Open Access
CC BY 4.0 · Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2024; 39(04): s00441801341
DOI: 10.1055/s-0044-1801341
Ideias e Inovações

Aplicações dos biotecidos na cirurgia plástica: Uma revisão sistemática

Article in several languages: português | English
1   Departamento de Cirurgia Plástica, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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1   Departamento de Cirurgia Plástica, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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2   Departamento de Medicina, Faculadade de Medicina de Sorocaba, Sorocaba, SP, Brasil
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1   Departamento de Cirurgia Plástica, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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1   Departamento de Cirurgia Plástica, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
› Author Affiliations

Suporte Financeiro Os autores declaram que não receberam suporte financeiro de agências dos setores público, privado ou sem fins lucrativos para a realização deste estudo.
Ensaios Clínicos Não. | Clinical Trials None.
 

Resumo

Introdução Biotecidos são combinações organizadas de substâncias sintéticas e/ou biológicas que interagem com sistemas biológicos complexos para tratar, substituir ou remodelar tecidos ou órgãos. A bioengenharia de tecidos emprega diversos métodos, incluindo scaffolds biológicos e sintéticos, com interação com células-tronco e citocinas. Esta revisão examina técnicas e métodos para a síntese de biotecidos, além de sua eficácia em modelos animais e humanos.

Materiais e Métodos Foi realizada uma revisão sistematizada da literatura nas plataformas PubMed, Lilacs, Scielo e Cochrane, utilizando descritores específicos. A análise focou na identificação dos países de origem dos estudos, categorização das técnicas e recursos empregados, visando auxiliar na escolha de estratégias para o uso de biotecidos na cirurgia plástica reconstrutiva.

Resultados Dos 37 artigos selecionados, 15 abordaram experimentação in vitro, 14 in vivo, e 8 utilizaram ambas as abordagens. Os estudos foram classificados em 3 subtemas principais: adipogênese (18 artigos), angiogênese (10 artigos) e condrogênese (nove artigos), todos voltados para reconstruções teciduais.

Conclusão Os avanços no uso de biomateriais na medicina regenerativa são promissores, com experimentos satisfatórios alinhados à cirurgia plástica contemporânea. Embora a aplicação em humanos seja limitada, o potencial das células-tronco e fatores de crescimento sugerem avanços significativos que devem ser melhor desenvolvidos isoladamente em estudos futuros. Esta revisão esclarece as tecnologias e progressos no uso de biomateriais, destacando seu impacto na evolução técnica da cirurgia plástica reconstrutiva.


Introdução

A cirurgia plástica teve diversos avanços no campo da cirurgia reparadora. Desde os estudos de Sir Harold Delf Gillies na Primeira Guerra Mundial até hoje, várias estratégias foram desenvolvidas com foco na escada de reconstrução. Porém, o padrão-ouro atual para tais procedimentos são retalhos autólogos cirúrgicos, os quais possuem diversas desvantagens, como locais doadores limitados, morbidade do local doador e operações complexas e prolongadas com seus próprios riscos. A fim de superar tais inconveniências, a bioengenharia promete recursos ilimitados a partir de sua potencialidade por meio de biotecidos para realizar tais reconstruções de forma mais segura, ao invés de retalhos autólogos restritos.[1]

Biotecidos são qualquer combinação de substâncias de origem sintética e/ou biológica que, de forma organizada e integrada, possa interagir com sistemas biológicos complexos a fim de tratar, substituir ou remodelar quaisquer tecidos ou órgãos do corpo/ser-vivo estudado.[2] Desse modo, devem seguir critérios específicos, tais como: permitir proliferação celular adequada ao tecido a ser aderido; acompanhar taxas de biodegradação e evolução biológica do organismo vivo; não promoverem tipos de rejeição imunológico-inflamatória ao organismo recebedor do tecido, de modo a torná-lo viável.[3]

Porém, o ideal de utilização de biotecidos para formação de um tecido viável em cirurgias reconstrutivas e estéticas humanas, a fim de alcançar a proporção e a função do órgão a ser substituído, ainda possui suas limitações no conhecimento científico atual, como a nutrição ineficaz de tais tecidos desenvolvida por engenharia tecidual e materiais limitados para produção dos scaffolds.[4] As unidades básicas de construção da engenharia de tecidos são a matriz extracelular (MEC) ou scaffold, células viáveis e a manutenção homeostática adequada dos tecidos.[1]

O objetivo desta revisão sistemática é, inicialmente, expor os princípios fundamentais subjacentes à engenharia de tecidos e, posteriormente, realizar uma análise das principais técnicas e suas inovações.


