Palavras-chave infecção da ferida cirúrgica - neoplasias - próteses - sarcoma - tratamento de ferimentos
com pressão negativa
Introdução
A reconstrução óssea com megaprótese é uma abordagem comum após a ressecção de tumores
ou mesmo cirurgias de trauma ou revisão com perda óssea extensa.[1 ]
[2 ]
[3 ]
[4 ] Isso se aplica particularmente a tumores ósseos primários justa-articulares ou metástases
no fêmur proximal e distal, uma vez que estes são dois dos sítios mais comuns para
o surgimento de sarcomas ou metástases.[3 ] Além disso, nos pacientes com perda óssea significativa em cenários de revisão ou
trauma, as megapróteses modulares tornaram-se uma forma valiosa para tratamento dessas
situações complexas.[5 ]
[6 ] Elas têm como principal vantagem a modularidade, que permite a adaptação (até certo
ponto) do implante ao defeito ósseo e às necessidades dos pacientes. Ademais, o acompanhamento
em longo prazo dessas megapróteses já provou uma sobrevida razoável do implante com
função aceitável.[7 ]
[8 ]
[9 ]
Apesar das notórias melhoras em relação à otimização clínica pré-operatória dos pacientes,
à qualidade dos implantes, à técnica cirúrgica e ao suporte médico geral no período
perioperatório, a abordagem cirúrgica para ressecção de tumores ósseos sempre implica
em uma natureza agressiva, o que, somado à complexidade clínica do paciente e à extensa
reconstrução protética, aumenta as complicações relacionadas à ferida, incluindo infecções
do sítio cirúrgico (ISCs) e infecções da prótese articular (IPAs).[10 ]
[11 ]
[12 ]
Nos implantes oncológicos primários, a suposição geral é que o risco de IPA é de cerca
de 5 a 10% com base em estudos de acompanhamento em médio prazo.[10 ]
[13 ] No entanto, esses números podem ser substancialmente maiores, como destacado no
estudo clínico randomizado PARITY, que relatou uma taxa de ISC de 15 a 16,7% em pacientes
com tumores ósseos submetidos à reconstrução com megaprótese.[14 ] Agravando esse cenário, as infecções após a ressecção e reconstrução de tumores
ósseos são particularmente difíceis de erradicar e apresentam alto risco de amputação,
de cerca de 36%.[13 ]
[15 ]
Diante desses fatos, diferentes estratégias são empregadas para minimizar infecções
em cirurgias oncológicas musculoesqueléticas, mas melhoras ainda são necessárias.
Nesse sentido, nosso grupo de trabalho publicou recentemente resultados da implementação
da terapia de ferida de incisão fechada com pressão negativa (closed-incision negative-pressure wound therapy , ciNPWT, em inglês) como método adjuvante pós-operatório para minimizar complicações
em ressecções de tumores ósseos primários ou metastáticos.[16 ] Este estudo demonstrou menores taxas de complicações de feridas, em particular ISCs,
nos pacientes submetidos à ciNPWT. No entanto, as principais críticas foram a heterogeneidade
dentro da coorte, que incluiu diversos diagnósticos e, mais importante, as diferentes
técnicas reconstrutivas em uma ampla gama de localizações anatômicas.[16 ] Para entender melhor os resultados preliminares publicados em outros lugares, realizamos
um estudo para avaliação do impacto da ciNPWT como adjuvante para minimizar complicações
relacionadas à ferida em pacientes com tumores ósseos primários ou metastáticos localizados
exclusivamente no fêmur proximal ou distal e tratados apenas com ressecção ampla e
reconstrução com megaprótese.
Materiais e Métodos
Pacientes
Este estudo retrospectivo observacional incluiu um grupo de 41 pacientes diagnosticados
com sarcomas ósseos primários localizados, tumores ósseos de células gigantes (TCG)
ou doença óssea metastática solitária exclusivamente no fêmur proximal ou distal com
indicação clínica para ressecção ampla entre 2012 e 2021. O acompanhamento pós-operatório
mínimo foi de 24 meses. Todos os pacientes foram identificados no banco de dados do
Departamento de Ortopedia e submetidos à ressecção cirúrgica ampla do tumor ósseo
e à reconstrução com megaprótese modular (fêmur proximal ou distal). Estes procedimentos
foram executados por um dos dois consultores de oncologia ortopédica (JSB ou JP).
