Palavras-chave
fraturas do rádio - luxações articulares - ossos do carpo - traumatismos do punho
Introdução
A fratura-luxação radiocárpica é um distúrbio traumático incomum associado a lesões
nos ligamentos radiocárpico (RC) e radioulnar (RU). O diagnóstico é tardio devido
à ausência de achados radiográficos e é feito após falha crônica (instabilidade) da
articulação e dor no punho. O tratamento da luxação aguda geralmente requer estabilização
e sutura do ligamento. Neste paciente, estabilizamos a articulação radiocárpica por
reconstrução do RC usando um enxerto de tendão braquiorradial.
Descrição do Caso
Um paciente de 21 anos, do sexo masculino, apresentava politraumatismo após um acidente
com motocicleta, com dor e deformidade no antebraço dominante esquerdo. As primeiras
radiografias iniciais revelaram incongruência da articulação radiocárpica e da articulação
radioulnar distal (ARUD) e fratura do estiloide radial ([Fig. 1]). O paciente foi submetido a tratamento com redução fechada e fixação percutânea
(parafuso de compressão sem cabeça HCS, Synthes, Davos, Suíça) no estiloide radial.
A seguir, o exame físico revelou RC/ARUD instáveis e uma proeminência dorsal na cabeça
ulnar. No intraoperatório, decidimos realizar uma artroscopia do punho e diagnosticamos
uma lesão complexa com acometimento dos ligamentos radiocárpicos e avulsão foveal
do complexo de fibrocartilagem triangular (CFCT) (os testes de gancho e trampolim
foram positivos). Então, abordamos a instabilidade radiocárpica por meio da reconstrução
dos ligamentos radiocárpicos (REC, RLL) usando o tendão braquiorradial (BR).
Fig. 1 Aspecto radiográfico pré-operatório do punho – fratura-luxação radiocárpica.
O paciente utilizou uma tala longa removível até acima do cotovelo por duas semanas
após a cirurgia, com o punho em posição neutra para melhorar a recuperação natural
da pronação e supinação. Iniciamos a terapia ocupacional para melhora da amplitude
do antebraço na primeira semana após a cirurgia. Quatro meses depois, o paciente estava
sem dor e apresentava estabilidade da articulação radiocárpica e ARUD, além de boa
amplitude de movimento (ADM) do punho, antebraço, cotovelo e todos os dedos. A pontuação
Disability of Arm, Shoulder and Hand (DASH) era 6, a escala visual análoga (EVA) de dor era 0 e a força de preensão era
de 96% em comparação com o punho contralateral. As imagens radiográficas revelaram
a congruência articular da ARUD, a cicatrização do estiloide radial e melhor fixação
óssea aos implantes ([Vídeo 1]).
Técnica Cirúrgica
Por meio da abordagem radial do punho, identificamos e coletamos o tendão BR, que
foi dividido em duas partes: uma para o REC e outra para o RSL. Preparamos o tendão
com um suporte interno (fio de sutura FiberTape, Arthrex Inc., Naples, FL, EUA), seccionando-o
em sua transição muscular e preservando a inserção no estiloide radial. Depois, empregamos
uma abordagem ulnar medial para a reinserção do CFCT na ulna usando a âncora DX por
meio de túnel transverso, de acordo com a técnica recomendada pelo fabricante. Depois,
criamos três túneis (escafoide, semilunar e capitato) usando uma broca canulada de
3,5 mm de acordo com a técnica descrita pelos autores e auxiliados por artroscopia.
Passamos o enxerto do tendão BR através do túnel e o mantivemos tensionado na face
palmar no primeiro semilunar ([Fig. 2]), no escafoide e no capitato ([Fig. 3]). Assim, estabilizamos a articulação radiocárpica. Os implantes definitivos no escafoide,
capitato e semilunar foram inseridos somente após a obtenção da estabilidade (DX).
([Figs. 4] e [5] e [Video 1]).
Fig. 2 Desenho esquemático: reconstrução do ligamento radiosemilunar.
Fig. 3 Desenho esquemático: reconstrução do ligamento radioescafocapitato.
Fig. 4 Aspectos pós-operatórios da radiografia de punho em incidência anteroposterior.
Fig. 5 Aspectos pós-operatórios da radiografia do punho em incidência em perfil.
Discussão
O tratamento convencional sugere redução aberta e fixação do estiloide radial (com
parafuso, fios de Kirschner ou placa específica) e reparo direto por sutura dos ligamentos
radiocárpico e CFCT com fios de Kirschner.[1]
Nas lesões agudas, é possível reparar diretamente os ligamentos radiocárpicos e o
CFCT, mas não há consenso sobre o manejo geral.
Nas lesões crônicas (as mais comuns), muitas vezes precisamos reduzir RC/ARUD. Além
disso, há necessidade de procedimentos como artrodese parcial do punho, encurtamento
da ulna e reconstrução dos ligamentos radiocárpicos. Aita et al.[2] publicaram a reconstrução do REC com resultados promissores na estabilização do
punho e prevenção da osteoartrite.
Aita e Mantovani[3] sugeriram um algoritmo para tratamento de lesões ligamentares e introduziram a artroscopia
do punho e o Internal Brace para reparo/reconstrução de ligamentos carpais intrínsecos/extrínsecos
do punho. A vantagem deste procedimento é a visualização direta das estruturas articulares,
evitando a incisão da cápsula dorsal do punho para preservar a propriocepção do membro
superior e poupando outros sítios cirúrgicos.
Potter et al.[4] descreveram o “spanning” como um estabilizador da articulação radiocárpica em direção
oposta à que tratamos aqui, usando uma placa radiocárpica específica com artrodese
temporária e obtenção de resultados positivos.
Aqui, sugerimos que Internal Brace também é suficiente para tratar instabilidades
traumáticas de RC e ARUD, pois este é um reparo/reconstrução anatômica semelhante
à reconstrução do REC/RSL ou CFCT. Todos os procedimentos preservam a estabilidade
e a mobilidade do punho e aumentam a força da reconstrução e sua proteção.[3]
Os autores têm ampla experiência no uso do enxerto de tendão BR e oferecem uma solução
promissora e eficiente neste caso que parece ser reproduzível em futuras intervenções
cirúrgicas.[5]
Concordamos que o desfecho em longo prazo, especialmente em um paciente jovem como
este, é incerto, e haverá algumas complicações conhecidas e desconhecidas no futuro.
Pode haver necessidade de outro procedimento de resgate; no entanto, o excelente resultado
funcional neste acompanhamento de médio prazo parece justificar tal indicação nestas
circunstâncias especiais.