CC BY 4.0 · Brazilian Journal of Oncology 2017; 13(44): e-bjo20171344a9
DOI: 10.26790/bjo20171344a9
Artigo Original

Análise de 20 anos do modelo de remuneração do SUS para a radioterapia: precisamos mudá-lo?

20-Years of analysis of the SUS remuneration model for radiotherapy: do we need to change it?
Felipe Teles de Arruda
1   Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
,
Gustavo Arruda Viani
1   Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
› Institutsangaben
Fundos: esse trabalho recebeu apoio do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, Faculdade de Medicina, Univercidade de São Paulo, SP, Brasil.
 

ABSTRACT

Objective: To evaluate in the last twenty years the remuneration model of Brazilian health system for the radiotherapy trying to demonstrate that the current model does not take into consideration relevant variables to adequate and better it.

Methods: This observational study included the collected data of the budget and the number of radiotherapy procedures performed between 1995-2015 by the Ministry of Brazilian health. The model was tested to detected any relationship with the cancer incidence and inflation. The variables were tested for a linear, cubic, exponential and logarithmic relationship. To measure the power of the association between the variables the R-square was calculated with an R value > 0.75 and a p-value < 0.05 considered significant.

Results: A linear increase as in the number of procedures (R=0.94 e p<0.05) as in the total of radiotherapy budget (R= 0.82 e p<0.05) was detected in the last 20 years. Since 1995, it has occurred an increase of the spendings for the Ministry of Brazilian health with the number of RT procedures. In the last twenty years, the number of RT procedures and the RT budget increased around 4.5 and 7.5 times. Except in 2010, in all other years, the budget was increased in the total value and no in the unit value of the procedure. There was not any relationship between the cancer incidence (p>0.05) or inflation (p>0.05) with the increased spending. There was a deficit of R$ 90 million corrected by the accumulated inflation in 5 years and about R$ 350 million in 20 years.

Conclusion: In the last 20 year, the ministry of health increased as the quantity of RT procedures as the budget for the RT. The spending with RT was constant and linear during the period. However, the model does not attend the needings of Brazilian’s population, because this model does not take into consideration the cancer incidence, inflation and also because the increase in the value does not give in the RT procedure.


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RESUMO

Objetivo: Analisar os últimos 20 anos do modelo de remuneração do SUS no setor de radioterapia tentando demonstrar que o modelo vigente não leva em consideração variáveis importantes para sua adequação e precisa ser melhorado.

Métodos: Estudo observacional do tipo transversal que incluiu a coleta de dados referente ao orçamento e ao número de procedimentos em radioterapia do Brasil no período compreendido entre 1995-2015. O modelo foi testado para avaliar a relação com a incidência da doença e a inflação. As variáveis foram testadas para relação linear, cúbica, exponencial e logarítmica. Para medir a força de associação entre as variáveis um R square foi calculado, sendo significativo os valores > 0,75 e p < 0,05.

Resultados: Observou-se um aumento significativo tanto na quantidade, quanto no orçamento aprovado, sendo este aumento linear tanto na quantidade de procedimentos (R=0,94 e p<0,05) quanto nos valores aprovados de procedimentos realizados nos últimos 20 anos (R= 0,82 e p<0,05). Apesar do aumento de gasto do Ministério da Saúde em quantidade e valor terem sido de 4,5 e 7,5 vezes em 20 anos, apenas com exceção do ano de 2010, todos os outros anos o aumento não foi dado na fonte, apenas no teto ou pela criação de novos serviços. Não houve qualquer relação com a incidência (p>0,05) nem com a inflação (p>0,05). Houve um déficit de repasse de R$ 90 milhões não corrigidos pela inflação acumulada nos últimos 5 anos e de aproximadamente R$ 350 milhões em 20 anos.

Conclusão: Nos últimos 20 anos o Ministério da Saúde aumentou a quantidade tanto de procedimentos quanto de orçamento para a radioterapia de forma constante e linear, mas o modelo não atende as necessidades da população brasileira. Pois não leva em consideração a incidência, a inflação e o aumento dado não é fornecido na fonte geradora do procedimento.


