Palavras-chave
microcirurgia - neoplasias de cabeça e pescoço - reconstrução mandibular - retalhos
cirúrgicos - retalhos de tecido biológico
Introdução
A reconstrução de grandes defeitos loco-regionais decorrentes de margens oncológicas
em ressecções de cabeça e pescoço é de extrema importância. O procedimento minimiza
morbidade, preserva a função dos órgãos (como fonação e deglutição), protege estruturas
vitais, confere aparência estética adequada e melhora a qualidade de vida.
O uso do retalho do músculo peitoral maior foi descrito por Ariyana pela primeira
vez em 1979, para reconstrução de cabeça e pescoço. Desde então, houve grandes avanços.
Embora o primeiro retalho microvascular tenha sido realizado em 1959 por Steinberg,
a técnica se popularizou somente em 1970 e, a partir da década de 1990, apresentou
desenvolvimento rápido e progressivo, incluindo novas propostas de retalhos microcirúrgicos
com adição de desenhos pré-operatórios tridimensionais (3D) e melhora dos resultados
estéticos e funcionais. Ao longo desses anos, diferentes e versáteis retalhos pediculados
e não pediculados também foram projetados; bons exemplos são os retalhos submandibulares
e supraclaviculares que alcançam resultados semelhantes com eficiência.
Em contraste com essa tendência de reconstrução microcirúrgica como uma alternativa
quase obrigatória, indicação individualizada para os casos em que outros retalhos
não geram resultados semelhantes, visando reduzir o tempo cirúrgico, a morbidade e,
os custos de saúde.
Diferentes estudos mostram benefícios semelhantes ou melhores dos retalhos regionais
pediculados ou não pediculados em termos de desfechos funcionais e estéticos, com
possibilidades similares de reabilitação, além de menor tempo cirúrgico, menor necessidade
de internação em unidade de terapia intensiva (UTI) e menores custos de saúde. Isso
significa que os retalhos regionais ainda podem ter um papel importante na era dos
retalhos livres e devem ser considerados na definição de uma reconstrução.
Materiais e Métodos
Foi realizado um estudo retrospectivo transversal de revisão em pacientes submetidos
à reconstrução com retalhos regionais e microcirúrgicos após cirurgias oncológicas
de cabeça e pescoço para correção do defeito de ressecção. Casos de 1° de janeiro
de 2019 a 31 de dezembro de 2023 foram analisados com o objetivo de avaliar os desfechos
da reconstrução com ambas as técnicas.
Os critérios de inclusão foram pacientes maiores de 18 anos submetidos a retalhos
regionais e microcirúrgicos para reconstrução após cirurgia oncológica ou tratamento
de doenças benignas ou traumáticas. Os pacientes com informações incompletas foram
excluídos. Neste estudo, os retalhos microcirúrgicos em hélice (propeller) foram agrupados com os pediculados regionais, considerando a ausência de anastomose
microvascular. Os dados clínicos sobre o paciente e o tumor primário, sua localização,
estadiamento clínico, tipo de cirurgia, anatomia patológica, tipo de reconstrução,
morbidade e mortalidade foram registrados. Os pacientes não foram submetidos a intervenções
diretas e o estudo seguiu as diretrizes da Declaração de Helsinque. A instituição
aprovou a realização deste estudo e as informações dos pacientes foram obtidas de
seus prontuários médicos, preservando sua privacidade.
A análise estatística foi realizada após a coleta dos dados em uma planilha do Microsoft
Excel (Microsoft Corp.) e utilizou o software IBM SPSS Statistics for Windows (IBM
Corp.), versão 22.0. O teste de Shapiro-Wilk avaliou a normalidade das variáveis quantitativas,
que foram expressas como médias e desvios padrão (DP). As variáveis qualitativas foram
expressas com frequências absolutas e relativas. A análise bivariada de correlação
das variáveis dependentes empregou o método de Pearson, e a avaliação de sua associação
às outras variáveis foi realizada por regressão logística binária. A significância
estatística foi definida como p < 0,05, com intervalo de confiança (IC) de 95%.