Os pacientes foram divididos em dois grupos com base no curativo cirúrgico pós-operatório
aplicado: Grupo A (fechamento assistido por vácuo [vacuum-assisted closure , VAC, em inglês]), submetido à ciNPWT, e Grupo B (não-VAC), que recebeu curativos
convencionais. A justificativa para uso de ciNPWT foi baseada em dados recentes que
mostram que esta modalidade auxilia a redução do risco de complicações da ferida após
artroplastias complexas.[17 ]
[18 ]
Nenhum caso desta coorte recebeu radioterapia pré-operatória no leito cirúrgico. No
entanto, pacientes com alguns sarcomas ósseos (em particular osteossarcoma) receberam
quimioterapia pré- e pós-operatória. Pacientes com metástases ósseas receberam radioterapia
pós-operatória no leito cirúrgico, juntamente com terapia médica padrão de acordo
com a histologia do subtipo tumoral.
Dados sobre complicações pós-operatórias relacionadas à ferida, incluindo deiscência
da ferida, extravasamento persistente da ferida e ISCs, bem como causas de revisão
cirúrgica nos 2 primeiros anos pós-operatórios, foram recuperados dos prontuários
médicos dos pacientes. As complicações pós-operatórias foram descritas de acordo com
Henderson et al.[19 ]
Seguindo o protocolo padrão de cirurgias de tumores musculoesqueléticos de nossa instituição,
todos os pacientes receberam drenos cirúrgicos e antibióticos intravenosos perioperatórios
(cefazolina); a antibioterapia profilática foi mantida até a remoção do dreno, ou
seja, 24 horas após a cirurgia. Além disso, para estudar quaisquer outras possíveis
variáveis capazes de promover complicações da ferida, incluímos para análise posterior
os níveis de hemoglobina pré e pós-operatórios e subsequente necessidade de transfusão
de sangue, as concentrações de proteínas totais pré-operatórias, a glicemia pré-operatória
e o tempo cirúrgico de cada caso.
Todos os dados foram submetidos à anonimização para proteger a privacidade e a confidencialidade
dos participantes. Este estudo seguiu os padrões éticos da Declaração de Helsinque.
Termos de consentimento livre e esclarecido para coleta de dados cirúrgicos e clínicos
para fins científicos foram assinados por todos os pacientes à internação e antes
da cirurgia, de acordo com o protocolo institucional. Este estudo recebeu a aprovação
formal do nosso Conselho de Revisão Institucional sob o número 132/24.
Técnica de terapia de ferida de incisão fechada com pressão negativa (ciNPWT)
Após a ressecção do tumor, a reconstrução esquelética com megaprótese e a cobertura
adequada de tecido mole, um dreno foi usado para minimizar o risco de seroma e infecção
subsequente. Depois, a pele foi fechada com pontos simples separados por um centímetro
com suturas de Nylon 2.0 Ethilon (Ethicon, Inc., Bridgewater, NJ, EUA). O vácuo foi
então aplicado ao dreno e uma tira de Mepitel (Mölnlycke Health Care AB, Gotemburgo,
Suécia) foi colocado sobre a ferida cirúrgica fechada. A seguir, o sistema de ferida
de pressão negativa foi iniciado, com pressão de 120 mmHg ([Figs. 1 ], [2 ]). O dreno foi geralmente retirado 24 horas após a cirurgia e a terapia por pressão
negativa foi mantida durante a primeira semana pós-operatória, sendo posteriormente
substituída por um curativo convencional por mais 1 semana ([Fig. 2 ]).
Fig. 1 Ferida cirúrgica no período pós-operatório imediato com terapia de ferida de incisão
fechada com pressão negativa (closed-incision negative-pressure wound therapy , ciNPWT, em inglês) aplicada após ressecção do fêmur distal e reconstrução com megaprótese
(A ). Note o dreno colocado junto com a ciNPWT.
Fig. 2 Ferida cirúrgica pós-operatória de ressecção e reconstrução do fêmur proximal com
megaprótese com terapia de ferida de incisão fechada com pressão negativa (ciNPWT)
aplicada (A ), após sua remoção com 1 semana de pós-cirurgia (B ) e com curativo convencional aplicado (C ).
