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DOI: 10.1055/s-0045-1809548
Retalho perfurante da artéria pudenda interna para reconstrução de ferida complexa perineal pós-traumática – Relato de caso
Article in several languages: português | EnglishFonte de Financiamento
Os autores declaram que não receberam financiamento para este estudo.
Ensaio Clínico
Não.
Resumo
A reconstrução perineal é um tema amplamente discutido na literatura médica devido aos desafios significativos encontrados em ressecções tumorais na região perineal, como neoplasias vulvovaginais e anorretais. Embora a reconstrução após traumas perineais seja menos abordada, este caso ressalta a complexidade e a alta mortalidade associadas a lesões perineais, frequentemente ligadas a outros traumas. Com a pelve representando um desafio para a cirurgia reconstrutiva, a abordagem varia de enxertos de pele a grandes retalhos, dependendo da extensão da lesão. Este relato destaca a importância da escolha da técnica cirúrgica adequada para garantir a cobertura eficaz do defeito na área afetada.
Palavras-chave
ferimentos e lesões - períneo - relatos de casos - retalho perfurante - retalhos cirúrgicosIntrodução
A reconstrução perineal tem sido amplamente discutida na literatura, com excelentes opções de técnicas cirúrgicas, principalmente decorrente dos desafios após ressecções tumorais desta região, como neoplasias vulvovaginais e anorretais. Entretanto, quando se trata da reconstrução perineal secundária ao trauma do períneo, as evidências são mais escassas.[1]
É notória a baixa incidência de traumas com significativa perda tecidual na região do períneo, devido à proteção anatômica pelos membros inferiores e à baixa exposição aos mecanismos de trauma mais comuns. A epidemiologia do trauma perineal isolado não é totalmente conhecida, embora estime-se que cerca de 0,1% a 3,3% dos traumas correspondam às lesões perineais.[2] [3]
Pela associação frequente com outras lesões, o trauma perineal apresenta certa complexidade e está associado a alta morbimortalidade, podendo englobar traumas urogenitais, colorretais e instabilidade hemodinâmica secundária a lesão de grandes vasos ou da pelve.[2] A pelve configura um desafio para a cirurgia reconstrutiva, visto que os defeitos tegumentares nessa área geralmente exigem grandes retalhos para sua reestruturação e cobertura.[1] [3]
Apesar de não haver consenso estabelecido sobre a melhor forma de reconstrução perineal, a literatura abrange diversas alternativas técnicas, desde enxertos de pele a retalhos extensos, cujas indicações variam conforme a extensão primária da lesão.[4]
No homem, a sutura primária ou retalhos de avanço com tecido do escroto residual são indicados quando a perda da pele escrotal é menor do que 50%, considerando o princípio base de que a escolha para a cobertura idealmente deve englobar o preenchimento de espaços mortos, promover mobilidade tecidual e ter uma boa vascularização.[4] [5] Sendo assim, em defeitos maiores devemos considerar cirurgias mais complexas para abranger os princípios ideais, visto que os retalhos para a reconstrução perineal são associados a menores taxas de deiscência. Em mulheres, os retalhos permitem o reparo da vulva e vagina, se necessário.[6]
Nesse sentido, as principais opções atualmente descritas para reconstrução perineal são os retalhos miocutâneos, como reto abdominal, grácil e glúteo máximo, e os retalhos fasciocutâneos baseados em vasos perfurantes das artérias glúteas e pudendas.
Os retalhos baseados na artéria pudenda interna podem ser dissecados de diversas formas, sendo descritos como retalhos da artéria pudenda, retalhos do sulco glúteo (“gluteal fold flaps”), retalho de Singapura, retalhos de avanço perineal e retalhos em “pétala de flor de lótus” (“lotus petal flaps”).[1] [4] [7] Retalhos com base na artéria pudenda externa também são uma boa opção para a cobertura de lesões perineais, sendo descrito o retalho superomedial da coxa, que além da artéria pudenda externa, é baseado em ramos da artéria obturatória e da artéria circunflexa femoral medial.[5] [7]
Relato do Caso
Homem de 53 anos, vítima de trauma com maquinário agrícola, apresentou queda a cavaleiro sobre máquina de cerca, com perda tecidual, lesão perineal e extensa falha de cobertura, com ferimento descolante do púbis até o ânus, incluindo o pênis, e suspeita de trauma retal ([Fig. 1]).


Foi atendido inicialmente no pronto socorro de outra instituição e, devido à presença de lesão de reto e esfíncter anal, foi submetido à abordagem cirúrgica com colostomia em alça e inclusão dos testículos na face medial de ambas as coxas pela equipe da cirurgia geral ([Fig. 2]).