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INTRODUÇÃO

No Brasil a Constituição Federal de 1988 consagrou a saúde como “direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visam à redução do risco de doença e de outros agravos e possibilitando o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação”.([1]) A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 – Lei Orgânica da Saúde –, dispõe acerca das condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, organização e funcionamento dos serviços correspondentes, mostrando de forma clara os objetivos do Sistema único de Saúde - SUS, suas competências e atribuições, assim como as funções da União, dos Estados e dos Municípios.([2])

O último censo demográfico realizado no pais ocorreu no ano de 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), teve o objetivo de retratar a população brasileira, suas características socioeconômicas e ao mesmo tempo, a base para todo o planejamento público e privado da década 2010-2020.([3]) Os resultados finais revelaram que a população brasileira havia chegado aos 190.755.799 habitantes, com um aumento populacional da expectativa de vida e um consequente aumento no índice de envelhecimento da população.([3],[4])

Acompanhando o envelhecimento populacional, no Brasil, tem sido marcante o aumento na incidência do câncer nas últimas décadas. Dados do instituto nacional do câncer (INCA) demonstram que em 2005 ocorreram 467.440 casos, e após 10 anos este número aumentou para 586.325 casos de câncer no pais.(5) A incidência do câncer de prostata pode ser um exemplo deste aumento, uma vez que sua incidência se elevou em 414% entre 1990 e 2013, enquanto a mortalidade aumentou 177%.([6]) Dessa forma o câncer tornou-se um problema de Saúde pública em nosso país. Este fenômeno também é observado em outros países classificados, como países em desenvolvimento. Dados do World Cancer Report de 2014 da Internacional Agency for Research on Cancer (larc), da Organização Mundial da Saúde (OMS) é inquestionável que o câncer é um problema de saúde pública, especialmente entre os países em desenvolvimento, onde é esperado que, nas próximas décadas, o impacto do câncer na população corresponda a 80% dos mais de 20 milhões de casos novos estimados para 2025.([6],[7])

Este aumento na incidência do câncer tem um impacto direto nas fontes financiadoras e no orçamento da saúde nas três esferas do governo, uma vez que conforme mencionado anteriormente, os recursos para o sistema Público de Saúde no Brasil (SUS) vem integralmente de tributos federais, estaduais e municipais. A radioterapia dentro deste contexto também é financiada pelo SUS. O modelo de remuneração do SUS só prevê a utilização de radioterapia guiada por radiografias, ou em casos limitados, a radioterapia guiada por tomografia e com campos conformados ao tumor (radioterapia 2D e radioterapia 3D). Ao longo do tempo, novas tecnologias desenvolvidas vêm sendo introduzidas na prática clínica e a tabela do SUS não foi revisada para precificar esta inclusão. Desta forma, para utilizar tecnologias que possam beneficiar o paciente, o prestador é reembolsado por procedimentos inferiores. Ao realizar o faturamento dos procedimentos inferiores, os procedimentos em radioterapia são: campos de megavoltagem, acessórios de imobilização, blocos de proteção, check films e tipo de planejamento (tridimensional ou não).([8]) Como os limites para todos os itens são fixos e pré-determinados, o uso de tecnologias como a radioterapia de intensidade modulada (IMRT) e a radioterapia guiada por imagem (IGRT) torna-se inviável, uma vez que, se o limite máximo de cada item permitido em tabela é excedido, o prestador não é reembolsado pela incorporação da tecnologia. Este sistema de custeio com limites fixos e com valores predeterminados também limita a incorporação na prática clínica de novos esquemas de tratamento radioterápico. Um exemplo disso, são os esquemas de radioterapia hipofracionada para o câncer de mama ou de próstata que podem ser utilizados em algumas situações. Para contextualizar o problema, atualmente o câncer de mama é tratado por 25 frações diárias no esquema convencional. Com o esquema hipofracionado alguns tratamentos poderiam ser reduzidos a 16 frações diárias.([9]) Como estes esquemas utilizam menor número de campos no total, e requerem tecnologia, muitos serviços não aderem a sua implementação na prática clínica devido ao receio de queda em sua receita. Assim, todos estes fatores citados (aumento da incidència, crescimento/ envelhecimento populacional e o sistema de remuneração) contribuem para que o sistema radioterápico no SUS esteja em elevado risco de colapso, não sendo incomuns notícias de filas, atrasos de tratamento, ausência de aparelhos e sucateamento do parque radioterápico.

