Palavras-chave
fissura palatina - fístula - fístula bucal - palato duro - palato mole
Introdução
Fístula oronasal (FON) é uma complicação que todos os cirurgiões buscam evitar devido
à sua complexidade e à necessidade de reoperações em palatos previamente operados,
além de suas implicações no desenvolvimento facial e na fala. A FON é definida como
a falha no processo de cicatrização após a primeira cirurgia de reparo do palato,
o que resulta em uma abertura patente entre as cavidades oral e nasal.
A incidência de FON varia amplamente na literatura, de 3 a 46%.[1]
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[3]
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[24]
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[27]
[28] Em uma revisão recente,[29] a incidência foi relatada entre 6,4 e 8,6%. A classificação de Pittsburgh[30] é utilizada para categorizar a localização da FON em sete tipos: I) úvula; II) palato
mole; III) junção dos palatos mole e duro; IV) palato duro; V) junção dos palatos
primário e secundário; VI) alveolar lingual; e VII) alveolar labial. Uma meta-análise[6] com incidência de FON de 6,9% demonstrou a ocorrência de fístulas segundo a classificação
de Pittsburgh: tipo I – 0%; tipo II –15,7%; tipo III – 50%; e tipo IV – 32,6%.
Apesar de haver diversas técnicas cirúrgicas disponíveis para a palatoplastia, a literatura
ainda carece de consenso sobre a abordagem ideal para prevenir a formação de FON.
Uma meta-análise[31] indicou que não há diferença estatisticamente significativa entre as técnicas de
palatoplastia e a incidência de FON. As técnicas mais utilizadas apresentam as seguintes
taxas de fístula: furlow – 6,6%; duplo retalho – 5,1%; Wardill Kilner – 12,5%; von
Langenbeck – 11,5%; Sommerland – 14,3%; outras – 6,7%.
Embora muitos estudos destaquem a experiência do cirurgião como um fator associado
à menor incidência de FON, outros não encontram significância estatística.[3]
[32] O tipo de fissura palatina está associado à incidência de FON.[19] De acordo com a classificação de Veau, observa-se que, quanto maior o grau, maior
o risco de FON,[9] com aumento de 2,64 vezes no índice de FON correspondente ao aumento na classificação
de Veau. Há consenso na literatura[25]
[31]
[33]
[34]
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[36]
[37]
[38]
[39] quanto a três aspectos importantes: a tensão da sutura como fator principal para
a formação de FON, a relação entre a largura da fissura e a quantidade de tecido palatino
disponível para reconstrução, e que dissecções palatinas mais agressivas e incisões
relaxantes laterais podem reduzir a tensão da sutura, o que diminui a incidência de
FON.
Objetivo
Este estudo tem como objetivo avaliar uma tática cirúrgica para reduzir a incidência
de FON, especialmente na zona III de Pittsburgh, onde a incidência é mais pronunciada.
Materiais e Métodos
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Santa Izabel, em Salvador,
Bahia, onde foi realizado. Trata-se de um estudo retrospectivo que envolveu 142 pacientes
consecutivos submetidos à palatoplastia primária entre janeiro de 2018 e junho de
2024, período no qual a nova tática cirúrgica foi introduzida. Todos os pacientes
com fissura palatina e labial sem cirurgia prévia no palato foram incluídos, independentemente
de apresentarem comorbidades ou síndromes associadas.
Os pacientes foram estratificados de acordo com o tipo de fissura segundo a classificação
de Veau, sexo, idade no momento da cirurgia e largura da fissura, medida por meio
de fotografias pré-operatórias; calculamos também a razão a/b da largura, em que “a”
é a largura da fissura e “b” é a largura do forame da artéria palatina maior. A incidência
de fístula foi avaliada segundo a classificação de Pittsburgh. Todos os pacientes
foram operados pelo mesmo cirurgião, que utilizou a técnica de dois retalhos para
a palatoplastia,[40] e os pacientes foram avaliados 30 dias após a cirurgia.
