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CC BY 4.0 · Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2024; 39(02): 217712352024rbcp0904pt
DOI: 10.5935/2177-1235.2024RBCP0904-PT
Relato de Caso

Linfoma anaplásico de grandes células T associado ao uso de implantes (BIA-ALCL): relato de caso

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1   João XXIII Hospital, Belo Horizonte, MG, Brasil.
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2   Baleia Hospital, Belo Horizonte, MG, Brasil.
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3   José do Rosário Vellano University, Belo Horizonte, MG, Brasil.
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3   José do Rosário Vellano University, Belo Horizonte, MG, Brasil.
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3   José do Rosário Vellano University, Belo Horizonte, MG, Brasil.
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4   Semper Hospital of Belo Horizonte, Belo Horizonte, MG, Brasil.
› Author Affiliations
 

▪ RESUMO

Reconhecido pela Organização Mundial de Saúde em 2016, o linfoma anaplásico de grandes células associado ao implante mamário (BIA-ALCL) é um subtipo incomum de linfoma não Hodgkin de células T, que se desenvolve após a inserção de próteses mamárias. A doença é uma afecção rara que afeta cerca de uma a cada 30.000 pessoas com implante mamário texturizado. As principais manifestações clínicas são o seroma tardio, assimetria mamária, massa e contratura capsular, com frequência mais elevada do primeiro. O explante da prótese com capsulectomia total pode ser suficiente para tratar o ALCL, com ressecções estendidas a locais adjacentes, quando necessário. Entretanto, em alguns casos, é realizada a radioterapia e/ou quimioterapia adjuvante. Conclui-se que, para um diagnóstico precoce e um tratamento efetivo, mulheres com seroma de aparecimento súbito e tardio deverão realizar exames complementares para a exclusão dessa afecção, mesmo com tempo inferior à média de desenvolvimento, que é de cerca de 10,6 anos.


INTRODUÇÃO

Em 1962, Thomas Cronin e Frank Gerow realizaram a primeira cirurgia para a inserção de prótese mamária de silicone. A partir daí, com o crescimento progressivo, mais de 1,5 milhões de mulheres se submetem a mamoplastia de aumento, anualmente, seja por motivos estéticos ou reconstrução[1]. No Brasil, esse procedimento teve um aumento gradual nos últimos 25 anos e, somente em 2011, cerca de 145 mil brasileiras foram submetidas a essa cirurgia[2], [3]. Com isso, o Brasil tornou-se o segundo maior mercado mundial de implantes mamários, atrás dos Estados Unidos[2], [3], [4].

Em 1997, Keech e Creech descreveram o primeiro caso do linfoma anaplásico de grandes células associado ao implante de mama (BIA-ALCL)[5], [6], [7], [8], [9]. Porém, foi reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma entidade oncológica apenas em 2016[5], [7], [8], [9]. A incidência e prevalência do BIA-ALCL é extremamente baixa, sendo que, em 2019, a U.S. Food and Drug Administration (FDA) relatou 573 casos nos Estados Unidos e no mundo, tendo 33 mortes decorrentes desse linfoma[6], [10].

A patogênese do BIA-ALCL não está totalmente esclarecida, porém é descrita como um processo que envolve múltiplos fatores[5], [6], [11]. Uma das teorias encontradas foi de que as próteses texturizadas possuem concavidades, o que resulta em uma superfície ampla e com maior textura. Essa condição aumenta a probabilidade de ocasionar uma resposta inflamatória crônica, favorecendo o desenvolvimento do biofilme[1], [5], [8], [11].

Em decorrência da formação do biofilme, observou-se um crescimento de bactérias gram negativas, Ralstonia spp, no microbioma da cápsula das próteses de pacientes diagnosticadas com BIA-ALCL[5], [12]. Além disso, a evolução para o linfoma ocorre como resultado da transformação maligna das células T envolvidas, associado ao período de progressão da doença, à ativação da resposta imune e à genética da paciente[5].

O BIA-ALCL constitui um desafio médico que requer maior compreensão e atenção, pois o uso de implantes mamários cresce de forma exponencial em todo o mundo, inclusive no Brasil. E, por consequência, a probabilidade de novos casos tende a aumentar[1]. Nesse artigo, descrevemos um caso de uma paciente diagnosticada com BIA-ALCL cinco anos após a implementação da prótese mamária.