Objetivo

O objetivo do presente artigo é fazer uma análise dos últimos 20 anos dos investimentos orçamentários pelo Ministério da Saúde do Brasil no setor de radioterapia tentando demonstrar que o modelo de remuneração empregado pelo SUS não atende as necessidades atuais, tendendo ao colapso nos próximos anos e precisa ser melhorado.


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MÉTODOS

O presente estudo trata-se de um estudo observacional do tipo transversal que incluiu a coleta de dados referente ao orçamento e o número de procedimentos em radioterapia do Brasil no período compreendido entre janeiro de 1995 à dezembro de 2015. Para tal, nós utilizamos as informações anuais contendo os registros de produção de radioterapia no Brasil no período supracitado. Os dados são disponibilizados para acesso público pelo site: http://datasus.saude.gov.br(10) pelo Ministério da Saúde. Para a coleta dos dados no DATASUS, inicialmente, as seguintes variáveis as foram selecionadas: 1) Ano processamento do tratamento; 2) Quantidade de tratamentos aprovados por ano; 3) Valor aprovado por ano. Após a seleção, os arquivos de dados foram baixados do site no formato (csv). Após a extração dos dados, os mesmos foram reestruturados e tabulados utilizando o software Microsoft Excel 2010. Os valores foram trabalhados com valores absolutos, média (desvio padrão) e porcentagem. Para estabelecer uma relação entre incidência de câncer nos últimos anos e o orçamento/quantidade de procedimentos aprovados pelo Ministério da Saúde, o site do INCA foi consultado para a extração dos dados relativos a incidència de neoplasias no Brasil.([5]) Para estimar o déficit de reajuste dos procedimentos em radioterapia ao longo do período, utilizamos os dados da inflação fornecidos pelo banco mundial.([11]) Dados de inflação média e acumulada foram gerados a partir das informações coletadas. Os procedimentos a que se refere o presente trabalho, assim como os valores fornecidos pelo DATASUS são relativos a planejamento, número de campos, simulação, uso de acessório conforme demonstrado na [tabela 1].

Tabela 1

Procedimentos e valores cobertos pelo Sistema único de Saúde em radioterapia

Código

Procedimento

Valor(R$)

03.04.01.002-2

Betaterapia Oftálmica (por campo)

23,00

03.04.01.003-0

Betaterapia para profilaxia de pterígio (por campo)

23,00

03.04.01.004-9

Braquiterapia

Valor Hospitalar (SH): 1.732,73

Valor Hospitalar Total: 2.000,00

03.04.01.005-7

Braquiterapia com fios de iridium

Valor Hospitalar (SH): 1.232,73

Valor Hospitalar Total: 2.500,00

03.04.01.006-5

Braquiterapia com iodo 125/ ouro 198

Valor Hospitalar (SH): 1.232,73

Valor Hospitalar Total: 2.500,00

03.04.01.007-3

Braquiterapia de alta taxa de dose (por inserção)

1,000,00

03.04.01.008-1

Check-Film (por Mês)

30,00

03.04.01.009-0

Cobaltoterapia (por campo)

30,00

03.04.01.012-0

Irradiação de corpo inteiro pré-transplante de medula óssea

375,00

03.04.01.013-8

Irradiação de meio corpo

126,72

03.04.01.015-4

Máscara ou imobilização personalizada (por tratamento)

65,00

03.04.01.016-2

Moldagem em colo ou corpo do útero

Valor Hospitalar (SH): 1.732,73 Valor Hospitalar Total: 2.000,00

03.04.01.018-9

Planejamento complexo (por tratamento)

120,00

03.04.01.019-7

Planejamento de braquiterapia de alta taxa de dose (por tratamento)

120,00

03.04.01.020-0

Planejamento simples (por tratamento)

60,00

03.04.01.026-0

Roentgenterapia (por campo)

25,00

03.04.01.028-6

Radioterapia com acelerado linear só de fótons (por campo)

30,00

03.04.01.029-4

Radioterapia com acelerador linear de fótons e elétrons (por campo)

35,00

03.04.01.030-8

Bloco de colimação personalizado (por bloco)

52,00

03.04.01.031-6

Planejamento para radioterapia conformada tridimensional (por tratamento)

480,00

Analise estatística

Foi realizada através de gráfico de dispersão relacionando o ano versus orçamento e ou quantidade de produção, ambas tratadas como variável continua. O gráfico de dispersão foi testado para avaliar qual modelo matemático explica a relação entre as variáveis ano versus orçamento e quantidade de procedimento aprovado. O gráfico foi testado para relação linear, cúbica, exponencial e logarítmica. Para medir a força de associação entre as variáveis um R square foi calculado e sendo considerado significativo valores > 0,75. Valores de p < 0,05 foram considerados significativos. SPSS versão 24,0 foi utilizado em todas as analises, os gráficos foram gerados pelo Excel.