Materiais e Métodos

A pesquisa foi realizada nas bases de dados MEDLINE, LILACS, Scielo e Cochrane, utilizando termos descritores obtidos no DECS/MESH. Os descritores utilizados para selecionar os artigos desejados nas bases de dados foram: plastic surgery AND biomaterials AND tissue engineering AND scaffold AND stem cells. A busca restringiu-se a artigos publicados entre 2010 e 2023, em inglês, português e espanhol, e incluiu apenas revisões sistemáticas, metanálises e estudos clínicos e experimentais, englobando um total de n = 257 artigos. A seleção dos artigos foi realizada por meio da plataforma Rayyan (Rayyan Systems, Cambridge, MA, EUA) para elaboração de revisões sistemáticas e sistematizadas da literatura. Dois avaliadores diferentes atuaram no estudo. Em caso de dúvidas sobre a inclusão do artigo, um terceiro avaliador foi convocado ([Fig. 1]).

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Fig. 1 Fluxograma de seleção dos artigos segundo o Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses (PRISMA).

A avaliação do artigo iniciou-se pelo título e resumo, e, em caso de não adequação ao tema, houve exclusão primária. A exclusão secundária se deu pela leitura completa dos artigos, seguida por uma segunda filtragem de modo a obter os artigos que de fato fossem condizentes com metodologia, objetivos, aplicação prática e discussão compatíveis com os objetivos desta revisão.

Na primeira exclusão foram retirados artigos em duplicata e com enfoque em: tratamento odontológico, osteogenia, abordagem bioquímica específica, revisões narrativas e artigos sem enfoque em cirurgia plástica. Na segunda exclusão foram retirados artigos que expunham: foco apenas bioquímico, não consideravam aplicabilidade prática, protocolos de reprodução exclusiva do scaffold e artigos que não tinham aplicabilidade na cirurgia plástica reconstrutiva. Experimentos com resultados incompletos não foram considerados e os selecionados foram lidos na íntegra.

Para a elaboração dos resultados e discussão, os artigos foram categorizados em temas específicos de sua abordagem. Foram considerados in vitro artigos que não utilizaram animais para experimentação dos enxertos, e in vivo os demais que consideraram o respectivo uso. Foi considerado enfoque: adipogênico para os artigos que almejavam a reconstrução de partes moles envolvendo técnicas de coleta de tecido adiposo associadas às respectivas células-tronco teciduais como principal objetivo; angiogênico para os que propunham a neovascularização e manutenção homeostática do enxerto como objetivo; e condrogênico para os que almejavam a formação de neocartilagem. Os termos scaffold, veículo e hidrogel foram utilizados como sinônimos dado contexto específico determinado no momento de uso. Para distribuição dos artigos conforme nacionalidade, foi considerado o serviço credenciado e país de origem do primeiro autor.


Resultados

Foram selecionados 37 artigos, dentre os quais 15 realizaram abordagem experimental em modelo exclusivo in vitro; 14 realizaram abordagem experimental em modelo exclusivo in vivo; e 8 realizaram experimentação em ambas as abordagens no mesmo estudo ([Tabelas 1] [2] [3]).[5] [6] [7] [8] [9] [10] [11] [12] [13] [14] [15] [16] [17] [18] [19] [20] [21] [22] [23] [24] [25] [26] [27] [28] [29] [30] [31] [32] [33] [34] [35] [36] [37] [38] [39] [40] [41] Os países que mais publicaram sobre o assunto foram China (nove artigos), Alemanha (cinco artigos), Bélgica (cinco artigos) e Estados Unidos (quatro artigos) ([Fig. 2]).

Tabela 1

Autor e ano

Técnica

Vantagens

Limitações

Flynn et al. (2010)[5]

hASCs foram semeadas em scaffold DAT em modelo in vitro

Compatibilidade, integração e adesão celular bem favoráveis

Necessidade de mais estudos sobre scaffold DAT

Wu et al. (2012)[6]

hASCs foram semeadas em scaffold DAT em modelo in vitro. Em seguida, o biotecido foi inserido no subcutâneo de camundongos

Compatibilidade, integração e adesão celular bem favoráveis

Necessidade de mais estudos sobre scaffold DAT

Alharbi et al. (2013)[7]

hASCs foram semeadas em veículo Matriderm em modelo in vitro

Comparação de cânulas para lipoaspiração para sobrevivência do enxerto

Não avalia a manutenção do tecido em longo prazo

Garg et al. (2014)[8]

rASCs foram semeadas em scaffold de hidrogel (colágeno-pululano) em modelo in vitro e, em seguida, inseridos de forma circular em feridas superficiais no dorso de camundongos