Resultados
A amostra continha 269 pacientes, sendo 105 mulheres e 164 homens. A idade média foi
de 62,5 anos; 60,2% tinham mais de 61 anos de idade e a maioria tinha entre 51 e 79
anos. A ressecção oncológica para tratamento de câncer (96,3%) foi a principal indicação
para uso de retalho, seguida por doenças benignas e traumáticas. O carcinoma espinocelular
foi a etiologia mais frequente, com 187 casos, seguido por carcinoma papilar de tireoide
(6,3%) e alguns outros tumores, como sarcomas (3,7%), melanomas (3%) e adenoide cístico
das glândulas salivares (3,7%). As principais localizações foram cavidade oral e orofaringe
(28,6%), seguidas por seios paranasais e órbita (20,1%), laringe (12,3%) e glândula
parótida (14,9%). A maioria dos pacientes estava no estágio clínico IV (77%) e os
demais no III. Nenhum paciente foi diagnosticado em estágios iniciais e poucos casos
foram benignos ou traumáticos ([Tabela 1]).
Tabela 1
N = 269
|
%
|
Idade média
|
65 anos
|
|
Sexo
|
Feminino
|
105
|
39
|
Masculino
|
164
|
61
|
Diagnóstico histológico
|
Espinocelular
|
187
|
69,5
|
Tumor papilar de tireoide
|
17
|
6,3
|
Adenoide cístico
|
10
|
3,7
|
Melanoma
|
8
|
3
|
Basocelular
|
6
|
2,2
|
Sarcoma
|
10
|
3,7
|
Trauma/fístula
|
16
|
5,9
|
Outro
|
15
|
5,7
|
Localização
|
Cavidade oral
|
72
|
26,8
|
Laringe
|
33
|
12,3
|
Seios da face/órbita
|
45
|
16,7
|
Aumento de salivação
|
40
|
14,9
|
Orofaringe
|
17
|
6,3
|
Pele
|
21
|
7,6
|
Tireoide
|
19
|
7,1
|
Traqueia/esôfago/hipofaringe
|
17
|
6,3
|
Outro
|
5
|
1,9
|
Estágio clínico
|
III
|
44
|
16,4
|
IV
|
207
|
77
|
Benigno/Trauma
|
18
|
6,6
|
O tratamento cirúrgico foi realizado como terapia inicial em 167 pacientes e como
secundária em 102, após o tratamento oncológico não cirúrgico.
A cirurgia mais frequente foi a maxilectomia parcial ou total (14,5%), seguida por
ressecção faríngea em monobloco, laringectomia, glossectomia, exenteração orbital,
esvaziamento cervical completo e ressecção traqueal. Em relação às cirurgias da cavidade
oral, 20,5% necessitaram de ressecção mandibular e 12,8% de mandibulectomia de aproximação.
Os retalhos mais utilizados foram os regionais, em 70,6% dos casos. Entre os retalhos
microcirúrgicos, 48 foram musculocutâneos e 12, osteocutâneos. Quanto ao tipo de retalho
livre, o radial foi o mais usado (10,4%), seguido pelos retalhos anterolateral da
coxa (ALT), de escápula e de fíbula. Foram realizados 168 retalhos regionais pediculados;
o mais comum foi o de Ariyana (27,1%), seguido pelo supraclavicular e pelo submandibular
([Tabela 2]). De acordo com a localização, os defeitos na cavidade oral foram tratados com retalho
submandibular em 38,9% dos casos, microcirúrgico musculocutâneo em 31,9% e osteocutâneo
em 15,3% dos pacientes. Dentre os defeitos orofaríngeos, 88,2% receberam retalhos
regionais. A maioria dos defeitos orbitais e de tecidos moles e/ou ósseos exigiu retalho
microcirúrgico, mas 31,1% puderam ser resolvidos com um em hélice.