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RESULTADOS

Foram coletados dados sobre produção e orçamento do Ministério da Saúde dos últimos 20 anos de exercício. Dos dados é possível observar um aumento significativo tanto na quantidade, quanto no orçamento aprovado entre 1995 -2015.

Em 1995 foi aprovado a quantidade de procedimentos em radioterapia de 4.499.277 e o valor de R$ 54.090.242.41. Em 2015, foi aprovado a quantidade de procedimentos em radioterapia de 10.581.710 e um valor de R$ 407.503.434,41.

A taxa de incremento em quantidade e orçamento ano/ano média no período foi de 9,2% e 15,7%, respectivamente. Em 20 anos a quantidade de procedimentos e orçamento aprovados aumentou 4,5 e 7,5 vezes, respectivamente.

Na [tabela 2] observamos que o maior incremento em valores orçamentário foi no ano de 2010. Cabe ressaltar que este significativo incremento (136%), está relacionado ao último reajuste da tabela do SUS.

Tabela 2

Produção ambulatorial do SUS no Brasil em radioterapia entre os anos de 1995 até 2015

Ano processamento

Quantidade aprovada

% relativa

Valor aprovado (R$)

% relativa

1995

4.499.277,00

2,048

54090242,41

2,049

1996

4.856.379,00

1,079

58810405,14

1,087

1997

4.917.670,00

1,013

59833425,19

1,017

1998

4.718.867,00

0,960

66437498,89

1,110

1999

4.501.305,00

0,954

76950298,43

1,158

2000

4.955.963,00

1,101

85979502,74

1,117

2001

5.368.805,00

1,083

93827011,37

1,091

2002

5.698.247,00

1,061

102301091,3

1,090

2003

6.136.860,00

1,077

111017601,6

1,085

2004

6.366.137,00

1,037

115512812,1

1,040

2005

6.866.346,00

1,079

130993989,9

1,134

2006

7.074713,00

1,030

144098917,2

1,100

2007

7.130.534,00

1,008

145538034,3

1,010

2008

7.354.637,00

1,031

151703286,23

1,042

2009

7.652.753,00

1,041

163016108,46

1,075

2010

8.315.302,00

1,087

223360646,18

1,370

2011

9.249.376,00

1,112

349487576,69

1,565

2012

9.552.614,00

1,033

361170653,63

1,033

2013

10.191.953

1,067

389425869,88

1,078

2014

10.505.190

1,031

400706617,42

1,029

2015

10.581.710

1,007

407503434,41

1,017

 

 

 

 

 

Avaliando a relação entre quantidade de procedimentos realizados nos 20 anos, através do gráfico de dispersão [figura 1a], observamos uma relação linear entre as variáveis, com R=0,94 e p<0,05. Já para análise de valor aprovado de procedimentos, observamos também uma relação linear entre ano e valor aprovado de orçamento, [figura 1b] R= 0,82 e p<0,05.

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Figura 1. (1a) Quantidade aprovada referente à produção ambulatorial do SUS no Brasil em radioterapia entre os anos de 1995 até 2015; (1b) Valor aprovado (em reais-R$) referente à produção ambulatorial do SUS no Brasil em radioterapia entre os anos de 1995 até 2015.

