
|
2
|
Fratura tornozelo unimaleolar
|
0
|
0
|
8
|
0
|
0
|
8
|
Lesão ligamentar lateral
|
0
|
8
|
0
|
127
|
1
|
136
|
Lesão ligamentar medial
|
0
|
4
|
0
|
22
|
0
|
26
|
Lesão da sindesmose
|
0
|
3
|
4
|
1
|
0
|
8
|
Total geral
|
15
|
24
|
62
|
151
|
1
|
253
|
Posição do Jogador, Local no Campo e Momento da Lesão
A posição com maior número de lesões foi a de atacante, seguida pelos laterais. As
posições com menor número de lesões de tornozelo foram os goleiros e zagueiros ([Tabela 1]). Em relação ao total de jogadores da mesma posição lesionados, as entorses do tornozelo
apresentaram maior prevalência em volantes ([Tabela 3]).
Tabela 3
Diagnóstico
|
Posição
|
Atacante
|
Meia
|
Volante
|
Lateral
|
Zagueiro
|
Goleiro
|
Entorse simples
|
25 (9,88%)
|
12 (4,74%)
|
6 (2,37%)
|
16 (6,32%)
|
8 (3,16%)
|
6 (2,37%)
|
Fratura tornozelo bimaleolar
|
0
|
1 (0,40%)
|
6 (5,61%)
|
0
|
1 (0,40%)
|
0
|
Fratura tornozelo unimaleolar
|
2 (0,79%)
|
1 (0,40%)
|
0
|
3 (1,19%)
|
1 (0,40%)
|
0
|
Lesão ligamentar lateral
|
46 (18,18%)
|
21 (8,30%)
|
0
|
26 (10,28%)
|
16 (6,32%)
|
3 (1,19%)
|
Lesão ligamentar medial
|
11 (4,35%)
|
3 (1,19%)
|
0
|
3 (1,19%)
|
4 (1,58%)
|
1 (0,40%)
|
Lesão da sindesmose
|
2 (0,79%)
|
1 (0,40%)
|
5 (1,98%)
|
2 (0,79%)
|
0
|
0
|
O meio de campo foi o local com maior número de entorses (75,50%). Apenas 13,04% das
lesões ocorreram na área de defesa e 11,46% na área de ataque ([Tabela 1]). A posição do jogador foi estatisticamente associada com o local do campo de ocorrência
da lesão (p < 0,001), sendo que o meio de campo defensivo foi o local mais comum de entorse para
todas as posições, exceto para atacantes (mais entorses do meio de campo ofensivo)
e goleiros (área defensiva). O final de cada tempo regulamentar foi responsável pelo
maior número de lesões, sendo que 47,04% das lesões ocorreram entre 31 e 45 min e
75 e 90 min ([Tabela 4]).
Tabela 4
Posição
|
Tempo de jogo
|
0–15min
|
16–30min
|
31–45min
|
1° Acréscimo
|
46–60min
|
61–75min
|
76–90min
|
2° Acréscimo
|
Atacante
|
4 (1,58%)
|
14 (5,53%)
|
20 (7,91%)
|
10 (3,95%)
|
4 (1,58%)
|
10 (3,95%)
|
22 (8,70%)
|
2 (0,79%)
|
Meia
|
6 (2,37%)
|
8 (3,16%)
|
9 (3,56%)
|
1 (0,40%)
|
3 (1,19%)
|
6 (2,37%)
|
9 (3,56%)
|
0
|
Volante
|
2 (0,79%)
|
5 (1,98%)
|
6 (2,37%)
|
0
|
6 (2,37%)
|
1 (0,40%)
|
12 (4,74%)
|
0
|
Lateral
|
5 (1,98%)
|
6 (2,37%)
|
16 (6,32%)
|
5 (1,98%)
|
4 (1,58%)
|
4 (1,58%)
|
9 (3,56%)
|
1 (0,40%)
|
Zagueiro
|
4 (1,58%)
|
2 (0,79%)
|
5 (1,98%)
|
3 (1,19%)
|
3 (1,19%)
|
8 (3,16%)
|
5 (1,98%)
|
0
|
Goleiro
|
1 (0,40%)
|
1 (0,40%)
|
1 (0,40%)
|
1 (0,40%)
|
1 (0,40%)
|
0
|
5 (1,98%)
|
0
|
Total
|
22 (8,70%)
|
36 (14,23%)
|
57 (22,53%)
|
20 (7,91%)
|
21 (8,30%)
|
25 (9,88%
|
62 (24,51%)
|
3 (1,19%)
|
Reincidência, Cirurgia e Afastamento
As lesões foram reincidentes em 31,22% dos casos, sendo as entorses simples (38,36%)
e a LLL (32,35%) as duas que apresentaram maiores taxas de reincidência, enquanto
as fraturas não tiveram reincidência ([Tabela 1]).
