Palavras-chave desenho de prótese - fêmur - prótese de quadril - remodelação óssea
Introdução
A artroplastia total do quadril é um dos procedimentos cirúrgicos ortopédicos mais
comuns. À medida que o número de cirurgias aumentou, o design da haste tornou-se um
dos fatores mais importantes que afetam a longevidade geral da prótese e a satisfação
do paciente. Um dos modelos de haste que proporcionam bons resultados e desfechos
em longo prazo é a haste não cimentada, inventada em 1950.[1 ] Vários estudos relataram afrouxamento precoce e instabilidade associada ao design
inicial, que podem ser causados por osteopenia femoral proximal decorrente do estresse
do efeito de proteção.[2 ] Muitas das hastes modernas foram desenvolvidas para promover o encaixe proximal
e com revestimento poroso de hidroxiapatita, que é mais compatível com o denso osso
femoral proximal do paciente. Ao utilizar designs cônicos e anatômicos, o encaixe
distal da haste é reduzido e hastes mais curtas são empregadas, podendo reduzir a
perda óssea proximal em até 14%.[3 ] Além disso, muitos estudos demonstraram que a revolução do design da haste reduziu
a subsidência da haste, a dor na coxa e o afrouxamento.[4 ]
[5 ] No entanto, nenhuma pesquisa comparou a progressão da integração óssea e a perda
óssea proximal entre hastes cônicas de cunha dupla (Accolade II, Stryker, Portage,
MI, EUA) e hastes anatômicas (ABGII, Stryker). Portanto, o presente estudo compara
as diferenças de preenchimento femoral proximal entre esses designs de haste usando
radiografias pós-operatórias imediatas e perda óssea femoral proximal utilizando radiografias
de acompanhamento. Os resultados proporcionarão uma melhor escolha de modelo de haste,
diminuirão as complicações precoces e aumentarão a satisfação com a artroplastia total
do quadril.
Materiais e Métodos
Delineamento Experimental
Este é um estudo descritivo de coorte retrospectiva de radiografias pós-operatórias
imediatas e de acompanhamento após a cirurgia de artroplastia total de quadril realizada
entre 2017 e 2019. O Comitê de Ética do hospital (identificação: 62133) aprovou o
protocolo de pesquisa e dispensou a exigência de consentimento informado para este
estudo. Todos os dados e identificadores coletados dos pacientes foram anonimizados
por completo.
Amostras
Critérios de Inclusão
Com a permissão do departamento de radiologia de Rajavithi, pacientes com idade entre
18 e 80 anos submetidos à artroplastia total primária do quadril usando os dois tipos
de hastes entre 2017 e 2019 e tinham radiografias de acompanhamento por até um ano
foram incluídos neste estudo.
Critérios de Exclusão
Foram excluídos pacientes menores de 18 anos, submetidos à artroplastia de quadril
de revisão, com displasia de quadril prévia, qualquer complicação pós-operatória e
radiografias de acompanhamento de menos de 1 ano.
Coleta e Medida de Dados
Obtivemos radiografias pós-operatórias imediatas e de acompanhamento do departamento
de radiologia de pacientes submetidos à artroplastia total do quadril, abrangendo
um período de até um ano. A análise dos dados foi baseada no método das taxas de preenchimento
do canal femoral e realizada pelo cirurgião ortopedista responsável pela reconstrução
de quadril e joelho em adultos.[6 ] Os dados consistiam na medida do diâmetro femoral proximal e do diâmetro da haste
em incidência anteroposterior em três níveis: trocânter menor (TM), 2 cm proximal
ao TM e 6 cm distal ao TM ([Fig. 1 ]).
Fig. 1 Medida das taxas de preenchimento do canal no trocânter menor (TM), 2 cm proximal
ao TM e 6 cm distal ao TM.
