Introdução
A instabilidade na artroplastia total do quadril é uma complicação significativa e
desgastante, sendo uma das principais causas de revisão cirúrgica na atualidade.[1] Embora não exista um registro nacional de dados no Brasil, informações provenientes
de países que possuem tais bancos de dados mostram que a instabilidade é uma causa
importante de revisão. Por exemplo, o registro australiano classifica a instabilidade
como a terceira causa de revisão, representando 14,6% do total;[2] o registro dinamarquês a considera a segunda causa, com uma taxa de 17%;[3] e nos Estados Unidos, a instabilidade é apontada como a principal indicação para
revisão, com 17,3%.[4]
A incidência de luxação após a artroplastia primária do quadril varia consideravelmente
na literatura, dependendo da população estudada, com taxas que oscilam entre 0,5 e
10%.[5] Em casos de artroplastia de revisão, essa incidência pode chegar a até 30%.[6] Historicamente, nas primeiras séries de casos de Charnley, a incidência de luxação
reportada era de 4,8%;[7] no entanto, esse número vem diminuindo ao longo do tempo. Uma metanálise de van
Erp et al.,[8] que examinou a incidência de luxação de 1960 a 2020, indica que a média de luxação
pós-artroplastia total do quadril era de 3,7% entre 1960 e 1970, e diminuiu para 0,7%
entre 2010 e 2020. Essa redução provavelmente reflete os avanços técnicos e conceituais
na abordagem e prevenção da instabilidade.
Na maioria das séries de casos, observa-se que entre 60 e 70% das luxações ocorrem
nas primeiras 6 semanas após a cirurgia.[9] Após esse período, o risco cumulativo de luxação é estimado em 1% a cada 5 anos
a partir da cirurgia inicial.[7] As luxações tardias podem ocorrer devido a fatores predisponentes que se manifestam
tardiamente, como o posicionamento inadequado dos componentes, ou a novos fatores
de risco, como o desgaste do polietileno e o desenvolvimento de condições neurológicas.[7]
Fatores de Risco
Diversos fatores de risco para instabilidade estão descritos na literatura, alguns
com suporte estatístico mais robusto, enquanto outros apresentam certo grau de questionamento
quanto à sua real associação com os episódios de luxação. De maneira prática, os fatores
de risco para instabilidade podem ser classificados em três categorias: fatores relacionados
ao paciente, ao cirurgião e aos implantes.
Fatores Relacionados ao Paciente
Sexo
O sexo feminino sempre foi associado a um maior risco de instabilidade;[10] porém, revisões sistemáticas mais recentes e dados de registros nacionais têm evidenciando
que não há associação direta de episódios de luxação com o sexo do paciente.[1] Provavelmente, vieses de confusão relacionados à maior associação do sexo feminino
com diagnósticos como displasia do desenvolvimento do quadril, fraturas do colo femoral
e tamanhos de acetábulos menores – que impedem a utilização de cabeças com diâmetros
maiores – podem justificar essas discrepância entre os artigos na literatura.
Idade
Diversos estudos relatam um maior risco de luxação em pacientes de idade mais avançada,
embora não haja consenso sobre a faixa etária específica que está associada a esse
risco.[11] Esse fenômeno pode ser compreendido pela presença de várias condições relacionadas
à fisiologia do envelhecimento, como a perda de mobilidade da coluna lombossacra,
sarcopenia, maior risco de quedas e o desenvolvimento de comorbidades que afetam o
sistema neurológico. Curiosamente, alguns estudos recentes indicam que, em faixas
etárias mais jovens, especialmente antes dos 50 anos, também pode haver um aumento
do risco de luxação.[12] Esse fenômeno pode ser justificado por uma maior demanda funcional nessa faixa etária,
além da possível presença de patologias articulares mais complexas nessa população.