Análise estatística
A análise estatística foi realizada usando o software comercial IBM SPSS Statistics
for MAC OS X (IBM Corp., Armonk, NY, EUA), versão 24.0. Todos os testes estatísticos
foram conduzidos com nível de significância de 5%.
Resultados
As características demográficas e clínicas dos pacientes são descritas na [Tabela 1 ]. Da coorte do estudo de 41 pacientes, 20 (49%) foram incluídos no Grupo A, VAC;
e 21 (51,0%) no Grupo B: não-VAC. O número de homens foi ligeiramente maior no grupo
VAC, mas pequenas diferenças observadas entre os gêneros não foram significativas
(p = 0,901). Além disso, apesar da maior média de idade no grupo VAC em comparação ao
não-VAC, essas diferenças não foram significativas (p = 0,275) ([Tabela 2 ]).
Tabela 1
Grupo VAC
(N = 20)
Grupo não-VAC
(N = 21)
χ2 ou F
Valor de p
N
%
N
%
Sexo
Masculino
8
40,0
8
38,1
χ2 = 0,016
0,901
Feminino
12
60,0
13
61,9
Diagnóstico
Sarcoma ósseo
6
30,0
8
38,1
F = 2,276
0,319
Tumor de células gigantes ósseas
2
10,0
5
23,8
Metástase óssea
12
60,0
8
38,1
Localização
Fêmur proximal
13
65,0
10
47,6
χ2 = 1,257
0,262
Fêmur distal
7
35,0
11
52,4
Fratura patológica
Sim
11
55,0
4
19,0
χ2 = 5,707
*0,017
Não
9
45,0
17
81,0
Tipo de fratura
Subcapital
1
5,0
2
9,5
F = 8,137
*0,028
Supracondilar
3
15,0
1
4,8
Per e subtrocantérica
7
35,0
1
4,8
Tipo de reconstrução
Megaprótese do fêmur proximal
13
65,0
10
47,6
χ2 = 1,257
0,262
Megaprótese do fêmur distal
7
35,0
11
52,4
Cimento
Sim
12
60,0
10
47,6
χ2 = 0,631
0,427
Não
8
40,0
11
52,4
Ressecção (R)
R0
12
60,0
13
61,9
F = 1,954
0,518
R1
8
40,0
6
28,6
R2
0
0,0
2
9,5
Tabela 2
Grupo VAC
(N = 20)
Grupo não-VAC
(N = 21)
t(39)
Valor de p
M
DP
M
DP
Idade
52,2
16,3
45,8
20,0
1,108
0,275
Em relação ao diagnóstico, a porcentagem de metástases ósseas foi maior no grupo VAC,
com altas porcentagens de sarcoma ósseo e tumor de células gigantes no grupo não-VAC.
Porém, essas diferenças também não foram estatisticamente significativas (p = 0,319). Novamente, as diferenças quanto à localização do tumor ou reconstrução
com megaprótese não foram significativas (p = 0,262). Da mesma forma, o uso de megaprótese cimentada ou não cimentada não revelou
diferenças significativas (p = 0,427). A porcentagem de fraturas patológicas foi maior no grupo VAC, sendo estatisticamente
significativa em comparação ao grupo não-VAC (p = 0,017).
Em relação à qualidade da ressecção do tumor ósseo, a porcentagem de ressecção (R)
0 foi semelhante em ambos os grupos, enquanto a porcentagem de R1 foi maior no grupo
VAC e a porcentagem de R2 foi maior no grupo não VAC. Essas diferenças não foram estatisticamente
significativas (p = 0,518).
A maioria da coorte não apresentou complicações pós-operatórias ([Tabela 3 ]). Infecções agudas, classificadas como complicação de tipo IVA segundo Henderson
et al.,[19 ] foram observadas em 4 casos (19%) do grupo não-VAC e em apenas um caso (5%) do VAC.
O afrouxamento asséptico agudo (classe IIA), o afrouxamento asséptico crônico (classe
IIB), a falha mecânica do implante (classe IIIA) e a recidiva óssea local (classe
VA), todos tiveram um caso cada, todos do grupo não VAC. Nenhuma dessas complicações
apresentou diferenças significativas entre os dois grupos (p = 0,083).