Nós estudamos a relação entre o que foi repassado pelo Ministério da Saúde através dos valores de procedimentos aprovados em valores brutos e a inflação do período. Nenhum modelo estatístico se encaixou na relação (p>0.05). A [figura 2a] demonstra a relação entre orçamento e o orçamento corrigido pela inflação. As curvas mostram que a inflação média no período de 2010 até 2015 utilizando os valores do IPCA (2010 = 5,9%, 2011 = 6,5%, 2012 = 5,8%, 2013 = 5,9, 2014 = 6,4, 2015 = 10,7%) foi de 6,8%, e a acumulada de 48,90% utilizando a fórmula: Incidência Acumulada = [(1+5,9/100) x (1+6,5/100) x (1+5,8/100) x (1+5,9/100) x (1+6,4/100) x (1+10,7/100)-1] x 100, transformando em valores brutos a perda de receita no período foi de R$ 90.00.000,00 milhões de reais. Ao avaliarmos a [figura 1] clara relação linear entre a quantidade de procedimentos aprovados e o valor do orçamento repassado, associado à [figura 2B] que mostra um crescimento da incidência relativa de câncer esperado maior que o crescimento relativo do número de procedimentos aprovados, fica claro que o aumento do orçamento refletiu apenas o aumento do número de procedimentos executados anualmente e portanto a [figura 2a] quantifica graficamente a perda de valor econômico do orçamento secundário à inflação ao longo do período.

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Figura 2. (2a) Procedimentos aprovados referentes a produção ambulatorial do SUS em radioterapia comparada com o valor corrigido pela inflação no brasil entre os anos de 1995 até 2015; (2b) Variação da incidência de Câncer e variação na quantidade de procedimento aprovado entre 2010 – 2015.

Também avaliamos se a incidência do câncer nos últimos anos 2010-2015 tem relação e qual modelo explica esta relação matemática para o cálculo do orçamento e quantidade aprovada. Não houve relação e nenhum dos modelos testados se adapta ao incremento de quantidade aprovada por procedimento (p>0.05). A [figura 1B] demostra a relação entre o aumento de incidência de 2010-2015 do câncer no Brasil, segundo dados do INCA e a quantidade de procedimento aprovados no período.


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DISCUSSÃO

O Brasil conta com vários sistemas públicos de informação que visam a coleta e o armazenamento de dados sobre eventos ligados à saúde da população durante o ciclo de vida do indivíduo – do nascimento ao óbito. Esses sistemas são de reconhecida importância para a produção de informações de interesse Epidemiológico, vigilância em saúde, entre outros.(12) A abordagem mostrada no presente trabalho trata--se de uma análise do banco de dados de tratamento realizado em radioterapia do ano de 1995 até 2015 disponibilizado através de uma plataforma digital de acesso público cujo acesso é através do domínio: http://datasus.saude.gov.br, plataforma esta abastecida por fornecedores de serviços em saúde para o Sistema Único de Saúde – SUS, através do qual é realizado o repasse de verba para o pagamento destes serviços, assim minimizando a subnotificação de tratamentos realizados.

Utilizando estes dados em nossa analise fica claro que o Ministério da Saúde nos últimos anos vem promovendo um incremento nos valores tanto de quantidade de procedimentos pagos, quanto de valores orçamentários totais nos últimos anos, à primeira vista parece uma política salutar a de conceder os aumentos, entretanto, tal política só tem impacto nos números brutos, ou seja, não atinge os serviços de radioterapia e não chegam aos pacientes. A explicação para isso é que o gasto anual acompanha somente o aumento da incidência de câncer e portando do número de procedimentos realizados, e não há nenhum reajuste efetivo para o valor por procedimento realizado, causando uma perda de valor real por procedimento devido à desvalorização inflacionária, a despeito do aumento do gasto do governo ([Figura 3]). Como ilustração prática e utilizando a [tabela 1] de procedimento do SUS, o valor do tratamento para um câncer de próstata seria; 144 campos, + 1 planejamento complexo + 2 check films + 4 blocos de colimação e 1 acessório, perfazendo o total de R$ 5120,00. Este valor é cobrado desde 2010 pelos prestadores de serviço, ainda como ilustração se aplicasse o incremento médio de orçamento aprovado de 2010-15 diretamente a tabela da próstata, ou seja, na fonte, o valor da radioterapia seria de R$ 7172,4 em 2015. Além do reajuste dos procedimentos já existentes, é preciso precificar e garantir a utilização dos procedimentos de mais alta tecnologia pelos serviços do SUS, tais como o IMRT E IGRT em situações de benefício claro(13,14), uma vez que isto já é inclusive incorporado ao rol de procedimentos obrigatórios aos convênios e planos de saúde, além de já serem utilizados de forma ampla em países que tem sistemas de saúde pública desenvolvidos como Canadá e Reino Unido.

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Figura 3 – Modelo de que regulamenta a geração de APACS.