Após quatro dias, foi solicitada avaliação da equipe da Cirurgia Plástica quanto à reconstrução cirúrgica da ferida complexa perineal. Inicialmente, foram realizados curativos e desbridamentos de esfacelos para preparo do leito.
No décimo quarto dia pós-trauma, o paciente foi submetido à reconstrução do defeito perineal com retalho fasciocutâneo baseado nos ramos perfurantes da artéria pudenda interna ([Figs. 3], [4] e [5]). Os testículos, que estavam inseridos na face medial da coxa, foram liberados e unidos medialmente para simular o aspecto da bolsa escrotal. Em seguida, os retalhos foram dissecados, preservando a área ao redor da tuberosidade isquiática, de onde partem a maior parte dos vasos perfurantes que o irrigam. Além disso, foi realizado um enxerto de pele parcial para cobertura do pênis, retirado da coxa esquerda por meio de dermátomo elétrico com 0,2 mm de espessura ([Fig. 6]). A possibilidade de um retalho baseado nos ramos da artéria pudenda externa foi descartada, uma vez que estas poderiam estar danificadas devido ao procedimento cirúrgico realizado em outra instituição.








O paciente evoluiu bem nas primeiras semanas, sem intercorrências infecciosas, com retalhos viáveis, exceto por pequena área de sofrimento cutâneo distal bilateral. Após vinte dias da cirurgia e delimitação da necrose distal, foi submetido a desbridamento e ressutura com aproximação dos tecidos locais ([Fig. 7]). Atualmente, ele mantém seguimento ambulatorial e está sem queixas. Refere presença de sensibilidade local, funções urinárias e sexuais preservadas, conforme tinha anteriormente ao trauma ([Fig. 8]).




Discussão
Apesar da sua baixa incidência, traumas perineais exigem uma abordagem minuciosa e individualizada, idealmente com a presença de um cirurgião plástico.[8] A participação efetiva da Cirurgia Plástica em centros de trauma tem grande valia, principalmente frente a pacientes graves que possuem planejamento cirúrgico futuro, de modo a poupar os pedículos vasculares para posterior reconstrução.
As bases do aprendizado para tais reconstruções, na maioria das vezes, provêm da experiência bem estabelecida frente aos casos oncológicos pélvicos, que apresentam uma incidência maior no cotidiano do cirurgião plástico.[9]
A ampla gama de técnicas operatórias permite o uso de retalhos locais, sejam cutâneos, fasciocutâneos ou miocutâneos, que têm a versatilidade de promover coberturas superficiais e profundas, preencher o espaço morto quando necessário, permitindo mobilidade local e, muitas vezes, preservando a sensibilidade da região. Assim, a escolha do procedimento deve ser baseada na experiência técnica prévia de cada cirurgião e na disponibilidade dos pedículos vasculares.
Conclusão
Feridas complexas perineais demandam, muitas vezes, a associação de enxertos de pele, retalhos locais e retalhos de vizinhança. Apresentamos um caso bem sucedido de reconstrução perineal pós-traumática com enxerto de pele parcial para reconstrução do pênis e retalhos baseados nos ramos perfurantes da artéria pudenda interna para reconstrução da bolsa escrotal e períneo.
Conflito de Interesses
Os autores não têm conflito de interesses a declarar.
Contribuição do autor
Juliana Hernandes Seribeli: análise e/ou interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito, coleta de dados, conceitualização, concepção e desenho do estudo, gerenciamento do projeto, investigação, metodologia, realização das operações e/ou experimentos, redação - preparação do original, redação - revisão e edição, visualização; Gabriel Garcia Schmitt: análise e/ou interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito, coleta de dados, conceitualização, concepção e desenho do estudo, gerenciamento do projeto, investigação, metodologia, redação - preparação do original, redação - revisão e edição, visualização; Jayme Adriano Farina Junior: análise e/ou interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito, aquisição de financiamento, conceitualização, concepção e desenho do estudo, gerenciamento de recursos, gerenciamento do projeto, investigação, metodologia, realização das operações e/ou experimentos, redação - preparação do original, redação - revisão e edição, supervisão, validação, visualização; Pedro Soler Coltro: análise e/ou interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito, aquisição de financiamento, conceitualização, concepção e desenho do estudo, gerenciamento de recursos, gerenciamento do projeto, investigação, metodologia, realização das operações e/ou experimentos, redação - preparação do original, redação - revisão e edição, supervisão, validação, visualização.
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Referências
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Endereço para correspondência
Publication History
Received: 12 November 2024
Accepted: 24 March 2025
Article published online:
10 July 2025
© 2025. The Author(s). This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution 4.0 International License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/)
Thieme Revinter Publicações Ltda.
Rua Rego Freitas, 175, loja 1, República, São Paulo, SP, CEP 01220-010, Brazil
Juliana Hernandes Seribeli, Gabriel Garcia Schmitt, Jayme Adriano Farina Junior, Pedro Soler Coltro. Retalho perfurante da artéria pudenda interna para reconstrução de ferida complexa perineal pós-traumática – Relato de caso. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2025; 40: s00451809548.
DOI: 10.1055/s-0045-1809548
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