Tabela 3
Grupo VAC
(N = 20)
Grupo não-VAC
(N = 21)
F
Valor de p
N
%
N
%
Complicações[19 ]
Não
19
95
13
61,9
6,470
0,083
Infecção aguda (IVA)
1
5
4
19,0
Afrouxamento asséptico agudo (IIA)
0
0
1
4,8
Afrouxamento asséptico crônico (IIB)
0
0
1
4,8
Falência mecânica do implante (IIIA)
0
0
1
4,8
Recidiva óssea local (VA)
0
0
1
4,8
Deiscência da ferida
Sim
0
0
3
14,3
3,083
0,232
Não
20
100
18
85,7
Extravasamento persistente de fluido
Sim
0
0
3
14,3
3,083
0,232
Não
20
100
18
85,7
Infecção do sítio cirúrgico
Sim
1
5
4
19,0
1,888
0,343
Não
19
95
17
81,0
Necessidade de revisão cirúrgica
Sim
1
5
7
33,3
5,236
*0,045
Não
19
95
14
66,7
A deiscência de ferida e o extravasamento persistente de fluido foram mais frequentes
no grupo não-VAC, mas sem diferenças estatisticamente significativas. As ISCs, que
correspondem a uma infecção aguda classificada por Henderson et al.[19 ] como complicação do tipo IVA, ocorreram em 5% do grupo VAC e 19% do não-VAC, mas
essas diferenças não foram estatisticamente significativas (p = 0,343), como mostrado na [Tabela 4 ].
Tabela 4
Grupo VAC
(N = 20)
Grupo não-VAC
(N = 21)
F
Valor de p
N
%
N
%
Diagnóstico de infecção do sítio cirúrgico
Sim
1
5,0
4
19,0
1,888
0,343
Não
19
95,0
17
81,0
Necessidade de revisão cirúrgica
Sim
1
5,0
7
33,3
5,236
*0,045
Não
19
95,0
14
66,7
A variável “necessidade de revisão cirúrgica” considerou todas as causas de revisão
dentro da nossa coorte, ou seja, não apenas complicações relacionadas à ferida, mas
também quaisquer outras condições que exigissem um novo procedimento cirúrgico. Neste
cenário específico, o grupo VAC (5,0%) apresentou menor necessidade de revisão cirúrgica
em comparação ao não-VAC (33,3%), sendo essa diferença estatisticamente significativa
(p = 0,045), como pode ser visto na [Tabela 4 ].
As análises da quimioterapia pré- e pós-operatória, radioterapia pós-operatória, níveis
de hemoglobina pré- e pós-operatória, necessidade de transfusão sanguínea, concentração
de proteínas totais pré-operatórias, glicemia pré-operatória e tempo cirúrgico também
foram realizada entre os grupos VAC e não-VAC. Em nenhum desses casos houve diferença
estatisticamente significativa ([Tabelas 5 ]
[6 ]).
Tabela 5
Grupo VAC
(N = 20)
Grupo não-VAC
(N = 21)
χ2
Valores de p
N
%
N
%
QT pré-operatória
Sim
6
30,0
8
38,1
0,299
0,585
Não
14
70,0
13
61,9
QT pós-operatória
Sim
10
50,0
11
52,4
0,023
0,879
Não
10
50,0
10
47,6
RT pós-operatória
Sim
10
50,0
7
33,3
1,172
0,279
Não
10
50,0
14
66,7
Tabela 6
Grupo VAC
(N = 20)
Grupo não-VAC
(N = 21)
t(38)
Valores de p
M
DP
M
DP
Hemoglobina pré-operatória
12,15
1,76
12,29
1,64
−0,251
0,803
Hemoglobina pós-operatória
8,64
1,37
9,27
0,99
−1,655
0,106
Concentração pré-operatória de proteínas totais
6,89
0,62
6,89
0,79
0,022
0,982
Glicemia pré-operatória
100,55
17,86
103,20
21,03
−0,429
0,670
Tempo cirúrgico (minutos)
309,00
80,05
285,00
97,47
0,851
0,400
Uma análise subsequente da coorte para estudo da relação entre todas as variáveis
avaliadas não encontrou qualquer associação entre o diagnóstico de ISC e subtipo de
tumor, a localização anatômica, a presença de fratura patológica, o tipo de reconstrução,
a presença ou não de megaprótese cimentada, ou a qualidade da ressecção. No entanto,
a presença de deiscência da ferida e extravasamento persistente de fluido apresentou
uma clara correlação positiva com o diagnóstico de infecção (p ≤ 0,05), como mostrado na [Tabela 7 ].