Quatro métodos de produção do enxerto analisados, produção rápida e angiogênese observada

Necessidade de estudos em humanos

Cheung et al. (2013)[9]

hASCs foram semeadas em scaffold (DAT + MGC ou DAT + MCS) em modelo 3D in vitro. Em seguida, criou-se o enxerto com rASCs, e o mesmo foi inserido no subcutâneo de ratos

Método de encapsulamento oferece uma tecnologia minimamente invasiva para defeitos irregulares em tecidos moles

Necessidade de mais estudos que analisem a manutenção da densidade celular no enxerto implantado em longo prazo

Gugerell et al. (2015)[10]

hASCs foram semeadas em scaffolds de PLLG + Gel-MA sob condições estáticas. Em seguida, foram inseridas em biorreator em modelo in vitro

Condições dinâmicas e angiogênese observada

Tempo de produção

Pati et al. (2015)[11]

hASCs foram semeadas em scaffold 3D impresso (DAT) em modelo in vitro

Compatibilidade, integração e adesão celular bem favoráveis

Necessidade de mais estudos sobre scaffold DAT

Zeng et al. (2015)[12]

hASCs foram semeadas em microgel (PMMA) cultivados em 2D e 3D em modelo in vitro. Em seguida, os enxertos foram inseridos em feridas superficiais no dorso de camundongos

Maior vantagem da estrutura 3D e facilidade na injeção da solução de hidrogel para o enxerto e para a viabilidade celular

Necessidade de mais estudos sobre microgéis (PMMA)

Wahl et al. (2015)[13]

hASCs foram semeadas em 4 diferentes scaffolds comerciais (BioPiel, Smart Matrix, Integra DRT, Strattice) em modelo in vitro e in vivo por membra na amniótica de ovos de galinha

Maior vantagem das matrizes de colágeno bovino e de fibrina na eficiência da cicatrização

Necessidade de mais estudos para corroborar alguma ineficiência de scaffold de quitosana ou de DAT suíno

Lequeux et al. (2015)[14]

hASCs foram injetadas junto ao veículo Cytocare no subcutâneo de camundongos

Compatibilidade, integração e adesão celular bem favoráveis

Não avalia a manutenção do tecido a longo prazo

Hanken et al. (2016)[15]

hASCs foram semeadas em scaffolds de seda com e sem fatores de crescimento em modelo in vitro

Manutenção do enxerto e neovascularização obtida por fatores de crescimento

Necessidade de mais estudos sobre scaffolds de seda e períodos mais longos de enxerto

Zhu et al. (2019)[16]

rASCs foram semeadas em scaffold (ADM suína) em modelo in vitro. Em seguida, os enxertos foram inseridos na fáscia subcutânea de ratos

Compatibilidade e manutenção do tecido bem favoráveis

Necessidade de mais estudos sobre scaffold de ADM

Buschmann et al. (2019)[17]

rASCs foram semeadas em scaffold de PLGA e injetados na parede torácica de camundongos

Compatibilidade, integração e adesão celular bem favoráveis. Neovascularização presente.

Alguma reação inflamatória observada

Tytgat et al. (2019a)[18]

hASCs foram semeadas em scaffold (Gel-SH/Gel-NB) em modelo in vitro

Candidato alternativo ao uso de Gel-MA

Resistência mecânica do scaffold ainda a ser avaliada em estudos futuros

Tytgat et al. (2019b)[19]

hASCs foram semeadas em scaffold 3D impresso (Gel-MA/Car-MA) em modelo in vitro

Compatibilidade, integração e adesão celular bem favoráveis. Mecânica similar ao tecido mamário nativo.

Menor potencial de diferenciação do que quando comparado ao Gel-MA

Colle et al. (2020)[20]

hASCs foram encapsuladas e semeadas em scaffold 3D impresso (Gel-MA) em modelo in vitro

Facilidade de replicação do scaffold por impressão em molde 3D

Necessidade de mais estudos sobre esferóides (microcápsulas)

Benmeridja et al. (2020)[21]

Microesferas hASCs + HUVECs foram semeadas e moldadas em 3D em modelo in vitro

Facilidade de replicação do scaffold por impressão em molde 3D. Neovascularização presente.