Doenças Neuromusculares e Insuficiência da Musculatura Abdutora
Este grupo de pacientes engloba diversas patologias que por diferentes mecanismos
podem aumentar a probabilidade de luxação por insuficiência da musculatura abdutora,
contraturas musculares, perda de mobilidade da coluna lombossacra e falta de cooperação
com movimentos de risco para luxação. Esse complexo grupo é representado em sua maioria
por pacientes com doença de Parkinson, paralisia cerebral, esclerose múltipla, sequela
de poliomielite, sequela de acidente vascular cerebral e lesados medulares, sendo
que o risco de luxação nessas situações pode chegar, em algumas séries, de 7,5 até
10,6% dos casos.[13] A insuficiência da musculatura abdutora pode ocorrer em outras situações que não
relacionadas a doenças neuromusculares mas que também podem agregar um risco de instabilidade
como em casos de revisão com pseudoartrose ou osteólise maciça do trocanter maior,
desartrodeses e desinserções tendíneas do glúteo médio extensas.[14]
Obesidade
Definido como índice de massa corpórea (IMC) acima de 30 kg/m2, a obesidade sempre foi associada com aumento no risco de luxação podendo apresentar
uma razão de risco 2,5 vezes em relação à população normal.[15] Todavia, alguns trabalhos mais recentes colocaram em dúvida essa questão uma vez
que não encontraram associação em relação ao índice de massa corpórea e os episódios
de luxação.[5]
[11] Um possível motivo para um risco maior de luxação em pacientes obesos poderia ser
o posicionamento inadequado dos componentes decorrente de dificuldades técnicas relacionadas
à via cirúrgica pelo tecido subcutâneo mais volumoso; porém, até o momento não conseguimos
realizar essa correlação de forma estatisticamente significativa.[1] Curiosamente, uma coorte retrospectiva de mais de 150 mil pacientes apresentou dados
que sugerem maior risco de luxação em pacientes com IMC menor que 20 kg/m2.[10] Raramente trabalhos avaliam de forma separada pacientes com IMC baixos na avaliação
da luxação e talvez seja um fator subestimado na literatura.
Balanço Espinopélvico
Há pouco mais de uma década, o conceito do balanço espinopélvico, que compreende a
relação da mobilidade da coluna lombossacra com o posicionamento espacial do acetábulo,
surgiu de forma crescente como mais um fator determinante na estabilidade pós artroplastia
do quadril.[16] A mudança de posicionamento da versão pélvica quando estamos sentados ou em pé protege
a prótese de se deslocar e, em pacientes que apresentam rigidez desse sistema, como
pós operatórios de artrodese da coluna lombossacra ou anquiloses como na espondilite
anquilosante, o risco pode aumentar consideravelmente.[17] Um trabalho interessante de Buckland et al.,[18] que compara pacientes submetidos à artroplastia total do quadril sem patologias
da coluna lombar a aqueles que se submeteram à artrodese, analisou a quantidade de
níveis artrodesados e demonstrou que quanto maior o número de níveis, maior o risco
de luxação. Esse risco relativo pode chegar a 2,7 vezes na presença de 3 ou mais níveis
fixados. Embora ainda não se saiba ao certo como e em que medida essa rigidez do balanço
espinopélvico deve influenciar o posicionamento habitual da prótese total do quadril,[19] esse tema representa um campo promissor para avanços científicos futuros.
Patologias Específicas
Alguns diagnósticos estão associados a maior risco de luxação, como osteonecrose da
cabeça femoral e doenças reumatológicas.[15] Segundo Yang et al.,[20] o risco de ocorrer um episódio de luxação após 1 ano de cirurgia de artroplastia
total de quadril realizada em caso de osteonecrose é 1,48 vezes maior em relação a
pacientes com diagnóstico de artrose primária. Esse dado está de acordo com outra
revisão sistemática com metanálise mais recente que encontrou um risco relativo 1,5
maior para casos de osteonecrose.[21] A displasia do desenvolvimento do quadril é um assunto complexo uma vez que apresenta
uma variabilidade de apresentações clínicas, dificuldades técnicas e abordagens diferentes
para reconstrução óssea; porém, as evidências mais recentes não demonstraram associação
com maior risco de instabilidade.[22] Todavia, segundo Komiyama et al.[23] o risco de luxação é maior quando a reconstrução acetabular é realizada 2,39 cm
ou mais acima do seu centro fisiológico.
Outro fator de risco importante são as artroplastias realizadas devido a fraturas
do colo femoral, que podem apresentar um risco até 10 vezes maior de luxação quando
comparado a cirurgias eletivas.[11]
[13] O perfil do paciente que sofre fratura do colo femoral está normalmente relacionado
ao conceito de idoso frágil que acaba por reunir diversos fatores de risco mencionados
previamente, como idade avançada, alterações neurológicas/cognitivas, fraqueza da
musculatura abdutora e rigidez da coluna lombossacra. Nesse contexto é comum o cirurgião
optar por utilizar implantes que tenham menor risco de luxação como próteses constritas,
de dupla mobilidade ou até mesmo as hemiartroplastias.