A radiografia de acompanhamento foi analisada quanto a alterações na densidade óssea
femoral proximal usando o método de densitometria ideal,[7 ] empregando o Image J (domínio público), um programa de análise de imagem óptica
digital para Windows, que mediu alterações ósseas nas zonas de fixação de Gruen 1,
4 e 7[8 ] ([Fig. 2 ]).
Fig. 2 Medida da densidade óssea femoral proximal pelo método de densitometria ideal.
Análise Estatística
Estatísticas descritivas (número, percentual, média, mediana, desvio-padrão e valores
mínimo e máximo) foram utilizadas para descrever as características das amostras.
O teste do Qui-quadrado comparou os dados categóricos. O teste t pareado foi utilizado para comparar dados independentes, como tipos de haste e fêmur.
Além disso, o teste t foi empregado para comparação dos dados dependentes, como as radiografias pós-operatórias.
O nível de significância foi definido como valores de p < 0,05. Todas as análises estatísticas foram realizadas no programa IBM SPSS Statistics
for Windows (IBM Corp., Armonk, NY, EUA), versão 20.0.
Resultados
Dados Demográficos
Uma amostra total de 92 pacientes (22 homens e 70 mulheres) foi incluída neste estudo.
A média de idade foi de 53,86 ± 13,00 anos. Foram 34 pacientes a receber hastes anatômicas
(ABGII) e 58 pacientes hastes cônicas em cunha dupla (Accolade II).
Ao comparar as taxas de preenchimento do canal entre as duas hastes, a taxa de preenchimento
do canal com a haste cônica em cunha dupla foi significativamente maior do que no
grupo que recebeu hastes anatômicas em todos os três níveis de medição (p < 0,001, p < 0,001 e p = 0,013), como mostra a [Tabela 1 ].
Tabela 1
Nível
Haste anatômica (n = 34)
Haste cônica de cunha dupla (n = 58)
Diferença (intervalo de confiança de 95%)
Valor de p
Trocânter menor
81,56
88,13
−6,57 (−9,74 a −3,39)
< 0,001*
2 cm abaixo do trocânter menor
85,98
93,49
−7,51 (−10,07 a −4,95)
< 0,001*
6 cm abaixo do trocânter menor
78,58
85,64
−7,06 (−12,56 a −1,56)
0,013*
A [Tabela 2 ] apresenta as alterações na densidade óssea femoral com cada tipo de haste nas zonas
de Gruen 1, 4 e 7. As duas hastes levaram a uma perda óssea do fêmur proximal entre
o valor basal e todos os períodos avaliados.
Alterações na densidade óssea proximal com a haste anatômica
Aos 6 meses pós-operatórios, houve diferenças significativas na perda óssea femoral
nas zonas 1, 4 e 7 (p = 0,024, p < 0,001 e p = 0,006, respectivamente); a maior perda óssea femoral foi observada na zona 4 (5,74%).
Em 1 ano após a cirurgia, houve diferença significativa na perda óssea femoral nas
zonas 1, 4 e 7 (p < 0,001); a maior perda óssea femoral foi encontrada na zona 7 (20,65%). Aos 2 anos
após a cirurgia, diferenças significativas na perda óssea femoral foram observadas
nas zonas 1 (p < 0,001), 4 (p = 0,004) e 7 (p < 0,001); a maior perda óssea femoral foi observada na zona 1 (34,48%).
Alterações na densidade óssea proximal com a haste cônica em cunha dupla
Aos 6 meses pós-operatórios, houve uma diferença significativa na perda óssea femoral
nas zonas 1, 4 e 7 (p < 0,001); a maior perda óssea femoral foi observada na zona 1 (8,28%). Com 1 ano
de cirurgia, houve diferença significativa na perda óssea femoral nas zonas 1, 4 e
7 (p < 0,001); a maior perda óssea femoral foi observada na zona 1 (12,48%). Aos 2 anos
após a cirurgia, foi encontrada uma diferença significativa na perda óssea femoral
nas zonas 1, 4 e 7 (p < 0,001); a maior perda óssea femoral foi observada na zona 1 (22,37%).