Necessidade de mais estudos sobre esferóides (microcápsulas)

Pu et al. (2021)[22]

hASCs foram injetadas junto ao DAT-gel no subcutâneo de camundongos

Facilidade na injeção da solução de hidrogel para o enxerto e para a viabilidade celular

Baixo tempo de experimentação in vivo demanda novos estudos com enxerto a longo prazo

Tabela 2

Autor e ano

Técnica

Vantagens

Limitações

Wang et al. (2010)[23]

SMCs foram obtidas a partir de hASCs e semeadas em malhas de PGA. Em seguida, a malha foi colocada em biorreator pulsátil em modelo in vitro

Vaso tridimensional de pequeno diâmetro formado com êxito. Biomecânica do tecido aprimorada por condições pulsáteis do biorreator

Ausência de testagem in vivo

Zhang et al. (2011)[24]

VR-EPCs provenientes do tecido cardíaco foram semeadas em veículo Integra Matrix em modelo in vitro. Em seguida, os biotecidos foram inseridos em feridas de pele de espessura total em camundongos

Utilização de fonte alternativa de tipos de células-tronco

Necessidade de mais estudos que envolvam a utilização de VR-EPCs e facilitação de sua obtenção

Mestak et al. (2013)[25]

rASCs foram semeadas em scaffold de ADM suína em modelo in vitro. Em seguida, realizou-se excisão de parte da parede abdominal de camundongos onde o enxerto foi suturado

Analisa utilização de telas cultivadas para reparo da parede abdominal, o que traz ressalvas no benefício do seu uso em cenário clínico

Complexidade do processo de extração, cultivo e manutenção do enxerto ainda tornam a técnica distante de aplicação em cenário clínico

Han et al. (2014)[26]

hUCMSCs foram semeadas e diferenciadas, in vitro, em fibroblastos. Em seguida, as células foram cultivadas em scaffold (ADM + colágeno-quitosana) e inseridos em feridas de pele de espessura total no dorso de suínos

Eficiência no tratamento superficial de feridas isquêmicas e de úlceras crônicas

Necessidade de continuação dos estudos para garantia de uma aplicação clínica final favorável

Zhang et al. (2015)[27]

Microesferas de PLGA/PEG contendo VEGF foram impregnados em scaffolds de colágeno-quitosana semeados com hASCs em modelo in vitro. Em seguida, o biotecido foi inserido em torno do pedículo vascular de camundongos.

Neovascularização significativa, promovendo manutenção do enxerto e disponibilidade de nutrientes.

Necessidade de mais estudos pré-clínicos que analisem a manutenção do enxerto/retalho em períodos mais longos de tempo

Freiman et al. (2016)[28]

Scaffolds PLLA/PLGA foram agregados à quatro diferentes combinações de células-tronco (hASCs, HAMECs, HUVECs e HNDFs)

Neovascularização observada melhora na integração do enxerto no hospedeiro, bem como sua manutenção

Necessidade de análise do enxerto em período superior a 14 dias, obtendo mais informações sobre sua manutenção e nutrição a longo prazo

Du et al. (2017)[29]

BMSCs de coelhos foram semeadas em folhas e em seguida descelularizadas para formação do enxerto (BMSC-MEC). Os enxertos foram inseridos em camundongos com feridas de pele de espessura total.

Maturação dos tecidos de granulação, reepitelização rápida e angiogênese foram observados no local do enxerto

Necessidade de mais estudos que envolvam o condicionamento químico da MEC como estratégia para sua melhor adesão e manutenção in vivo

Steiner et al. (2018)[30]

Microcápsulas de ADA-GEL (com ou sem BMSCs) foram agregadas em câmara de teflon e inseridas na virilha de ratos juntamente com uma alça arteriovenosa criada

O uso de microcápsulas junto à alça vascular promoveu vasculariizção favorável

Necessitade mais estudos envolvendo o uso de microcápsulas como veículo, bem como a utilização de alças em “loop” para angiogênese

Duisit et al. (2018)[31]

ADM foi obtida a partir de orelha humana + pedículo. rASCs foram semeadas no scaffold para modelo experimental in vitro. Em seguida, foram inseridas em feridas no dorso de camundongos

Considera o uso de peças post-mortem humanas (estruturas complexas com vascularização) para obtenção de MEC

Scaffold de dificil obtenção. Necessita-se mais estudos para avanços no enxerto vascular proposto

Griffin et al. (2019)[32]

rASCs foram semeadas (com e sem PRP) em scaffolds de poliuretano e inseridas no subcutâneo do dorso de camundongos

Adesão e vascularização foram observadas

No estudo, faltam evidências que garantam a casualidade do uso de plasma de argônio como responsável direto pela melhor adesão tecidual