Tabela 2
Retalho
|
n = 269
|
%
|
Microcirúrgico
|
79
|
29,4
|
Regional
|
190
|
70,6
|
Regional/Pedículo
|
Ariyana
|
73
|
38,4
|
Bakamjiam
|
19
|
10,0
|
Submandibular
|
38
|
20,0
|
Supraclavicular
|
44
|
23,1
|
Trapézio
|
4
|
2,1
|
Outro
|
12
|
6,3
|
Microcirúrgico
|
ALT
|
18
|
22,8
|
Escápula
|
6
|
7,6
|
Fíbula
|
6
|
7,6
|
Radial
|
28
|
35,4
|
TRAM
|
2
|
2,5
|
Hélice (propeller)
|
19
|
24,0
|
A morbidade geral foi de 16%, mas apenas 6,8% dos casos foram associados à reconstrução
com retalho livre ou pediculado. A morbidade dos retalhos microcirúrgicos foi de 22,5%
e dos retalhos regionais, 13,2%. No total, as causas de morbidade foram comprometimento
da vascularização do retalho, infecção do sítio cirúrgico, hematoma e deiscência.
Pneumonia pós-operatória ocorreu em dois pacientes (0,7%). Em relação à morbidade
por tipo de retalho, houve trombose arterial em 3,8% dos retalhos livres; deiscência
em 1,3% dos retalhos livres e 2,6% dos regionais; aparecimento de fístula em 2,5%
dos retalhos livres e 3,7% dos regionais; e hematoma em 5% dos retalhos livres e 1,6%
dos regionais. Após a detecção de comprometimento vascular do retalho, 46,2% dos casos
puderam ser resgatados em cirurgia de revisão com nova anastomose arterial ou venosa,
dependendo da situação. Nos casos em que o resgate não foi possível, os pacientes
foram tratados de maneira eficaz com retalhos regionais, com uma exceção que passou
por um segundo retalho livre, sem sucesso.
Registramos 18 (6,7%) óbitos, todos com doença em estágio IV, entre os quais 10 tinham
mais de 70 anos (55,6%) e metade tinha câncer do trato aerodigestivo. As causas mais
frequentes foram fístula pós-operatória e complicações vasculares, seguidas por causas
médicas não cirúrgicas ([Tabela 3]).
Tabela 3
Morbidade
|
n = 269
|
%
|
Sem morbidade
|
226
|
84
|
Complicações vasculares
|
13
|
4,8
|
Infecção loco-regional
|
2
|
0,7
|
Hematoma
|
7
|
2,6
|
Deiscência/fístula
|
15
|
5,6
|
Pneumonia
|
2
|
0,7
|
Outra
|
4
|
1,5
|
Mortalidade
|
n = 18
|
%
|
Estágio IV
|
18
|
100
|
Idade acima de 70 anos
|
10
|
56
|
Doença aerodigestiva
|
9
|
50
|
Causas de mortalidade
|
Fístula pós-operatória
|
5
|
28
|
Complicações vasculares
|
2
|
11
|
Causas médicas não cirúrgicas
|
11
|
61
|
A análise bivariada foi feita por meio da correlação de Pearson. Detectou-se evidência
de correlação intermediária entre pacientes mais idosos e maior morbidade, assim como
uma baixa correlação entre estágios clínicos avançados e maior necessidade de retalhos
microcirúrgicos. Além disso, notou-se ausência de correlação entre o tipo de retalho
ou estágio clínico e a maior morbidade ([Tabela 4]).