As lesões foram tratadas de forma cirúrgica em 7,11% dos casos, com destaque para
fratura do tornozelo unimaleolar, que representou 33,33% do total de cirurgias. Nenhuma
entorse simples de tornozelo foi tratada cirurgicamente e apenas 3,68% das LLLs e
7,69% das LLMs foram tratadas cirurgicamente. As lesões reincidentes foram tratadas
cirurgicamente em 12,65% dos casos, enquanto as não reincidentes em 80% dos casos
([Tabela 1]).
As lesões foram classificadas de acordo com a gravidade conforme o tempo de afastamento
do atleta, da seguinte forma: lesão leve (< 3 dias), menor (3–7 dias), moderada (8–28
dias), maior (4–8 semanas), grave (> 8 semanas). O tempo médio de afastamento foi
de 13,95 dias, sendo que as lesões graves e maiores foram responsáveis por 4,34% e
3,56% do total de lesões, respectivamente ([Tabela 5]).
Tabela 5
Diagnóstico
|
Gravidade
|
Leve
|
Menor
|
Moderada
|
Maior
|
Grave
|
Entorse simples
|
38 (15,02%)
|
15 (5,93%)
|
20 (7,91%)
|
0
|
0
|
Fratura tornozelo bimaleolar
|
0
|
0
|
0
|
0
|
2 (0,79%)
|
Fratura tornozelo unimaleolar
|
0
|
1 (0,40%)
|
0
|
1 (0,40%)
|
6 (2,37%)
|
Lesão ligamentar lateral
|
32 (12,65%)
|
44 (17,39%)
|
55 (21,74%)
|
4 (1,58)
|
1 (0,40%)
|
Lesão ligamentar medial
|
4 (1,58%)
|
10 (3,95%)
|
0
|
1 (0,40%)
|
1 (0,40%)
|
Lesão da sindesmose
|
0
|
0
|
3 (1,19%)
|
4 (1,58%)
|
1 (0,40%)
|
Total
|
74 (29,25%)
|
70 (27,67%)
|
78 (30,83%)
|
10 (3,95%)
|
11 (4,35%)
|
Discussão
Os principais achados do presente estudo foram a alta incidência de entorses de tornozelo
ao longo dos 4 anos. Além disso, as entorses acometeram principalmente atacantes e
volantes, com maior ocorrência no meio de campo e nos 15 minutos finais de cada tempo
regulamentar. A taxa de reincidência foi elevada (31,22%) e o tempo médio de afastamento
foi cerca de 2 semanas.
Ekstrand et al.[4] afirmaram que as entorses do tornozelo foram responsáveis por 17 a 21% de todas
as lesões envolvendo a prática esportiva, o que mostra sua grande representatividade.