A nova tática cirúrgica foi projetada para reduzir a tensão na sutura na zona III
de Pittsburgh, onde ocorrem 50% das fístulas. A zona III é uma área de transição entre
os palatos duro e mole, com tecidos finos geralmente suturados em dois planos: um
na mucosa nasal e outro na mucosa oral. O método proposto introduz um terceiro plano
de sutura no periósteo, tecido mais resistente à tração, com um ou dois pontos em
“U” utilizando Vicryl 4.0 ([Figs. 1]
[2]
[3]).
Fig. 1 Marcada com azul de metileno, a porção distal do palato após o descolamento do retalho
mucoperiosteal. Ao retornar o retalho à sua posição, a porção distal do periósteo
é marcada, e indica onde a sutura da terceira camada deve ser realizada.
Fig. 2 Marcada com azul de metileno, a porção distal do palato contralateral após o descolamento
do retalho mucoperiosteal. Ao reposicionar o retalho, a porção distal do periósteo
é marcada, e indica onde a sutura da terceira camada deve ser realizada.
Fig. 3 Realização da sutura no periósteo previamente marcado com azul de metileno.
A palatoplastia foi realizada sob anestesia geral, utilizando a técnica de dois retalhos
mucoperiosteais com veloplastia intravelar, seguindo os princípios de Sommerland[41] e com incisões relaxantes laterais. A sutura foi aplicada à mucosa nasal e à musculatura,
com introdução do terceiro plano de sutura na zona de transição, utilizando um a dois
pontos em “U” no plano do periósteo na porção distal do retalho mucoperiosteal. O
fechamento da mucosa oral foi então realizado, e material hemostático foi colocado
nas áreas cruentas. Os pacientes foram mantidos em dieta líquida por 7 dias, sem restrição
de movimento das mãos e braços.
Resultados
Dos 142 pacientes, 59 eram do sexo feminino e 83, do sexo masculino. De acordo com
a classificação de Veau, os resultados foram: tipo I – 7,04%; tipo II – 8,42%; tipo
III – 61,26%; e tipo IV – 23,23%. A maioria dos pacientes (73,23%) foi operada com
menos de 24 meses de idade, ao passo que 15,49% foram operados entre 24 e 47 meses,
e 11,26% tinham mais de 48 meses. A razão de largura da fissura foi < 0,40 em 83,09%
dos pacientes e > 0,40 em 16,09%.
Tabela 1
Classificação de Veau
|
Sexo
|
Idade à cirurgia (meses)
|
Razão da largura fenda
|
Masculino
|
Feminino
|
< 24
|
24–48
|
> 40
|
< 40
|
≥ 40
|
Tipo I (n)
|
10
|
6
|
4
|
10
|
0
|
0
|
10
|
0
|
Tipo II (n)
|
12
|
7
|
5
|
6
|
5
|
1
|
9
|
3
|
Tipo III (n)
|
87
|
55
|
32
|
67
|
11
|
9
|
80
|
7
|
Tipo IV (n)
|
33
|
20
|
13
|
21
|
6
|
6
|
19
|
14
|
A incidência total de FON foi de 1,4%, observada em 2 pacientes, classificados com
Veau tipo IV, que tinham menos de 24 meses de idade, apresentavam uma razão de largura
da fissura maior que 0,40, e as fístulas estavam na zona II.
Uma análise adicional revelou que um dos pacientes apresentava um distúrbio comportamental
com movimentos repetitivos mão-boca, conforme relatado pela mãe. No segundo caso,
foi observada uma fossa velopalatina nas fotos pré-operatórias, e uma dissecção inadequada
contribuiu para a formação da fístula pelo cirurgião ([Figs. 4]
[5]
[6]
[7]
[8]
[9]
[10]
[11]).
Fig. 4 Paciente de grau II de Veau: razão ≥ 40, pré-operatório.