Tabela 7
Diagnóstico de ISC
F
Valor de p
Sim
(N = 5)
Não
(N = 36)
N
%
N
%
Deiscência da ferida
Sim
3
60
0
0
23,305
*0,001
Não
2
40
36
100
Extravasamento persistente de fluido
Sim
3
60
0
0
23,305
*0,001
Não
2
40
36
100
Mais uma vez, o estudo da relação entre as variáveis e a necessidade de revisão cirúrgica
mostrou como a ocorrência de complicações, como infecção aguda, afrouxamento asséptico
crônico e recidiva local, juntamente com a presença de deiscência de ferida ou extravasamento
persistente de fluido, são indicativos da necessidade de novo procedimento cirúrgico.
([Tabela 8 ]).
Tabela 8
Necessidade de revisão cirúrgica
F
Valor de p
Sim
(N = 8)
Não
(N = 33)
N
%
N
%
Complicações
Não
1
12,5
31
93,9
28,524
*0,000
Infecção aguda
5
62,5
0
0,0
Afrouxamento asséptico agudo
0
0,0
1
3,0
Afrouxamento asséptico crônico
1
12,5
0
0,0
Falência mecânica do implante
0
0,0
1
3,0
Recidiva óssea local
1
12,5
0
0,0
Deiscência da ferida
Sim
3
37,5
0
0,0
13,352
*0,005
Não
5
62,5
33
100,0
Extravasamento persistente de fluido
Sim
3
37,5
0
0,0
13,352
*0,005
Não
5
62,5
33
100,0
Discussão
Há evidências crescentes das vantagens do uso de ciNPWT em artroplastias de quadril
e joelho para minimizar as complicações relacionadas à ferida. Essas vantagens parecem
mais claras nas artroplastias de revisão e em pacientes de alto risco em comparação
às artroplastias de quadril ou joelho.[20 ]
[21 ]
[22 ]
[23 ] Consequentemente, há um aumento no uso de ciNPWT em tais cenários clínicos, embora
curativos convencionais ainda sejam o procedimento padrão.
Na cirurgia de tumor ósseo, as evidências quanto ao possível papel da ciNPWT são menos
claras. Uma análise secundária recente do estudo clínico randomizado PARITY avaliou
o impacto do uso de dreno e da terapia de pressão negativa na ferida como fatores
preditivos de ISC.[24 ] A conclusão destacou que nem o uso de drenos pós-operatórios nem o uso de terapia
de pressão negativa na ferida foram fatores preditivos de ISC. Batista et al.[25 ] publicaram um estudo recente sobre pacientes com tumores ósseos malignos submetidos
à ressecção cirúrgica, reconstrução com megaprótese e uso de ciNPWT. Esses autores
observaram tanto menores taxas de ISC quanto ausência de outras complicações, como
deiscências e coleções fluidas.[25 ]
Neste estudo, observamos um número maior de complicações gerais, deiscência da ferida,
extravasamento persistente de fluido e ISC no grupo não-VAC; no entanto, a diferença
em relação ao grupo VAC não foi estatisticamente significativa. Quanto à necessidade
de revisão cirúrgica, observamos diferenças estatisticamente significativas entre
os grupos, mas esses achados só foram possíveis devido a complicações não relacionadas
à ferida relatadas no grupo não-VAC, que incluiu pacientes tratados antes de 2018,
com um acompanhamento maior e necessariamente maior oportunidade de desenvolvimento
de complicações mecânicas. Também observamos uma relação entre o diagnóstico de ISC
e a presença de deiscência da ferida ou extravasamento persistente de fluido dentro
da coorte geral. O mesmo foi notado na necessidade de revisão cirúrgica, que pode
ser consequência de deiscência da ferida, extravasamento persistente de fluido ou
ISCs.