Em nosso estudo identificamos um índice FIFA de 2,00 para as entorses de tornozelo,
um valor superior às lesões do membro superior (índice FIFA = 1,34)[5] e rupturas do ligamento cruzado anterior (índice FIFA = 0,41),[6] porém inferior às lesões musculares (índice FIFA = 7,66).[7]
Em um estudo alemão que avaliou atletas da Bundesliga (liga alemã de futebol profissional)
nas temporadas de 2008 a 2014, foram observados 280 episódios de entorses do tornozelo
(5,17% do total de lesões) com uma taxa de 46,66 lesões por ano, o que representa
uma diferença de 35,55% em relação ao nosso estudo.[3] Árnason et al.[8] avaliaram 10 clubes da elite do futebol islandês, e do total de lesões encontradas,
82% localizavam-se nos membros inferiores.
Dauty et al.[9] não encontraram diferença na incidência de lesões durante as 15 temporadas analisadas
entre 1995 e 2010, o que contrasta com os resultados apresentados no atual estudo.
Não há dados que informem o motivo da diminuição do quadro de lesões em nosso estudo;
porém, pode-se observar que, ao longo dos anos, a qualidade da preparação física pré-jogo,
fisioterapia, qualidade do gramado e tratamentos de prevenção de lesões teve melhora
significativa no futebol brasileiro, o que pode ter colaborado para a diminuição das
lesões.[2]
[10]
Avaliando as distribuições das lesões por mês, Kofotolis et al.[11] observaram que 47,48% das entorses do tornozelo aconteceram no mês de agosto e setembro.
Morgan e Oberlander[12] observaram que 24% ocorreram no primeiro terço da temporada, 25% no segundo terço
da temporada e 29% no último terço da temporada, o que também entra em confronto com
os dados do presente estudo.
No estudo de Nery et al.[13] as lesões ligamentares (medial e lateral) do tornozelo representaram 66,8% do total
de lesões sofridas do tornozelo durante as 2 temporadas avaliadas. Comparando com
o estudo atual, 63,93% de todas as lesões do tornozelo foram por lesões do complexo
medial e lateral, o que contribui para a afirmação de que lesões do complexo medial
e lateral são comuns nos casos de entorse do tornozelo.
Árnason et al.[8] observaram que 29% das contusões ocorreram por lesões musculares, 22% por lesões
ligamentares e 20% por traumas contusos diretos. E ao avaliar as lesões do tornozelo,
a maioria evoluiu com lesões no complexo lateral do tornozelo.
Em uma revisão sistemática, de todas as lesões do tornozelo no futebol, 76,8% foram
causadas por entorses, que é a causa mais comum de lesões do tornozelo, o que corrobora
o atual estudo.[4] Nery et al.[13] indicaram que o mecanismo de trauma mais comum no atleta profissional de futebol
foi o trauma direto entre jogadores (32%), sendo que o uso excessivo (mobilidade articular
intensa e no extremo do arco de movimento) foi associado a 26% das causas das lesões
do tornozelo. Kofotolis et al.[11] também afirmaram que a maioria das lesões do tornozelo ocorreram por contato direto
com outro atleta, com uma taxa de 63,3%, enquanto 36,7% foram lesões sem contato.
Na Copa do Mundo de 2014, 64,4% das lesões dos atletas foram por contato.[14]
A posição do atleta em campo mais associada à entorse do tornozelo foi a de atacante.
Porém, se considerarmos as posições meia e volante como meio-campistas em geral, observa-se
uma maior taxa de entorse simples nessa categoria (7,11%). Cohen et al.[2] compararam as lesões totais do corpo dos atletas, e observaram que a posição de
meio-campo teve maior número de lesões, assim como Leventer et al.[15] e Morgan e Oberlander,[12] que mostraram que na Major League of Soccer (MLS), os meio-campistas tiveram 37,6% de ocorrências de lesões totais pelo corpo.