RELATO DE CASO

Paciente M.S.S., 54 anos, sexo feminino, leucoderma, comparece à consulta em clínica privada com queixa de flacidez abdominal pós-gestação e mamas de pequeno volume. Paciente sem histórico prévio de câncer na família. Realizou previamente esplenectomia pós-trauma, herniorrafia epigástrica, varizes e duas cesáreas. Possui artrose nos dedos e faz uso de sinvastatina e enalapril ([Figura 1]).

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Figura 1. Pré-operatório.

No dia 02/12/2015 foi submetida a abdominoplastia em âncora e a mamoplastia de aumento, sendo utilizadas próteses de silicone, perfil alto, texturizadas: 275cc à direita e 315cc à esquerda ([Figura 2]). Não houve intercorrências durante ou após a cirurgia. O seguimento pós-operatório foi realizado até 2019, quando recebeu alta ambulatorial.

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Figura 2. Paciente em 2019, com resultado final da cirurgia.

Em 22/10/2020, queixou-se de aumento progressivo de mama direita associado a dor local, com aproximadamente um mês de evolução. No exame físico, não havia sinais característicos de contratura capsular ([Figura 3]). Foi então realizada drenagem de 200ml, de líquido amarelo citrino, guiado por ultrassom, com melhora imediata dos sintomas;

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Figura 3. À esquerda, paciente em momento de alta ambulatorial (2019). À direita, em 2020, paciente com aumento da mama direita.

O material foi encaminhado para citologia oncótica. No primeiro laboratório, a citologia foi negativa. Devido à alta suspeição de malignidade pelo autor sênior, a amostra foi encaminhada a um novo laboratório. Dessa vez, constatou-se citologia oncótica positiva e cultura negativa. Paciente foi imediatamente encaminhada ao oncologista.

Foi realizado um PET-SCAN, que evidenciou áreas de hipercaptação em polo superior e inferior da mama direita, sem acometimento linfonodal ou de metástases a distância ([Figura 4]).

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Figura 4. PET-SCAN.

A paciente concordou em participar do estudo e assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Em dezembro de 2020, foi realizada mastopexia com explante das próteses, bem como ressecção estendida de gordura e do músculo adjacente ([Figura 5]). Durante o procedimento cirúrgico, foi visualizada, na mama direita, uma pseudocápsula periprótese usual, sem sinais de malignidade ([Figura 6]).

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Figura 5. Explante de prótese - intraoperatório.
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Figura 6. Prótese mamária com pseudocápsula.

O estudo anatomopatológico confirmou uma pseudocápsula infiltrada por células linfoides volumosas anaplásicas, sem invasão extracapsular. A imunohistoquímica evidenciou o marcador CD30, CD4, CD3 e TIA-1 positivos e os marcadores ALK-1 e CD20 negativos. Diante disso, foi confirmado se tratar de linfoma anaplásico de grandes células T associado a implante mamário à direita, restrito à pseudocápsula.

Após 3 meses da realização da mastopexia com explante de prótese mamária, foi realizado PET-SCAN de seguimento que não evidenciou mais áreas de hipermetabolismo na mama direita da paciente. Assim, paciente encontrava-se livre de doença localizada ou a distância. A paciente relatou que após a operação apresentou dores nas mamas e equimoses na região lombar, mas que depois de um determinado tempo passaram. As mamas ficaram de tamanhos diferentes e as cicatrizes pós-cirúrgicas a incomodam, e apesar disso afetar sua autoestima, ela ficou feliz com o tratamento médico e a atenção médica durante todo o processo ([Figuras 7] [8] [9] [10]).

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Figura 7. Imagem demonstrando o pós-operatório imediato.
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Figura 8. Imagem demonstrando a cicatrização no pós-operatório de 3 meses.
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Figura 9. Resultado de exame de PET-SCAN.
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Figura 10. Resultado de exame de PET-SCAN.

A doença tem como principais manifestações clínicas o seroma tardio, assimetria mamária, massa e contratura capsular, com frequência mais elevada do primeiro[1]. No caso relatado, a presença de seroma tardio e súbito foi a primeira alteração encontrada.


DISCUSSÃO

O linfoma anaplásico de grandes células associado ao implante mamário (breast implant associated anaplastic large cell lymphoma - BIA-ALCL), é um subtipo raro de linfoma não Hodgkin de células T, caracterizado como CD30 positivo e ALK negativo[5].