Tabela 2
Fêmur
Haste anatômica (n = 34)
Haste cônica de cunha dupla (n = 58)
Pós-operatório (basal)
6 meses
1 ano
2 anos
Pós-operatório (basal)
6 meses
1 ano
2 anos
Zona 1
DOF (%; média ± DP)
Alteração (%)
135,59
± 12,20
131,15
± 10,53
−4,44
117,35
± 14,19
−13,79
84,74
± 7,29
−34,48
130,33
± 13,30
122,05
± 15,14
−8,28
109,57
± 12,09
−12,48
91,63
± 9,06
−22,37
Valor de p
0,024*
< 0,001*
< 0,001*
< 0,001*
< 0,001*
< 0,001*
Zona 4
DOF (%; média ± DP)
Alteração (%)
164,03
± 16,41
158,29
± 17,11
−5,74
145,74
± 16,92
−12,56
135,39
± 12,74
−13,65
152,86
± 29,44
148,14
± 24,19
−4,72
138,64
± 18,49
−9,50
129,77
± 11,34
−16,23
Valor de p
0,001*
< 0,001*
0,004*
0,098
< 0,001*
< 0,001*
Zona 7
DOF (%; média ± DP)
Alteração (%)
157,85
± 13,84
152,71
± 11,31
−5,15
132,06
± 12,33
−20,65
107,83
± 19,79
−29,57
152,29
± 13,11
144,29
± 14,85
−8,00
135,12
± 14,89
−9,17
126,87
± 10,59
−11,13
Valor de p
0,006
< 0,001*
< 0,001*
< 0,001*
< 0,001*
< 0,001*
Comparando a perda óssea femoral proximal entre os dois designs, a haste cônica em
cunha dupla demonstrou perda óssea femoral proximal significativamente menor na zona
de Gruen 7 ([Fig. 3 ]). No entanto, não houve diferença significativa na perda óssea femoral proximal
nas zonas 1 e 4, como mostrado nas [Figs. 4 ]
[5 ] e na [Tabela 3 ].
Fig. 3 Comparação das alterações da densidade óssea femoral proximal na zona de Gruen 7
de ambas hastes (A, haste anatômica; B, haste cônica em cunha dupla).
Fig. 4 Comparação das alterações da densidade óssea femoral proximal na zona de Gruen 1
de ambas hastes (A, haste anatômica; B, haste cônica em cunha dupla).
Fig. 5 Comparação das alterações da densidade óssea femoral proximal na zona de Gruen 4
de ambas hastes (A, haste anatômica; B, haste cônica em cunha dupla).
Tabela 3
Densidade óssea femoral
Tipo de haste
Valor de p
Haste anatômica (n = 34)
Haste cônica de cunha dupla (n = 58)
Zona 1
Pós-operatório (basal)
135,59 ± 12,20
130,33 ± 13,30
0,062
6 meses
131,15 ± 10,53
122,05 ± 15,14
0,003*
1 ano
117,35 ± 14,19
109,57 ± 12,09
0,006*
2 anos
84,74 ± 7,29
91,63 ± 9,06
0,004*
Alteração (1 ano de pós-operatório)
−18,24 ± 20,48
−20,76 ± 9,36
0,501
Zona 4
Pós-operatório (basal)
164,03 ± 16,41
152,86 ± 29,44
0,022*
6 meses
158,29 ± 17,11
148,14 ± 24,19
0,021*
1 ano
145,74 ± 16,92
138,64 ± 18,49
0,070
2 anos
135,39 ± 12,74
129,77 ± 11,34
0,096
Alteração (1 ano de pós-operatório)
−18,29 ± 14,79
−14,22 ± 24,22
0,320
Zona 7
Pós-operatório (basal)
157,85 ± 13,84
152,29 ± 13,11
0,058
6 meses
152,71 ± 11,31
144,29 ± 14,85
0,005*
1 ano
132,06 ± 12,33
135,12 ± 14,89
0,314
2 anos
107,83 ± 19,79
126,87 ± 10,59
< 0,001*
Alteração (1 ano de pós-operatório)
−25,79 ± 15,85
−17,17 ± 13,23
0,010*
A [Tabela 3 ] mostra que houve diferenças significativas nas alterações da densidade óssea femoral
entre ambas as hastes apenas na zona 7 (p = 0,01).