Apesar da ausência de superioridade estatística em relação à minimização de complicações
relacionadas à ferida neste estudo nos casos com ciNPWT, ainda encontramos uma tendência
favorável a melhores resultados com esta estratégia: ISC de 5% no grupo VAC e 19%
no não-VAC. Esta tendência reforça nossa crença nas vantagens dessa técnica para pacientes
com tumores ósseos, apesar de nossa coorte ter tamanho limitado e haver necessidade
de um número maior de pacientes para aumento do poder estatístico. Além disso, os
resultados relatados do uso de ciNPWT em trauma ortopédico e artroplastia de revisão
apontam que esta técnica é um adjuvante valioso para reduzir o risco de ISC, deiscência
ou formação de seroma.[26 ]
[27 ]
Os procedimentos cirúrgicos oncológicos musculoesqueléticos são particularmente propensos
a complicações infecciosas devido à necessidade de dissecções bastante amplas, reconstruções
complexas de ossos e tecidos moles, perda significativa de sangue e tempos cirúrgicos
prolongados.[28 ] Até hoje, a pedra angular para minimizar a taxa de infecções pós-operatórias é a
profilaxia antibiótica perioperatória, apesar de parecer insuficiente dado o alto
número de infecções após ressecções tumorais e cirurgias reconstrutivas.[15 ]
Ademais, ainda não há consenso quanto à profilaxia antibiótica após a ressecção e
a reconstrução tumoral com megapróteses; o estudo clínico randomizado PARITY não conseguiu
comprovar diferenças entre a taxa de ISC com diferentes regimes antibióticos.[14 ] Apesar dessa lacuna no conhecimento, ainda há poucos estudos explorando opções para
melhorar as taxas de infecção pós-cirúrgica em oncologia musculoesquelética. Enquanto
a ciNPWT é uma opção promissora, o número de estudos com comparação de resultados
ainda é muito limitado. Aqui, falhamos em provar com significância estatística a vantagem
dessa técnica em minimizar complicações relacionadas à ferida e, em particular, ISCs.
No entanto, observamos como a presença de deiscência da ferida e extravasamento persistente
de fluido se correlacionam com a infecção e como esses três parâmetros indicam a necessidade
de realização de um novo procedimento cirúrgico.
Os autores reconhecem que este estudo apresenta algumas limitações, como sua natureza
retrospectiva, o baixo número de pacientes incluídos e certa heterogeneidade quanto
aos tipos de malignidade que acometem o osso, podendo gerar um viés relevante na interpretação
dos resultados. É de suma importância promover estudos prospectivos multicêntricos
capazes de gerar evidências mais robustas em uma população maior. Nosso grupo de trabalho
está buscando esse objetivo e, com o tempo, esperamos esclarecer melhor o papel da
ciNPWT na cirurgia de tumor ósseo maligno.
Complicações relacionadas a feridas e ISCs em particular têm um possível impacto catastrófico
em pacientes com megapróteses após ressecções de tumores ósseos. Como tal, medidas
que possam reduzir essas taxas de complicações são urgentemente necessárias e todas
as oportunidades para melhorar os resultados devem ser consideradas. A ciNPWT mostrou
um potencial relevante em diferentes cenários, inclusive na cirurgia oncológica musculoesquelética.[29 ]
[30 ]
[31 ] Em nossa opinião, os achados aqui apresentados ainda favorecem esta estratégia como
adjuvante na prevenção de complicações e infecções relacionadas à ferida após a ressecção
e reconstrução de tumores ósseos do fêmur proximal e distal com megapróteses.
Conclusão
Apesar da redução na deiscência da ferida, extravasamento persistente da ferida e
ISCs com o uso de ciNPWT, há uma falta de significância estatística nas diferenças
observadas. No entanto, parece claro que a presença de deiscência da ferida e extravasamento
persistente da ferida é bem correlacionada a ISCs, enquanto a deiscência da ferida,
o extravasamento persistente da ferida e a ISC são bem correlacionadas à necessidade
de revisão cirúrgica.
Estudos prospectivos, multicêntricos e randomizados são necessários para esclarecer
o papel da ciNPWT no tratamento desses pacientes, assim como para medir seu impacto
na prevenção de complicações relacionadas à ferida.
Bibliographical Record Joaquim Soares do Brito, Rodrigo Cardoso, Rodrigo Goes, André Spranger, Paulo Almeida,
José Portela. Terapia de pressão negativa com a ferida encerrada em reconstruções
do fémur proximal e distal com megapróteses após ressecções de tumores ósseos. Rev
Bras Ortop (Sao Paulo) 2025; 60: s00451802965. DOI: 10.1055/s-0045-1802965