Dash et al. (2020)[33]

hiPSCs derivadas de células musculares lisas vasculares humanas foram semeadas junto ao scaffold Matrigel em modelo in vitro descrito

Descrição detalhada promove facilidade de replicação dos métodos utilizados

Impede avaliação mais aprofundada devido ao teor expositivo em protocolo

Tabela 3

Autor e Ano

Técnica

Vantagens

Limitações

Liu et al. (2010)[34]

BMSCs e condrócitos suínos foram cultivados em scaffold (PLGA). Em seguida, o biotecido foi inserido no subcutâneo de camundongos

Indução parácrina observada favoreceu condrogênese

Necessidade de mais estudos sobre condroindução parácrina e cultura mista

Xue et al. (2012)[35]

BMSCs suínas foram cultivadas em ACSs, cultivos em scaffold (PLGA) foram considerados controle. Em seguida, os biotecidos foram inseridos no subcutâneo de camundongos

ACSs têm atividade antiangiogênica que promove estabilização da cartilagem recente

Necessidade comparativa com outros biomateriais sintéticos

Patel et al. (2013)[36]

BMSCs humanas foram cultivadas em scaffold de POSS-PCU em formato de aurícula humana em modelo experimental in vitro

A condrogênese foi verificada in vitro com a diferenciação celular induzida por fatores de crescimento adicionados

Necessitam mais estudos que envolvam scaffold POSS-PCU e testagem in vivo

Mendelson et al. (2014)[37]

Microesferas de hidrogel carregadas com fatores de cresimento humano foram inseridas em scaffold (PLGA). O enxerto de hidrogel foi inserido sobre a cartilagem nasal nativa de camundongos

Enxerto formado sem a necessidade do uso de células-tronco

Necessidade de novos estudos sobre condroindução de tecidos nativos sobre enxertos não cultivados com células-tronco

Zhang et al. (2014)[38]

Condrócitos humanos e BMSCs caprinas foram cultivadas em scaffold (PGLA) em modelo in vitro

Os condrócitos humanos retiveram forte capacidade inicial de formação de cartilagem, podendo promover a condrogênese ectópica de BMSCs in vitro

Ausência de testagem in vivo

Herrero-Mendez et al. (2015)[39]

Uso de scaffold descelularizado com sGAG para reparo tecidual. Os scaffolds analisados foram uma mistura 50:50 e outra de 90:10 de HR007 enriquecido com HA.

Os scaffolds demonstraram propriedades biológicas importantes in vitro para uso clínico a fim de promover o reparo de defeitos condrais ou dérmicos

Ausência de testagem in vivo

Ding et al. (2016)[40]

BMSCs e cartilagem auricular suínos foram obtidas e cultivados com scaffold (PGLA) em grupos isolados e em conjunto. Os biotecidos foram inseridos no subcutâneo suíno.

Demonstrou-se que a cartilagem engenheirada baseada em BMSC pode suprimir a inflamação in vivo quando cultivada sem condrócitos

Necessidade de novos estudos sobre a aplicação de enxertos cultivados de BMSCs por longas durações

Rajabian et al. (2017)[41]

BMSCs de coelhos foram semeadas em scaffold de quitosana. Em seguida, os biotecidos inseridos em feridas superficiais no dorso desses animais

Promoção da reepitelização por fatores parácrinos

Curativos de quitosana com ou sem BMSCs, quando sem estímulos de proliferação, pioraram a cicatrização de feridas

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Fig. 2 Mapa mundial de distribuição dos artigos revisados de biotecidos.

No geral, as preocupações mais frequentemente encontradas nos estudos revisados se basearam na análise da integração, compatibilidade e adesão das células-tronco ou do biomaterial/enxerto no local alvo (scaffold ou animal). Foram relatadas também análises relacionadas à manutenção dos tecidos, reações inflamatórias e reações adversas em modelos de testagem in vivo. Já em modelos de testagem in vitro, também foram observadas análises relacionadas ao modo de produção do scaffold e da cultura de células-tronco. Apenas um dos artigos revisados não fez uso de células-tronco.

Na divisão de temas e objetivos dos estudos, observou-se que 18 estudos expuseram uma aplicação focada em adipogênese, 10 estudos focaram em angiogênese e nove focaram em condrogênese.

Nos artigos de adipogênese, observou-se uso de células-tronco derivadas de tecido adiposo (ASCs) em todos os estudos selecionados – anlternando entre células de origem xenogênica ou humana. Nesse bloco também se destacaram aplicações voltadas para remodelamento de grandes feridas excisionais e para o tratamento de feridas de partes moles.