Discussão
A artroplastia total do quadril não cimentada é um procedimento popular, principalmente
em pacientes mais jovens,[9 ] com bom desfecho em longo prazo. No entanto, há relatos de osteopenia femoral proximal
e afrouxamento asséptico precoce com os primeiros designs[4 ] devido ao efeito de proteção contra estresse e ao micromovimento proximal da haste.
Posteriormente, a haste foi refinada pela melhora da superfície e do material de revestimento,
assim como redução da rigidez do material e a variação do comprimento da haste femoral,
todos melhoram muito a sobrevida e reduzem as chances de complicações no procedimento.[10 ]
Nosso estudo descobriu que a taxa de preenchimento do canal com a haste cônica em
cunha dupla foi significativamente maior do que no grupo com haste anatômica em todos
os níveis (TM, 2 cm acima do TM e 6 cm abaixo do TM). Vale ressaltar que o maior preenchimento
do canal femoral e a maior proporção de preenchimento do canal observados em nosso
estudo podem aumentar o risco de falha da osteointegração, como sugerido por Cooper
et al, cujo estudo relata que um aumento no preenchimento médio e distal e no índice
de alargamento do canal é o fator de risco mais importante para falha da osteointegração.[11 ]
De acordo com nosso estudo sobre alterações na densidade óssea periprotética, a densidade
mineral óssea pós-operatória imediata no lado operado deve ser usada como valor basal
para exclusão de perda óssea devido ao procedimento cirúrgico.[12 ] Apesar desse método, nosso estudo observou perda de densidade óssea com as duas
hastes a partir do valor basal, que atribuímos à proteção contra estresse na área.
Este achado é consistente com o estudo de Venesmaa et al.,[13 ] que relatou uma diminuição geral em todas as regiões de interesse até 6 meses, particularmente
na região de Calcar, e apenas pequenas alterações após esse período. Entretanto, nosso
estudo também observou diminuição da densidade óssea em até 1 ano após a cirurgia.
Descobrimos que na zona 7, a perda de densidade óssea femoral foi significativamente
maior em pacientes com haste anatômica do que naqueles com haste em cunha cônica dupla
(−25% versus −17%, p = 0,010). No entanto, nenhuma perda significativa de densidade óssea femoral foi
observada nas zonas 1 e 4.
O ponto forte deste estudo é sua condução por um único cirurgião em um único centro,
o que minimizou fatores de confusão da técnica cirúrgica e do cuidado pós-operatório
do paciente. Este estudo, porém, tem limitações. Primeiro, sua natureza retrospectiva,
o que limitou a coleta de dados sobre todos os fatores que podem ter influenciado
a perda óssea em nossa população. Além disso, o tamanho da amostra foi relativamente
pequeno, o que nos impediu de realizar uma análise significativa de subgrupos para
investigar o impacto de vários fatores na perda óssea. Em segundo lugar, o período
de acompanhamento foi curto (12 meses), mas acreditamos que foi adequado, uma vez
que a perda de densidade óssea periprotética foi mais pronunciada no primeiro ano
pós-operatório, com alterações mínimas posteriormente. Este achado é consistente com
estudos anteriores que destacaram o processo inicial de remodelação óssea periprotética
nos primeiros 12 meses de pós-operatório.[14 ]
Conclusão
A haste em cunha cônica dupla teve uma taxa de preenchimento do canal significativamente
maior do que a haste anatômica em todos os níveis, com menor perda de densidade óssea
femoral identificada na radiografia pós-operatória de acompanhamento da zona 7. No
entanto, nas zonas 1 e 4, nenhuma diferença significativa foi observada na perda de
densidade óssea femoral.