A doença é uma afecção rara que afeta cerca de uma pessoa a cada 30.000 com implante mamário. Os implantes de poliuretano e os texturizados estão mais associados à doença devido uma maior área de superfície, o que causa uma reação inflamatória crônica mais intensa com ativação imune mediada por linfócitos Th1 e TM7[1].

O explante da prótese com capsulectomia total pode ser suficiente para tratar o BIA- ALCL, com ressecções estendidas a locais adjacentes, quando necessário. Entretanto, em alguns casos, é realizada a radioterapia e/ou quimioterapia adjuvante, por exemplo, se metástase regional ou a distância[1].

Neste caso foi demonstrado que, para um tratamento efetivo, mulheres com seroma de aparecimento súbito e tardio deverão realizar exames complementares para o diagnóstico o mais precoce possível dessa afecção, mesmo com tempo inferior à média de desenvolvimento, de cerca de 10,6 anos, como neste caso, no qual a doença surgiu em 5 anos[5]. Entre os exames complementares que podem ser úteis no prognóstico da afecção, podemos destacar o PET-SCAN, que evidencia áreas de hipermetabolismo, correspondendo a células cancerígenas.

A importância de conhecer a afecção e a ter em seu leque de hipóteses diagnósticas se faz necessário, mesmo que a maioria de seromas de surgimento tardio sejam benignos. A alta suspeição como no caso retratado, por ser divisor de águas em um tratamento precoce e um tardio, é essencial para a intervenção no momento oportuno e com elevados índices de cura.


CONCLUSÃO

O linfoma anaplásico de grandes células T está associado ao implante mamário, e, apesar de ser uma doença rara, deve ser suspeitado em pacientes pós-mamoplastia de aumento que apresentem sintomas característicos associados. Depreende-se disso, portanto, que, para um diagnóstico precoce e um tratamento efetivo, mulheres com seroma de aparecimento súbito e tardio deverão realizar exames complementares para a exclusão dessa afecção, mesmo com tempo inferior à média de desenvolvimento.



Conflitos de interesse:

não há.

Instituição: Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), Belo Horizonte, MG, Brasil.



*Autor correspondente:

Antônio de Pádua Peppe Neto
Rodovia Papa João Paulo II, 4001, Edifício Gerais 13º and., Cidade Administrativa, Serra Verde, Belo Horizonte, MG, Brasil. CEP: 31630-901

Publication History

Received: 20 November 2023

Accepted: 30 April 2024

Article published online:
20 May 2025

© 2024. The Author(s). This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution 4.0 International License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/)

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Bibliographical Record
ANTÔNIO DE PÁDUA PEPPE NETO, ANDRE LUIZ MONTEIRO DOS SANTOS MARINS, MARIA JÚLIA FRITZEN DAGOSTIN, MARIA JÚLIA CARDOSO FABRIS, BÁRBARA RODRIGUES DE SOUSA STAHL, MARCUS VINÍCIUS MOURÃO MAFRA. Linfoma anaplásico de grandes células T associado ao uso de implantes (BIA-ALCL): relato de caso. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2024; 39: 217712352024rbcp0904pt.
DOI: 10.5935/2177-1235.2024RBCP0904-PT

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Figura 1. Pré-operatório.
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Figura 2. Paciente em 2019, com resultado final da cirurgia.
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Figura 3. À esquerda, paciente em momento de alta ambulatorial (2019). À direita, em 2020, paciente com aumento da mama direita.
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Figura 4. PET-SCAN.
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Figura 5. Explante de prótese - intraoperatório.
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Figura 6. Prótese mamária com pseudocápsula.
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Figura 7. Imagem demonstrando o pós-operatório imediato.
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Figura 8. Imagem demonstrando a cicatrização no pós-operatório de 3 meses.
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Figura 9. Resultado de exame de PET-SCAN.
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Figura 10. Resultado de exame de PET-SCAN.
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Figure 1. Pre-operative.
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Figure 2. Patient in 2019, with final result of surgery.
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Figure 3. On the left, patient being discharged from the outpatient clinic (2019). On the right, in 2020, patient with right breast enlargement.
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Figure 4. PET SCAN.
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Figure 5. Prosthesis explantation - intraoperative.
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Figure 6. Breast prosthesis with pseudocapsule.
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Figure 7. Image demonstrating the immediate postoperative period.
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Figure 8. Image demonstrating healing 3 months postoperatively.
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Figure 9. PET-SCAN exam results.
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Figure 10. PET-SCAN exam results.