Tabela 4
Correlação espúria
|
R de Pearson
|
Significância bilateral
|
Morbidade
|
Faixas etárias
|
0,45
|
0,047
|
Tipo de retalho
|
-0,116
|
0,049
|
Estágio clínico
|
Uso de retalho microvascular
|
-0,122
|
0,045
|
Morbidade
|
-0,21
|
0,73
|
Mortalidade
|
Faixas etárias
|
0,89
|
0,015
|
Tipo de retalho
|
0,77
|
0,21
|
Morbidade
|
Significância
|
Razão de chances
|
IC 95%
|
Inferior
|
Superior
|
Localização
|
0,076
|
1,138
|
0,987
|
1,313
|
Estágio
|
0,863
|
0,95
|
0,53
|
1,703
|
Cirurgia mandibular
|
0,595
|
0,866
|
0,51
|
1,47
|
Sexo (masculino)
|
0,364
|
1,366
|
0,696
|
2,679
|
Idade
|
0,912
|
0,999
|
0,974
|
1,024
|
Retalho microvascular
|
0,01
|
2,793
|
1,281
|
6,09
|
Mortalidade
|
Age
|
0,141
|
1,035
|
0,989
|
1,084
|
Sexo (masculino)
|
0,045
|
2,694
|
0,871
|
8,336
|
Localização
|
0,402
|
1,099
|
0,881
|
1,37
|
Estágio
|
0,211
|
2,275
|
0,628
|
8,244
|
Cirurgia mandibular
|
0,682
|
1,214
|
0,48
|
3,07
|
Retalho microvascular
|
0,167
|
0,344
|
0,075
|
1,564
|
Morbidade
|
0,01
|
18,505
|
5,823
|
58,811
|
Causas de mortalidade
|
Retalho vascular
|
0,001
|
0,027
|
0,003
|
0,227
|
Infecção
|
0,085
|
0,083
|
0,005
|
1,411
|
Hematoma
|
0,999
|
0
|
0
|
|
Deiscência/fístula
|
0,224
|
0,167
|
0,009
|
2,984
|
Pneumonia
|
0,72
|
0,667
|
0,073
|
6,111
|
Da mesma forma, há uma alta correlação entre idade superior a 70 anos e maior mortalidade
pós-operatória, assim como uma correlação significativa entre o tipo de retalho e
a maior mortalidade. Além disso, análises de regressão logística foram realizadas
para avaliar se a morbidade estava associada ao tipo de retalho, idade, sexo, estadiamento
clínico, localização do tumor e abordagem mandibular. Os resultados revelaram que
retalhos microcirúrgicos tinham 2,8 vezes mais chance de apresentar morbidade (p = 0,010). Ao considerar as mesmas variáveis para explicar a mortalidade, houve associação
do sexo masculino a um risco 2,7 vezes maior (p = 0,052). Além disso, o risco de mortalidade era 18,5 vezes maior em casos com morbidade
pós-operatória (p = 0,001). Ao analisar o tipo de morbidade, pacientes com acometimento pós-operatório
da vascularização do retalho tiveram um risco de morte 0,27 vezes maior (p = 0,001), como pode ser visto na [Tabela 4].
Discussão
A reconstrução com retalhos em cirurgia de cabeça e pescoço é uma ferramenta importante
para minimizar as sequelas de grandes ressecções com margens oncológicas, buscando
alcançar cobertura, função e correspondência de cor, entre outros aspectos, na tentativa
de restaurar a normalidade tecidual. Houve uma grande evolução técnica na execução
de retalhos de cabeça e pescoço para reconstrução e, hoje, observa-se grande preferência
por retalhos livres. No entanto, a reconstrução com retalhos regionais pediculados
tem sido uma ferramenta de grande valor nos múltiplos subsítios de cabeça e pescoço.
Os retalhos livres são mais demorados e exigem mais treinamento. Às vezes cirurgiões
reconstrutivos precisam ser envolvidos, mas nem sempre estão à disposição em todas
as instituições. Logo, nesse cenário, cirurgiões de cabeça e pescoço também são protagonistas
na reconstrução.
Day et al. conduziram um estudo transversal online com todos os cirurgiões da American
Society for Head and Neck Surgery para determinar a experiência dos cirurgiões que
realizam retalhos regionais; 197 profissionais (25%) responderam à pesquisa. Os cirurgiões
que realizavam retalhos regionais e livres tinham menos tempo de prática, mas faziam
mais retalhos por ano; 28 e 23% dos cirurgiões realizavam retalhos supraclaviculares
e submentonianos, respectivamente, pelo menos quatro a 10 vezes por ano. Os retalhos
regionais os mais usados para reconstrução.[1]
A morbidade pós-operatória em nosso estudo foi de 6,1%, ocorrendo em 22,5% dos retalhos
microcirúrgicos e 13,2% dos retalhos regionais. Estes números são um pouco superiores
aos relatados pelo Hospital San Paolo, na Itália, em que 4,4% dos 45 pacientes apresentaram
complicações relacionadas a retalhos regionais, entre 2009 e 2014. Os retalhos utilizados
foram musculares e miocutâneos de peitoral maior, trapézio, supraclavicular e latíssimo
do dorso e fasciocutâneo temporal. Os autores não observaram falência do retalho.