Dauty et al.[9] não indicaram nenhuma diferença da quantidade de quaisquer tipos de lesões em diferentes
tipos de posições; porém, houve uma leve tendência para zagueiros. Já Kofotolis et
al. obtiveram mais lesões em jogadores da defesa (zagueiros e laterais) (42,4%) em
comparação com os meio-campistas (32,3%) e atacantes (20,8%).[11]
Kofotolis et al.[11] analisaram que 61,1% das lesões do tornozelo ocorreram nos 15 minutos finais tanto
no primeiro tempo quanto no segundo tempo do jogo, concordando com os dados do presente
estudo. Esse mesmo padrão também foi encontrado por Hawkins et al.[16]
No presente estudo, 31,22% das lesões foram reincidentes. Árnason et al.[8] observaram que 35% das lesões foram reincidentes; desses, 8% ocorreram em menos
de 1 mês após a lesão anterior. Kofotolis et al. observaram que 60,5% dos atletas
tiveram lesões reincidentes.[11] Jogadores de futebol com histórico de entorses do tornozelo prévias tem 4,9 vezes
mais chances de ter uma reincidência.[13]
Cohen et al.[2] avaliaram episódios de entorse, sendo que 5,2% (n = 9) dos casos evoluíram para
algum procedimento cirúrgico, de um total de 173 casos de entorse. Segundo Nery et
al.,[13] 20% dos atletas com entorse do tornozelo agudas vão evoluir com instabilidade mecânica
ou funcional do tornozelo, resultando em uma instabilidade crônica do tornozelo, com
indicação de tratamento cirúrgico.
Kofotolis et al.[11] também avaliaram o tempo de afastamento. Observou-se que as entorses simples representaram
a lesão mais comum com menos de 7 sessões perdidas. A lesão do ligamento fibulotalar
anterior teve a maior taxa de afastamento como causa, com 58,7% do tempo total perdido
por lesão.
Morgan e Oberlander[12] separaram em três categorias a severidade da lesão. Das 256 lesões encontradas,
60% foram classificadas como leves, 26% como moderadas e 14% como graves. Árnason
et al.[8] classificaram as lesões em quatro categorias de acordo com o tempo de afastamento,
sendo que a maioria dos atletas retornaram ao esporte em menos de 2 semanas. Cohen
et al.[2] observaram que 49,7% das entorses obtiveram afastamento de menos de 7 dias, 45%
entre 7 e 30 dias e 5,2% em mais de 30 dias, sendo estes últimos todos casos cirúrgicos.
A principal limitação deste estudo é o possível viés de coleta de dados, inerente
a estudos epidemiológicos, uma vez que os médicos dos clubes foram os responsáveis
pelo preenchimento dos dados na plataforma. Nesse período houve algumas trocas de
médicos nos clubes e para reduzir o viés de coleta de dados, todos os médicos foram
treinados para preencher a pesquisa. Sempre que o médico do clube era substituído,
nós fomos informados e o novo médico também foi treinado. Outra limitação é que não
há consenso sobre a definição de lesão na literatura, dificultando a comparação de
nossos resultados com os de outros estudos. Além disso, não foram coletados dados
sobre lesões ocorridas durante as sessões de treinamento. Por fim, a não avaliação
da qualidade dos gramados e sua relação com as entorses também foi uma limitação do
estudo. Apesar das limitações, trata-se de um extenso estudo prospectivo com duração
de 4 anos e grande amostra de atletas e lesões, no qual foi possível coletar dados
inéditos de dois grandes campeonatos de futebol profissional no Brasil.
Conclusão
As entorses de tornozelo são lesões frequentes no futebol. Apesar do tempo médio para
retorno ao esporte ser breve, essas lesões apresentam grande taxa de reincidência
e são potencialmente cirúrgicas, o que está associado a maior tempo de afastamento.
As lesões mais comuns foram as lesões ligamentares laterais e as entorses simples.
As posições mais acometidas foram os atacantes e volantes, com maior ocorrência no
meio de campo e nos 15 minutos finais de cada tempo regulamentar.