Fatores Relacionados ao Cirurgião
Via Cirúrgica
Historicamente, a via posterolateral sempre foi associada com um risco aumentado de
luxação, provavelmente devido ao fato de ser a única via clássica que expõe a articulação
através da abertura da cápsula posterior. Entretanto, trabalhos mais recentes que
avaliam o risco de luxação da via posterior com a realização do reparo capsular apresentam
incidência similar de instabilidade.[24] Segundo a revisão sistemática realizada por Kwon et al.,[25] o risco relativo de luxação no acesso posterolateral sem reparo poderia chegar a
ser 8,2 vezes maior dependendo da série de caso avaliada; porém, ao comparar a abordagem
posterolateral com reparo à abordagem anterior direta e à abordagem lateral, não se
observa diferença estatística significativa. Essa conclusão é corroborada por metanálises
mais recentes que avaliam as diferentes abordagens cirúrgicas.[26] Existe uma tendência atual à implementação e ao desenvolvimento de vias que tentam
poupar mais os músculos e tendões, como a via anterior direta e, mais recentemente,
as abordagens Supercapsular Percutaneously-Assisted Total Hip (SuperPATH) e a Save
the Piriformis And obturator Internus, Repair Externus (SPAIRE),[27] mas não existe evidência relevante que demonstre superioridade de estabilidade nesses
acessos.[28]
Posicionamento dos Componentes
Classicamente a zona de segurança descrita por Lewinnek é o parâmetro mais amplamente
difundido quando se estuda o posicionamento dos componentes sugerindo uma inclinação
acetabular de 40 ± 10° e anteversão de 15 ± 10°.[29] Entretanto, existem muitas críticas a respeito desses parâmetros, uma vez que o
artigo apresenta diversos vieses e também devido a muitos trabalhos posteriores não
conseguirem demonstrar uma reprodutibilidade estatística dos achados de Lewinnek.[30] Outro conceito famoso é o da anteversão combinada apresentada através do teste de
Ranawat descrito em 1994,[31] que consiste na soma das versões do fêmur e do acetábulo, sendo que Dorr et al.[32] definiram, através de um amplo estudo utilizando navegação, que a zona de segurança
da anteversão combinada estaria entre 25 e 50°. Mesmo respeitando todos esses parâmetros,
as luxações ainda podem ocorrer, tanto que alguns autores afirmam que não se pode
definir uma zona de segurança para o posicionamento dos componentes.[5] A instabilidade é multifatorial e muitas vezes é complexo conseguir isolar de forma
efetiva os diversos fatores de risco que podem levar à luxação, incluindo variações
anatômicas individuais. Talvez com avanços tecnológicos relacionados a tomografias
em três dimensões e análises biomecânicas que levem em consideração o balanço sagital
e variações individuais poderemos definir o posicionamento ideal de forma personalizada
para cada paciente no futuro.
Restabelecimento da Anatomia
A reconstrução dos parâmetros anatômicos fisiológicos de offset, comprimento e centro de rotação do quadril é imperativa para um bom funcionamento
biomecânico da prótese e, consequentemente, evitar os impactos entre os componentes
protéticos e estruturas ósseas do paciente que levam à luxação. Para isso, é fundamental
que seja realizado um planejamento cirúrgico minucioso com a escolha de implantes
que permitam o restabelecimento da anatomia fisiológica do paciente. Atualmente estamos
vivenciando uma transição entre o planejamento em radiografias impressas e o planejamento
digital. Existem diversas dificuldades neste processo adaptativo, mas com o tempo
a tecnologia está se aperfeiçoando e cada vez mais o planejamento digital será mais
preciso.[33]
Fatores Relacionados ao Implante
Tamanho da Cabeça Femoral
O tamanho da cabeça femoral é um fator bastante abordado na literatura, uma vez que
o diâmetro da cabeça influência na amplitude de movimento e na jumping distance.[34] A maioria dos estudos demonstra que cabeças femorais menores ou iguais a 28 mm são
fatores de risco para luxação, enquanto que cabeças iguais ou maiores a 32 mm são
fatores de proteção.[35] Todavia existem questionamentos se haveria real benefício em utilizar cabeças maiores
do que 36 mm devido a questões relacionadas ao desgaste volumétrico do polietileno,
risco de fratura do inserto acetabular, impacto da cabeça em partes moles que pode
causar dor inguinal, além de preocupações como a truniose e reação tecidual adversa
local.