Houve um caso de perda completa de pele, mas com sobrevida da parte muscular do retalho.
Um caso teve perda parcial de pele e um teve sangramento ativo.[2]
Semelhante ao presente estudo, Gabryz-Forget et al. avaliaram as complicações categorizadas
de acordo com o tipo de retalho realizado, ou seja, regional ou microvascular. Sua
revisão sistemática mostrou que os retalhos livres foram associados a uma maior incidência
de complicações em comparação aos regionais, de 68 e 36%, respectivamente. Os retalhos
microcirúrgicos também apresentaram maior incidência de trombose arterial e hematoma,
enquanto os regionais tiveram maior deiscência e aparecimento de fístula.[3] Nossos achados foram semelhantes, mas em uma porcentagem muito menor, sem casos
de trombose arterial nos pacientes com retalhos pediculados e diferença mínima na
incidência de fístula entre os dois grupos (microcirúrgicos: 2,5%, regionais: 3,7%).
Os tempos cirúrgicos foram maiores em pacientes submetidos à reconstrução com retalho
livre, com internações mais longas na UTI e no hospital. Embora nosso estudo não tenha
considerado a qualidade de vida, Gabryz-Forget et al. revelaram escores semelhantes
em termos de deglutição e fonação com ambas as técnicas de reconstrução, com abertura
oral e dependência de sonda de alimentação similares.[3]
Por outro lado, diferentemente de nosso estudo, Goyal et al.[4] relataram uma maior taxa de infecção (9,1%), sem diferença no tipo de retalho, associada
à internação prolongada. A presença de fístula também foi maior em comparação à nossa,
de 8,2 e 3,7%, respectivamente, sem diferenças significativas entre retalhos livres
e pediculados. Os pediculados apresentaram fístulas na população idosa, assim como
em pacientes submetidos a cirurgias ou radioterapias prévias.
Nos pacientes com morbidade relacionada ao acometimento vascular por isquemia ou trombose,
46,2% foram submetidos com sucesso à revisão do retalho. Essa porcentagem é um pouco
menor em comparação a outras publicações sobre técnicas de resgate para retalho livre.
Kucur et al.[5] presented loss of the free flaps in 3.5% of their patients; 12% of their flaps needed
a revision surgery, with a successful rescue in 57%. Ross et al.,[6] em sua série de 1.473 pacientes, necessitaram de resgate em 2,8% dos casos com um
segundo retalho livre, com uma taxa de sucesso de 73%. Em nosso trabalho, apenas um
paciente necessitou de um segundo retalho de resgate, que não obteve sucesso.
Bozikov e Arnez[7] obteve uma taxa de sucesso de 85% em 162 pacientes, observando que a falência dos
retalhos livres foi 5 vezes maior na presença de diabetes e 4,6 vezes maior após a
cirurgia de resgate, especialmente nos casos com enxerto venoso de interposição.
A revisão sistemática de Mooney et al.[8] comparou o retalho submentoniano aos retalhos livres e incluiu 7 estudos, a maioria
retrospectiva. Embora os grupos avaliados tenham apresentado heterogeneidade moderada,
o retalho regional levou a uma redução média do tempo cirúrgico de 193 minutos, bem
como do tempo de internação hospitalar em 2,1 dias em comparação aos retalhos livres.
As taxas de perda total do retalho, hematoma, infecção do sítio cirúrgico, deiscência
e congestão venosa foram semelhantes em ambos os grupos, sem diferenças estatisticamente
significativas. A recidiva tumoral foi inferior a 10% em ambos os grupos. Por outro
lado, Vitkos et al.[9] também compararam os retalhos supraclavicular e livres e, em 8 estudos, descobriram
que não houve diferença significativa em termos de perda do retalho, necrose, fístula
e deiscência, propondo esses retalhos como uma alternativa de utilidade semelhante
ao microvascular.