Nos artigos de angiogênese observou-se o uso majoritário de ASCs, seguido por MSCs. Nesse bloco também se destacaram aplicações voltadas para a manutenção de enxertos e tecidos por neovascularização e sinalização parácrina para promoção da angiogênese.

Nos artigos de condrogênese observou-se o uso majoritário de células-tronco mesenquimais (MSCs), geralmente retiradas da medula óssea (BMSCs) xenogênica ou humana. Um dos artigos não fez uso de células-tronco. Nesse bloco também se destacaram aplicações voltadas para remodelação/cicatrização de feridas dérmicas e sinalização parácrina para diferenciação condrogênica.


Discussão

A bioengenharia tecidual tem potencial de se tornar uma das bases da medicina regenerativa do século XXI. As técnicas descritas se aproximam da aplicabilidade prática conforme o estudo da interação do enxerto com o meio in vivo avança.[24] Desse modo, o presente estudo discute nos seguintes subtemas as aplicações, vantagens e desvantagens dos artigos revisados bem como sua relação com a literatura científica.

Scaffold/Arcabouço/Veículo

Observou-se utilização de hidrogéis em 23 artigos, como uma tentativa de promover maior capacidade de integração do biomaterial acelular ao hospedeiro. Consoante ao estudo de Gierek et al., 2022, esses estudos relataram uma facilidade de implantação e manejo do biotecido proposto, assim como propriedades mecânicas capazes de simular o tecido adiposo nativo.[36] [42] No que cabe à aplicabilidade dos métodos, o uso de hidrogéis mostrou ser um potencial meio de garantir propriedades mecânicas sem comprometer a biodegradação natural do enxerto in vivo, visto que garante a difusão e suporte dos componentes biológicos.[25] [31] [38]

De acordo com Gierek et al., 2022, o uso de ADMs tem considerável potencial reconstrutivo em cirurgia humanas, graças à biocompatibilidade e à estrutura.[42] Em concordância, o vasto uso de ADMs nos estudos revisados mostra um avanço nos estudos que remetem ao potencial desses scaffolds, com destaque para técnicas de obtenção xenógenas ou por lipoaspiração humana. A utilização de DAT se mostrou promissora graças à facilidade de obtenção e baixa morbidade da área doadora em lipoaspirados, vide uso para obtenção do arcabouço e de ASCs por meio de resíduos cirúrgicos antes descartados.[5] [9] [13]

As tecnologias de impressão e planejamento 3D já são amplamente utilizadas na cirurgia reconstrutiva para preparar intervenções e produzir implantes personalizados conforme reconhecido pelo Royal College of Surgeons na Comissão sobre o Futuro da Cirurgia.[43] Isso se mostra presente nesta revisão em cinco artigos[21] [36] [37] [38] [40] que utilizaram essa técnica para a obtenção de scaffolds estruturais “vazados” para injeção de conteúdos celulares e biológicos que pudessem compor o enxerto final. Esse tipo de método se mostrou eficiente na garantia da viabilidade do enxerto quando comparado à técnica de não impressão, com biomecânica e capacidade tecidual mimética favoráveis.[37]

Com base em Salehi-Nik et al., 2013, os biorreatores de perfusão podem fornecer estímulos físicos e ambientais quase in vivo para os tecidos de cultura.[44] Nesse sentido, compara-se favoravelmente à experimentação pulsátil obtida na formação de vasos de pequeno calibre com biomecânica e elasticidade similares à veia safena humana. Essa abordagem pode ser usada não só no aprimoramento das técnicas reconstrutivas na cirurgia plástica, mas também na engenharia de outros tipos de condutos musculares elásticos de pequenos diâmetros, como oureter, o ducto cístico e o ducto ovariano.[6]


Células-tronco

O manejo de ASCs e seu uso em estudos clínicos já vem sendo praticado há muitos anos com resultados favoráveis.[45] [46] [47] Consoante a isso, 23 estudos consideraram o seu uso devido à facilidade de obtenção desse tipo de célula e seu histórico na literatura. Nesse sentido, a aquisição xenogênica objetivou uma baixa morbidade da área doadora.[24] [35] [37] Houve também a utilização de lipoaspirados como uma forma de aproveitamento de resíduos hospitalares que antes eram descartados.[11] Isso reflete a facilidade de manejo e aplicabilidade das técnicas, visto que esses métodos utilizam um tecido que possui considerável proporção de células-tronco, com uma frequência variando de 0,01 a 5% do lipoaspirado, a depender do método de extração.[48] A respeito desse ponto, relatou-se uma congruência com Wu et al., 2012, que destacou uma maior taxa de adesão e concentração das ASCs obtidas com métodos de micro-colheita (cânula romba de 2 mm de diâmetro) em comparação às técnicas convencionais.[6]