Insertos Acetabulares com Rebordo Elevado
A utilização de insertos de polietileno com rebordo elevado pode ser um fator de proteção
em casos de maior risco de luxação, aumentando a distância que a cabeça femoral necessita
percorrer para desacoplar do componente acetabular.[6] Apesar de haver alguma preocupação com a possibilidade de impacto do componente
femoral contra a o rebordo elevado do polietileno que poderia causar um aumento paradoxal
da luxação e risco de soltura precoce, revisões sistemáticas e estudos de coorte não
evidenciaram complicações associadas a estes implantes.[36]
Tribologia
O desgaste do componente acetabular de polietileno está associado com episódios de
luxação tardia, principalmente após 5 anos da cirurgia inicial,[7] uma vez que a frouxidão ligamentar ocasionada pela ascensão da cabeça no rebordo
desgastado e a microinstabilidade local poderia levar à luxação.[13] Dessa forma foi sugerido por alguns autores a utilização do par tribológico de cerâmica/cerâmica
como alternativa para evitar a luxação tardia. Entretanto, com o avanço do polietileno
reticulado, o desgaste a longo prazo se tornou menor e não influencia mais o risco
cumulativo, como é possível observar em registros de dados nacionais.[37]
Acetábulos Constritos
Os acetábulos constritos englobam uma variedade de implantes que compartilham um mecanismo
de travamento da cabeça femoral no inserto de polietileno. A literatura apresenta
uma controvérsia considerável quanto ao seu uso: algumas séries relatam excelentes
resultados, com taxas de falha entre 1,8 e 2,4% em um tempo de seguimento médio de
4 a 5 anos, especialmente em pacientes de alto risco de instabilidade.[38]
[39] Por outro lado, outras investigações sugerem que esses implantes devem ser utilizados
apenas como procedimentos de salvamento, apresentando taxas de falha que variam de
10 a 23%.[40]
[41]
A principal preocupação relaciona-se à limitação da amplitude de movimento dentro
de valores fisiológicos, que pode gerar estresse excessivo na interface implante/osso
ou entre o componente femoral e o mecanismo de travamento. Isso pode resultar em soltura
precoce, desgaste acelerado do polietileno ou falha do mecanismo de constrição com
consequente falha do implante.[40] É importante ressaltar que existem diversos designs de implantes com diferentes
mecanismos de travamento, e cada um deles terá desfechos distintos.[42] Implantes que restringem menos a amplitude de movimento geralmente apresentam resultados
mais positivos, como é o caso dos implantes tripolares,[43] bem como dos implantes que possuem reentrâncias nas áreas mais comuns de impacto,
que visam reduzir a restrição do movimento.[44]
Acetábulos de Dupla Mobilidade
O conceito da prótese de dupla mobilidade não é recente, sendo desenvolvido por Bousquet
et al.[45] em 1973 na França. Todavia, decorrente de complicações relacionadas ao desgaste
precoce do polietileno e da alta incidência de luxação intraprotética dos primeiros
dispositivos,[46] a literatura sobre a dupla mobilidade só veio a ganhar destaque de forma difusa
a partir de 2009, quando foi liberada pela Food and Drug Administration (FDA) nos
Estados Unidos.[47] Com avanças tecnológicos no design dos implantes (atualmente estamos na terceira
geração) e com o advento do polietileno reticulado, essas complicações diminuíram
de forma substancial sendo que a metanálise mais recente que avalia próteses primárias
eletivas demonstra uma sobrevida para qualquer causa de revisão de 99,7% em 5 anos
e 96,1% em 15 anos.[48] Quando comparado com os acetábulos constritos, há uma tendência na literatura de
favorecer a dupla mobilidade como é demonstrado por outra revisão sistemática com
metanálise de Donovan et al.,[49] que evidencia uma falha para luxação de 3% para a dupla mobilidade versus a 9% para
constrita, uma taxa de revisão por instabilidade de 2% versus 9% e uma taxa de revisão
por qualquer causa de 8% versus 19%. Contudo, ainda existe uma preocupação com a sobrevida
a longo prazo e falha em casos especiais como na insuficiência grave do mecanismo
abdutor.[50]
Navegação e Robótica
A navegação cirúrgica na artroplastia total do quadril foi introduzida em 1998 por
Jaramaz et al.[51] e consiste em um sistema no qual a posição espacial do paciente (baseado em referências
anatômicas fornecidas pelo cirurgião no intraoperatório) é digitalmente capturada
e processada por um software especializado que fornece ao cirurgião informações visuais,
gráficas ou numéricas em tempo real sobre as etapas do procedimento, ampliando o controle
e a precisão do posicionamento dos componentes.[52] Apesar dos trabalhos se mostrarem promissores em relação à precisão do posicionamento
acetabular, a literatura falhou em demonstrar evidência de melhora no desfecho clínico
desses pacientes,[53] fazendo com que a técnica não se difundisse. Mais recentemente, a robótica associou
o conceito de navegação à utilização de braços robóticos que assistem o cirurgião
no posicionamento dos componentes e no restabelecimento da anatomia prévia. Apesar
dos trabalhos evidenciarem maior precisão em posicionar os componentes na zona de
segurança na cirurgia robótica assistida (97%) quando comparada com a navegação (84%)
e métodos manuais (74%),[54] questões a respeito do custo benefício dessa técnica, levando em consideração o
valor do robô e o custo operacional, colocam em dúvida a vantagem de se adotar de
forma sistemática essa técnica.[55] Todavia, trabalhos recentes estão cada vez mais demonstrando diminuição na incidência
de luxação com o auxílio de cirurgia robótica, principalmente em casos complexos com
disfunção do balanço espinopélvico.[56] O futuro é bastante promissor a respeito de técnicas robóticas, principalmente no
cenário atual do desenvolvimento de tecnologias de inteligência artificial.