A análise multivariada de morbidade identificou uma alta correlação entre pacientes
mais velhos e maior morbidade, além de uma correlação entre aqueles com mais de 70
anos e a maior mortalidade pós-operatória. Vários autores relataram que a idade não
deve ser considerada um fator de risco independente em um retalho livre. Ferrari et
al.[10] relataram uma taxa de sucesso de 96,5% em 54 retalhos realizados em pacientes com
mais de 75 anos de idade, com uma taxa de complicações de 30,9%, semelhante à de pacientes
mais novos, notando uma associação com o estado físico segundo a classificação da
American Society of Anesthesiologists (ASA) e não à idade. Da mesma forma, Tarsitano
et al.[11] relataram que a taxa de complicações foi semelhante em pacientes com mais (11%)
e menos (9%) de 75 anos, e apenas um escore ASA alto foi relacionado a uma maior probabilidade
de complicação.
Nossos resultados não puderam ser comparados à revisão sistemática de Fancy et al.,
uma vez que seu ponto de corte de maior risco de morbidade e mortalidade perioperatória
era 80 anos, tendo observado complicações graves aos 30 dias em até 51% dos casos,
assim como mortalidade de 8% aos 90 dias, especialmente associada à maior fragilidade,
baixo índice de massa corporal (IMC), cirurgia prolongada e subsítios como cavidade
oral, orofaringe e maxila. No entanto, assim como em nosso estudo, na presença de
morbidade, a mortalidade foi ainda maior em pacientes com menos de 80 anos. O tipo
de retalho, livre ou pediculado, não foi associado à morbidade e mortalidade, mas
não contrastou com o tempo cirúrgico, apesar de ser maior nos casos microcirúrgicos.[12]
Em relação à mortalidade por sexo, que no nosso estudo se revelou mais elevada em
homens, a publicação da Global Burden Cancer[13] pontua achados semelhantes, com mais óbitos em homens (241.585; intervalo de incerteza
de 95%: 207.546–279.188) do que em mulheres (148.189; intervalo de incerteza de 95%:
124.242–175.146). A incidência também foi maior em homens, com razão de 2:1, em comparação
a 1,5:1 em nosso estudo. A mortalidade também foi maior no grupo entre 70 e 79 anos
de idade.
Por fim, a mortalidade pós-reconstrução observada em nosso estudo foi de 6,8%, semelhante
à relatada por Ali et al.,[14] que descreveu taxa de mortalidade em 30 dias em pacientes com retalhos livres de
até 6,3%, especialmente relacionada à anemia, idade acima de 80 anos, desnutrição
e mau estado funcional.
Conclusão
A reconstrução de defeitos cirúrgicos grandes e complexos após a ressecção oncológica
de tumores avançados de cabeça e pescoço requer bom julgamento clínico das técnicas
de retalhos microcirúrgicos, pediculados ou regionais. Atualmente, há uma preferência
pelos retalhos livres, com base na aplicação de novas técnicas que parecem melhorar
os desfechos estéticos e funcionais. No entanto, os retalhos regionais e pediculados
não devem ser descartados, uma vez que são igualmente úteis em termos de cobertura,
função e, por vezes, estética. À exceção de componente ósseo na reconstrução, estes
retalhos devem ser considerados ferramentas cirúrgicas relevantes, já que oferecem
resultados semelhantes, como menor morbidade e redução do tempo necessário para sua
realização, o que leva a menores os custos de saúde. A idade de 70 anos parece ser
o ponto de corte em que há aumento da morbidade e da mortalidade nos indivíduos submetidos
a retalhos microcirúrgicos para reconstrução em cirurgia de cabeça e pescoço. Esses
índices são ainda maiores em homens e, portanto, deve-se sempre considerar um tipo
de reconstrução menos exigente como alternativa nesses casos.
Bibliographical Record
Andres I. Chala, Yessica A. Trujillo. Retalhos regionais ainda são uma estratégia
de reconstrução adequada para tumores de cabeça e pescoço na era do boom dos retalhos livres? Avaliação de 269 casos em um centro de nível 4. Revista Brasileira
de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2025; 40: s00451811180.
DOI: 10.1055/s-0045-1811180