Estas tecnologias conseguem entregar a irradiação com maior precisão poupando os órgãos normais de doses desnecessária de radiação, reduzindo efeitos colaterais. Entretanto, para sua realização é necessário um maior número de campos e maior aparato tecnológico e consequentemente investimento financeiro. Assim, com o repasse na fonte, ou seja, procedimentos na tabela, as instituições e prestadores de serviço teriam melhores condições de manter ou aumentar seu parque tecnológico. Além disso, essa forma de repasse estimularia a incorporação de novos esquemas de fracionamento de radioterapia([9],[13]). A adoção de novos esquemas teria impacto na redução de filas de tratamento utilizando esquemas com tempo mais curto e mesma eficácia e segurança, já que para os prestadores de serviço o custo unitário por procedimento aumentaria. Uma situação que ilustra este ganho é o tratamento do câncer de próstata que normalmente é realizado com 40 aplicações diárias pelo esquema convencional que com o esquema hipofracionado pode ser reduzido para 20 aplicações diárias em algumas situações.([13]) Assim, embora em valores brutos ocorra o aumento na quantidade de procedimentos e no orçamento, o não repasse à fonte não agrega qualidade nem incorporação tecnológica para tratar os pacientes.

Uma vez que houve aumento do orçamento, mas o mesmo não chegou às instituições podemos teorizar que muito provavelmente este aumento serviu apenas para adequar à demanda existente, aumentando-se número de campos e procedimento de instituições que já prestam serviço e/ou abertura de alguns novos serviços ([Figura 3]). A priorização do pagamento da radioterapia pela quantidade de campos realizados, não traz melhoria de qualidade para serviços já existentes, e não remunera quem incorpora melhoria de qualidade. Tal fato pode ser comprovado pela não incorporação de nenhum novo procedimento há mais de 10 anos na tabela. Consequentemente, a radioterapia brasileira está desatualizada em temos de utilização de tecnologia, e não há qualquer estimulo para incorporação de novos procedimentos. Se traçarmos um paralelo com a outras áreas da oncologia, o orçamento da oncologia clínica é 3 vezes maior do que o da radioterapia e nos últimos anos houve tanto aumento de orçamento quanto a incorporação de vários novos medicamentos de ponta, para comprovarmos isto, basta citarmos a cobertura do Herceptin (transtuzumab) para o câncer de mama e o Sorafenib para tumores hepáticos no SUS.

Outra questão que merece discussão é: quais variáveis são levadas em consideração para ajustar o modelo e realizar aumentos na quantidade de procedimento e nos valores aprovados no orçamento? Para responder esta questão, testamos duas variáveis que julgamos importantes para o modelo. A primeira delas foi a incidência da doença, que teria relação direta com a quantidade de procedimentos. A segunda foi a inflação que deveria ser levada em consideração para o aumento nos valores. Nossos dados demonstram um aumento maior da incidência de câncer relativo ao aumento da quantidade de procedimentos nos últimos anos. Este fator é extremamente preocupante, pois de 2013 a 2015 na [figura 2b] podemos evidenciar uma diferença média no período ao redor de 2%, isto implica em aproximadamente 10.000 pacientes/ano sem acesso a radioterapia. Por outro lado, o fato da incidência estar maior do que a demanda ofertada de serviço também pode demonstrar que o sistema está saturado, com serviços se retirando do sistema público ou fechando as portas devido aos valores pouco atrativos de mercado. Como resultado, vemos milhares de pacientes experimentando enormes filas, superlotação de máquinas e atrasos para iniciar o tratamento devido falta de reajuste adequado para manutenção do parque tecnológico.([6],[15]) Se levarmos em consideração que a criação de novos serviços leva anos devido a burocracia com licitações e a complexidade das obras, a situação é alarmante.([16]) Consequentemente, o aumento na quantidade de procedimentos aprovados ano a ano nem de longe reflete a necessidade de nossa população se afastando totalmente dos princípios preconizados pelo SUS.([2]) Dados do INCA também corroboram esta hipótese, pois segundo estes dados entre 2000-2010 a incidência de câncer aumentou 414%, e em 20 anos houve um aumento na quantidade de apenas 450%, ou seja, se a incidência fosse utilizada para o planejamento estratégico em radioterapia necessitaríamos, hoje, para não termos filas de no mínimo 2 vezes o número de serviços para atender a demanda de procedimentos de pacientes SUS. Portanto, nossos dados sugerem que a incidência anual e acumulada no período seja incorporada nos cálculos para a aprovação de quantidade de procedimentos e orçamento pelo Ministério da Saúde. Outra pergunta importante é: o modelo de remuneração do Ministério da Saúde nos últimos 20 anos levou ou leva em consideração a inflação para realizar adequações nos valores? Se não, quais as consequências? A [figura 2a] mostra que os valores reajustados nem de longe chegam perto da inflação, e não existe qualquer relação entre elas. As consequências de não se levar estes fatores em consideração é a perda de valor efetivo pelos prestadores de serviços e ou instituições públicas, uma vez que um serviço de radioterapia necessita de uma estrutura complexa com múltiplos profissionais, manutenção, reposição e ou compra de novos aparelhos. Apenas para efeito de cálculo nos últimos anos a radioterapia brasileira teve um déficit de receita acumulado de cerca de R$ 90.000.000,00 segundo nossos dados levando em consideração apenas a inflação acumulada no período de 2010 até 2015; e de aproximadamente de R$ 350.000.000,00 em 20 anos. Apenas para se ter uma ideia do tamanho do impacto desta defasagem, o recente programa de expansão de radioterapia com a aquisição de 80 máquinas pelo governo federal custou aos cofres públicos R$ 119.000.000,00.([17]) Se fizéssemos a correção desde 2010 pela inflação somada ao aumento bruto dado no montante do orçamento teríamos para o câncer de prostata um valor de: 5120 + inflação acumulada + incorporação de novas demandas das normas técnicas. Os valores estão desatualizados do ponto de vista econômico e que os cálculos futuros do orçamento devem levar em consideração aumento da necessidade de tratamentos na população, correção inflacionária ao longo do tempo, e necessidade de incorporação de novas tecnologias, além de renovação dos serviços para sustentabilidade do setor, além de um fator adicional para aumentar atratividade do setor e permitir expansão do parque radioterápico existente.