Segundo Solchaga et al., 2011, o manejo de BMSCs ainda é complexo para aplicação em técnicas de reconstrução, necessitando de maiores avanços.[49] Consoante a isso, esta revisão destaca as dificuldades encontradas nos nove estudos que utilizaram esse tipo celular para controlar a resposta inflamatória e formar, com êxito, tecidos cartilaginosos sem uma taxa de fibrose considerável.[7] [10] [17] [26] [27] [30] [31] Porém, resultados satisfatórios e alternativos foram obtidos a partir do cotransplante com células da microtia humana e do uso de citocinas para diferenciação parácrina, o que reflete os avanços na pesquisa acadêmica sobre o seu uso.[7] [17] [27]

Vale destacar também na comparação entre os tipos celulares descritos no artigo, que ASCs têm vantagens potenciais sobre BMSCs. Isso fica evidente não só em sua simplificada forma de obtenção e manejo, mas também em sua capacidade de se proliferar rapidamente e secretar altos níveis de citocinas pró-angiogênicas.[50] [51] [52]


Manutenção do Enxerto

Considerando o estudo de Colazo et al., 2019, sabe-se que a vascularização é considerada um grande desafio na engenharia e regeneração de tecidos, principalmente dentro do scaffold utilizado.[53] Nesse contexto, para garantir a manutenção do tecido in vivo por longas durações, uma série de critérios tiveram que ser garantidos, como: a formação de redes capilares, nutrição, hidratação e biocompatibilidade do enxerto inserido.[17] Nesse sentido, a presença de fatores imunorreguladores (como TGF-β, Cox-2, CD45 e CD68) e pró-angiogênicos (como VEGF, HGF, bFGF e CD31) propõe-se como forma de uma regeneração dinâmica adequada do tecido, com base inclusive na velocidade e eficiência da cicatrização avaliada.[18] [23] [33] [34] [35]


Adipogênese

As evidências das propriedades regenerativas do transplante autólogo de gordura incentivaram pesquisas sobre o uso clínico de ASCs.[54] Nos artigos referidos com esse enfoque regenerativo, houve amplo uso de ASCs como escolha padrão para coleta e cultivo de células-tronco ([Tabela 2]). Isso reflete não só a facilidade de manejo e coleta desse tipo celular, como também o crescente uso de lipoenxertia e lipoaspiração nos procedimentos estéticos e reconstrutivos na cirurgia plástica atual -– desde o período purificado (ou atraumático) que se seguiu ao trabalho de Coleman (1994 até hoje).[55]

Segundo Rupnick et al., 2002, o tecido adiposo é altamente vascularizado, pois cada adipócito é circundado por uma extensa rede capilar.[56] Assim, a angiogênese está intimamente relacionada com a manutenção e remodelação do tecido adiposo. Em concordância, destacam-se nos resultados obtidos esse mesmo potencial descrito na literatura: um baixo grau de fibrose dos enxertos e a capacidade pró-angiogênica[19] [28] [35] [40]–que pode ser melhor efetivada com a co-cultura de tipos celulares provenientes de tecidos vasculares (por exemplo, HAMECs e HUVECs).[26] [35]


Angiogênese

De acordo com Chen et al., 2017, enxertos tradicionais que não consideram a manutenção homeostática e integração do tecido final limitam a eficácia dos tratamentos.[57] Dessa forma, os enxertos vasculares de engenharia de tecidos servem como a próxima melhor alternativa à aplicabilidade dos métodos.[58] Consoante a isso, os artigos revisados desse bloco destacaram o grau de incorporação dos enxertos e a medição de fatores de crescimento e secreção parácrina dos tipos celulares envolvidos.[26] [40] Nesse contexto, foram obtidos resultados favoráveis no tratamento de feridas e úlceras isquêmicas.[15]

Com relação direta aos princípios da cirurgia plástica reconstrutiva e à necessidade de técnicas microvasculares para manutenção de enxertos,[41] destacou-se o uso de biotecidos e técnicas que garantissem a perfusão tecidual: a formação de vasos tridimensionais de pequeno calibre[6] e o uso de alças arteriovenosas para irrigação do enxerto.[31]