Tratamento Cirúrgico
A revisão da artroplastia está indicada em casos de luxação recorrente. Apesar de
não existir um número definido de episódios de luxação que indique de forma absoluta
uma intervenção cirúrgica, luxações tardias ou casos em que existe mal posicionamento
dos componentes estão mais associados à recorrência e devem ter um limiar menor para
indicação da revisão.
A conduta cirúrgica nesses casos está diretamente relacionada com a causa da instabilidade.
Dessa forma, é fundamental uma análise criteriosa de todos os fatores de riscos apresentados
pelo paciente, entendendo que muitas vezes a causa é multifatorial. Para nos auxiliar
na tomada de decisão de forma prática, podemos utilizar a classificação descrita por
Wera et al.,[58] que classifica as instabilidades em 6 tipos ([Tabela 1]) e as orientações de manejo dessas instabilidades apresentadas por Sheth et al.[59]
Tabela 1
Classificação etiológica da instabilidade[58]
|
Tipo I
|
Posicionamento inadequado do componente acetabular
|
|
Tipo II
|
Posicionamento inadequado do componente femoral
|
|
Tipo III
|
Insuficiência da musculatura abdutora
|
|
Tipo IV
|
Impacto ósseo ou partes moles
|
|
Tipo V
|
Desgaste assimétrico do polietileno
|
|
Tipo VI
|
Sem causa identificável
|
Nas instabilidades tipo I (mal posicionamento do componente acetabular) e II (mal
posicionamento do componente femoral), está indicada a revisão do componente em questão
com otimização do restabelecimento dos parâmetros anatômicos. A avaliação do posicionamento
dos componentes pode ser feita através de radiografias convencionais com incidências
variadas; porém, a utilização da tomografia computadorizada auxilia de forma mais
precisa a entender esses erros de posicionamento.[53]
Na instabilidade do tipo III, ne qual existe uma insuficiência da musculatura abdutora,
a revisão com uso de acetábulos constritos está indicada.[59] A utilização de acetábulos de dupla mobilidade nesse cenário de insuficiência importante
do mecanismo abdutor tem se mostrado inconsistente.[50] Se possível deve-se minimizar a insuficiência do complexo abdutor realizando, por
exemplo, reparando desinserções tendíneas dos glúteos médio e mínimo e estabilizando
pseudoartroses do trocanter maior. Técnicas que envolvem transferências musculares,
reconstruções com aloenxerto e osteotomias trocantéricas de distalização são descritas
na literatura relacionadas à melhora nos padrões funcionais, mas sem clareza se apresentam
algum impacto no tratamento da instabilidade.[14]
Na instabilidade tipo IV a luxação ocorre por algum impacto que limita a amplitude
do arco de movimento, podendo ser ósseo ou relacionado a contratura de partes moles
periarticulares que não estão bem balanceadas.[59] É fundamental a identificação da causa do impacto e sua remoção. A utilização de
implantes que aumentem a amplitude de movimento, como cabeças de grandes diâmetros
ou acetábulos de dupla mobilidade, é desejável nesses casos.
Na instabilidade tipo V, a causa é um desgaste assimétrico do inserto de polietileno,
que deve ser revisado. Se possível, a utilização de cabeças grandes com polietileno
altamente reticulado é desejável para minimizar a recorrência da instabilidade. Em
componentes fixos nos quais não existe a possibilidade de troca modular do inserto
de polietileno por questões relacionadas à disponibilidade do implante, é possível
realizar a cimentação dentro de uma cúpula de metal fixa com resultados promissores.[60]
Na instabilidade tipo VI, não existe causa aparente modificável para justificar os
episódios de luxação e o tratamento sugerido é a revisão com utilização de acetábulos
constritos.