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CONCLUSÃO

Apesar de nos últimos 20 anos o Ministério da Saúde ter aumentado a quantidade tanto de procedimentos quanto de orçamento para a radioterapia de forma constante e linear, o modelo não atende as necessidades da população brasileira pois não leva em consideração a incidência acumulada de câncer, e ou projetada no período para uma estimativa mais precisa da quantidade de procedimentos necessários. Outro ponto desfavorável é que os valores não levam em consideração a inflação e o aumento executado no orçamento não se traduz em nenhum tipo de correção inflacionário do setor, ou seja, não há qualquer tipo de correção na tabela. Desta forma, o modelo precisa ser revisto urgentemente e a presente análise pode contribuir para correção dos valores do modelo atual, ou uma atualização para mudança de modelo, como por exemplo o de remuneração por agrupamento (cluster), referido no meio médico como “pacotes” para cada código de doença, sendo a inflação e incidência da doença utilizados como ferramentas de ajustes no futuro.


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Conflitos de interesse

não há


Correspondence author:

Felipe Teles de Arruda
R. Prof. Edson dos Santos Nunes, 364, Jardim Cruzeiro – Mairinque - São Paulo, SP. CEP: 18120-00
Brasil   

Publikationsverlauf

Eingereicht: 18. Januar 2017

Angenommen: 23. März 2017

Artikel online veröffentlicht:
25. Februar 2025

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Bibliographical Record
Felipe Teles de Arruda, Gustavo Arruda Viani. Análise de 20 anos do modelo de remuneração do SUS para a radioterapia: precisamos mudá-lo?. Brazilian Journal of Oncology 2017; 13: e-bjo20171344a9.
DOI: 10.26790/bjo20171344a9

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Figura 1. (1a) Quantidade aprovada referente à produção ambulatorial do SUS no Brasil em radioterapia entre os anos de 1995 até 2015; (1b) Valor aprovado (em reais-R$) referente à produção ambulatorial do SUS no Brasil em radioterapia entre os anos de 1995 até 2015.
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Figura 2. (2a) Procedimentos aprovados referentes a produção ambulatorial do SUS em radioterapia comparada com o valor corrigido pela inflação no brasil entre os anos de 1995 até 2015; (2b) Variação da incidência de Câncer e variação na quantidade de procedimento aprovado entre 2010 – 2015.
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Figura 3 – Modelo de que regulamenta a geração de APACS.