Fig. 5 Paciente de grau II de Veau: razão ≥ 40, pós-operatório.
Fig. 6 Paciente de grau III de Veau: razão ≥ 40 , pré-operatório.
Fig. 7 Paciente de grau III de Veau: razão ≥ 40 , pós-operatório.
Fig. 8 Paciente de grau II de Veau: razão ≥ 40 , pré-operatório.
Fig. 9 Paciente de grau II de Veau; razão ≥ 40 , transoperatório. Observam-se a área de
maior tensão dos retalhos, e a realização do terceiro plano de sutura.
Fig. 10 Paciente de grau II de Veau: razão ≥ 40, trans operatório, com a realização de 2
pontos em “U” na porção distal do periósteo e sutura da mucosa oral.
Fig. 11 Paciente de grau II de Veau: razão maior do que 40, pós-operatório.
Discussão
A prevenção eficaz da FON ainda é um objetivo crucial na prática da palatoplastia.
O fechamento da FON geralmente resulta em mais cicatrização na região do palato e
nas áreas adjacentes, além de submeter o paciente a procedimentos cirúrgicos adicionais.
Independentemente da técnica cirúrgica utilizada para o fechamento do palato fissurado,
a incidência de FON persiste. Alguns estudos sugerem que a experiência do cirurgião
está associada a menores taxas de FON, ao passo que outros não encontram diferença
estatística.
A distribuição de sexo e idade dos pacientes submetidos à cirurgia permanece consistente
com as de outros estudos publicados. Com relação às causas de formação da FON, o tipo
de fissura é um fator significativo, com risco aumentado de acordo com a classificação
de Veau. O tamanho da fissura e a quantidade de tecido disponível para o fechamento
estão diretamente relacionados à tensão na sutura, que se torna um importante preditor
para a FON. As incisões relaxantes laterais são essenciais para reduzir a tensão.
Embora 16,09% dos pacientes deste estudo apresentassem uma medição alta da largura
da fissura, a introdução do terceiro plano de sutura resultou em baixas taxas de FON,
demonstrando sua eficácia.
A zona III de Pittsburgh, localizada na junção entre os palatos duro e mole, apresenta
a maior taxa de FON devido à alta tensão da sutura e aos tecidos finos. A introdução
do terceiro plano de sutura no periósteo na zona III representou uma tentativa inovadora
de minimizar a tensão nos retalhos mucoperiosteais, considerada um fator crítico na
falha de cicatrização. A distribuição da força de tensão da sutura por uma maior quantidade
de tecido periostal pode ter contribuído para a redução significativa da incidência
de FON observada neste estudo.
Os casos de fístula na Zona II foram analisados, e identificou-se um distúrbio comportamental
em um dos casos, com diagnóstico de autismo leve e relatos maternos de movimentos
repetitivos mão-boca. No segundo caso, uma fossa velopalatina foi notada nas fotos
pré-operatórias, o que indicava dissecção inadequada como causa da fístula. É crucial
analisar individualmente os casos de FON para entender os fatores contribuintes e
aprimorar a abordagem cirúrgica para reduzir sua incidência.
Conclusão
A tática cirúrgica introduzida apresentou resultados importantes na redução da incidência
de FON em pacientes submetidos à palatoplastia primária. Embora os resultados sejam
encorajadores, estudos prospectivos adicionais são necessários para validar esses
achados. A implementação de estratégias cirúrgicas e a análise de fatores individuais
que contribuem para a formação de FON são essenciais para melhorar ainda mais os resultados
cirúrgicos.
Bibliographical Record
Géza Lászlo Urményi, Elizabeth Castineira Fernandes, Lucas Gábor Urményi. Avaliação
de uma tática cirúrgica na prevenção de fístula oronasal durante a palatoplastia em
pacientes fissurados. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal
of Plastic Surgery 2025; 40: s00451807281.
DOI: 10.1055/s-0045-1807281