Condrogênese

Nos artigos com esse enfoque regenerativo, houve amplo uso de BMSCs como escolha de células-tronco. Neste caso, essa preferência não reflete uma facilidade de manejo e coleta, visto que a necessidade de isolamento celular da medula óssea pode ser um procedimento complexo e invasivo, embora amplamente documentado.[59] Destaca-se também o seu difícil manejo devido à falta de conhecimento avançado sobre os seus mecanismos de diferenciação.[60] Assim, a escolha se dá pelo conhecido potencial de diferenciação dessas células na formação de neocartilagem quando em ambiente tridimensional.[61] [62] [63] Consoante a isso, avalia-se a crescente formação de tecido fibrótico irregular em torno do implante em Ding et al., 2016, o que dificultou a manutenção in vivo por longas durações, o que distancia a aplicação clínica desses métodos.[27]

Como forma de contornar esse descontrole da diferenciação, o uso de fatores de crescimento, como TGF-ßs, IGF-1 e BMPs, para iniciar a condrogênese elucidou resultados promissores de forma coordenada.[7] Outra forma de contornar a inflamação foi o uso de folhas de cartilagem acelular (ACSs), que apresentou resultados favoráveis à manutenção do tecido cartilaginoso dada sua atividade anti-angiogênica, que estabiliza a cartilagem manipulada in vivo, fator benéfico para o manejo do enxerto final.[10] Foi descrita a reconstrução satisfatória da cartilagem do dorso nasal de camundongos sem a utilização de células-tronco em Mendelson et al., 2014, que, por meio de um sistema dose-dependente de TGF-β3, evitou as reações adversas aqui comentadas.[16]



Limitações

Embora os resultados tenham demonstrado ser bastante promissores, pode-se ressaltar diversas limitações que foram encontradas universalmente nos estudos, as quais ainda afastam a realidade de aplicabilidade clínica, uma vez que ela deve ser reprodutível, controlável e viável. Além de um limitado acervo de pesquisas semelhantes, uma das limitações encontradas nesta revisão sistematizada foi a escassez de estudos clínicos randomizados e controlados, que são considerados o padrão-ouro para avaliação da eficácia e da segurança de qualquer intervenção médica. A maioria dos estudos encontrados consistiu em estudos em animais e pesquisas in vitro.


Conclusão

As técnicas e procedimentos descritos nesta revisão têm um elevado potencial de aplicação prática futura na cirurgia plástica reconstrutiva, à medida que mais estudos avançam nessa área. Destacam-se os avanços no uso de células-tronco e fatores de crescimento como recursos fundamentais para promover a regeneração tecidual e a biocompatibilidade dos enxertos. Dessa forma, esta revisão cumpre seu papel de esclarecer as evidências atuais sobre o tema, tornando acessíveis aos cirurgiões plásticos as principais técnicas e inovações no uso de biomateriais na cirurgia plástica reconstrutiva e seus princípios fundamentais.



Conflito de Interesses

Os autores não têm conflito de interesses a declarar.

Contribuições dos Autores

RSA: análise e/ou interpretação de dados, concepção e desenho do estudo, conceituação, curadoria de dados, aprovação final do manuscrito, análise formal, aquisição de financiamento, investigação, metodologia, administração, recursos, supervisão, validação, visualização, preparação do original e revisão e edição da escrita; MGVBM: análise e/ou interpretação de dados, conceituação, curadoria de dados, análise formal, metodologia e preparação do original; NTS: análise e/ou interpretação de dados, concepção e desenho do estudo, conceituação, análise formal, investigação, administração do projeto, recursos, validação e preparação do original; EBG: supervisão, visualização e revisão e edição do texto; LMF: concepção e desenho do estudo, supervisão, validação, visualização, revisão e edição do texto.


Comitê de Ética

CEUA UNIFESP n° 1966101023



Endereço para correspondência

Rafael Silva de Araújo
Departamento de Cirurgia Plástica, Universidade Federal de São Paulo
São Paulo, SP, 04021-001
Brasil   

Publication History

Received: 09 October 2023

Accepted: 29 September 2024

Article published online:
27 January 2025

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Bibliographical Record
Rafael Silva de Araújo, Matheus Galvão Valadares Bertolini Mussalem, Nicole Tortoro Silva, Elvio Bueno Garcia, Lydia Masako Ferreira. Aplicações dos biotecidos na cirurgia plástica: Uma revisão sistemática. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2024; 39: s00441801341.
DOI: 10.1055/s-0044-1801341

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