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Cirurgia plástica - Mídias sociais - Pessoas famosas - Notícias - Procedimentos de
cirurgia plástica
INTRODUÇÃO
A mudança das normativas de publicidade médica, notavelmente representada pela
recente Resolução CFM nº 2.336/23[1], sinaliza transformação substancial no panorama da prática
médica, particularmente no campo da cirurgia plástica (CP). Tal revisão do
Conselho Federal de Medicina agora permite divulgação mais ampla dos serviços
médicos, como o resultado das intervenções cirúrgicas, cuja presença da cirurgia
estética mostra-se crescente nos meios de comunicação. Assim, tal evento joga
luz, desafiando aprofundamento sobre a relação da especialidade com a esfera
midiática.
De fato, em artigo publicado na Revista Brasileira de Cirurgia Plástica, Coelho
et al.[2] apontam que, além do
reconhecimento da insatisfação para com o corpo e a influência sociocultural
como sendo os fatores mais evidentes que levam as mulheres à cirurgia plástica,
a mídia também se constitui elemento presente nas decisões dessa ordem. Como o
trabalho dos autores avalia esse fenômeno em pacientes femininas que não são
celebridades, pode-se inferir que, naquelas que o são, a influência da mídia
pode ser ainda mais atuante.
Desse modo, desde especulações de intervenções em personalidades famosas até
relatos de experiências costumam ser tópicos em revistas, jornais e redes
sociais. No entanto, mesmo com tamanho desenvolvimento e abrangência,
aparentemente pouco se investigou a conduta desse grupo em relação às CPs. Num
contexto em que as fronteiras entre a esfera clínica e a exposição pública se
tornam cada vez mais permeáveis, a maneira como a popularização da cirurgia
plástica está possivelmente relacionada à aceitação das celebridades e à não
confidencialidade dos procedimentos destaca o comportamento de figuras públicas
na moldagem das percepções sociais acerca da especialidade.
Dado que as mulheres representam 86,3% do total dos recipiendários dos
procedimentos cirúrgicos estéticos no mundo[3], mostra-se legítima a busca de composição de painel
sobre como celebridades femininas se comportam com o fato de tornarem públicas
ou não suas cirurgias plásticas estéticas.
OBJETIVO
Portanto, tem-se como objetivo contribuir para elaboração de painel referencial
constituído por situações reais do modo com que se dá a abordagem por
celebridades femininas de suas cirurgias plásticas publicamente na mídia.
MÉTODO
Trata-se de estudo qualitativo com dados secundários do tipo Ensaio
Descritivo-Analítico. Procedeu-se à coleta de dados “online”,
considerando fontes em língua portuguesa e inglesa. Foram encontradas
publicações relevantes provenientes de três nações diferentes, quais sejam seis
do Brasil, três do Reino Unido e uma dos Estados Unidos da América. Ademais,
utilizaram-se textos escritos em sites, revistas, jornais, além de vídeos longos
e curtos de redes sociais.
RESULTADOS
Ocultando
Durante a “era de ouro” de Hollywood, nos anos 1960, havia dez regras que as
estrelas do cinema eram obrigadas a seguir, dentre as quais se configura a
mudança de aparência, muitas vezes por meio de CPs[4]. Tais modificações eram envoltas de
especulações, visto que famosos da época não costumavam falar abertamente
sobre o tema.
Celebridades, principalmente do sexo feminino, negavam que suas mudanças de
aparência física, ao se comparar o antes e o depois da fama, eram fruto de
intervenções cirúrgicas. Exemplo representativo da ocultação é o da atriz
Marilyn Monroe, a qual nunca confirmou ter realizado CPs. No entanto, 51
anos após sua morte, radiografias comprovaram a realização de enxerto no
queixo, fratura no osso nasal e injeções de silicone nas mamas (um precursor
dos implantes mamários atuais)[5].
Com o início do novo século, percebe-se que o público permaneceu com a ideia
de que pessoas famosas que apareciam em televisão, revistas e recentemente
na Internet eram belas de forma nata. Personalidades famosas do século XXI
ainda se apresentam relutantes em admitir publicamente suas cirurgias
plásticas, embora com notáveis transformações em sua aparência física após a
fama.
Outro exemplo notório de tal fenômeno se passa com a personalidade da mídia
suíça Jocelyn Wildenstein, de 82 anos. Chamada de “mulher gato” por suas
mudanças de fisionomia, a celebridade nega ter feito qualquer procedimento,
mesmo que sua aparência denuncie características típicas de intervenções
cirúrgicas sucessivas[6].
Também, a estrela de “reality show” da televisão estadunidense Kim
Kardashian, de 42 anos, é outro exemplo do referido ocultamento. Nos anos
2010, a influenciadora era noticiada pela mídia por submeter-se ao aumento
de glúteos com o “Brazilian Butt Lift” (BBL); já em 2023,
especulava-se acerca de reversão do BBL por meio de lipoaspiração[7]. Outro caso que ganhou
notoriedade na mídia foi o da atriz Jennifer Lawrence, de 32 anos, a qual
também foi alvo de especulações. Após mudanças em sua fisionomia e a
nomeação em 2011 como uma das pessoas mais bonitas do mundo pela revista
People Magazine, ela confirmou, em 2012, os boatos acerca de rinoplastia
antes ocultada no passado[8].
Desvelando
Diferentemente de celebridades como a personalidade da televisão e a atriz,
há aquelas que expõem abertamente seus procedimentos cirúrgicos. Nesse
sentido, a cantora Anitta, em 2013, decidiu revelar sua primeira rinoplastia
ao receber o prêmio Melhores do Ano no programa Domingão do Faustão, da Rede
Globo, com curativo no nariz[9]. Em tal episódio, como a CP ainda era assunto que não
costumava ser tratado tão abertamente, ao não se esconder o processo de
recuperação, a audiência do programa reagiu de forma negativa[10]. A artista pareceu não se
importar com as críticas e manteve-se na posição de não ocultar suas
intervenções estéticas.
No Brasil, outras personalidades famosas também começaram a tratar o assunto
com maior transparência, a exemplo da apresentadora Xuxa Meneghel, de 60
anos, que contou suas experiências com mamoplastias: a primeira em 2000, com
prótese de 230ml, e a segunda em 2016, com redução para próteses com
140ml[11].
Ademais, o conceito de celebridade, no passado, limitava-se a pessoas
conhecidas por ocuparem lugar de destaque como em cinema, programas de
televisão, novelas, e peças de teatro. Na contemporaneidade, com a
relevância das redes sociais, percebe-se que surgiram personalidades famosas
do meio virtual, como as influenciadoras digitais.
Tornou-se comum a postagem de vídeos no YouTube de pacientes documentando a
própria experiência com determinada cirurgia plástica. A maquiadora Mari
Maria, de 30 anos, cujo canal tem 10,5 milhões de inscritos, elaborou uma
série na plataforma relatando os processos de pré e pós-cirúrgico de sua
rinoplastia, que contabiliza 2,6 milhões de visualizações no vídeo mostrando
o dia da intervenção[12].
Nas imagens de 2018, são compartilhados com o público registros logo após o
procedimento, com a influenciadora ainda debilitada.
Nesse sentido de maior popularização e liberdade de relatos, há movimento
similar de usuários do TikTok. Perfis com bastante engajamento publicam
vídeos curtos contando a vivência e tirando dúvidas dos seguidores a
respeito. A influenciadora Dylan Mulvaney, com 10,6 milhões de seguidores na
rede social, narrou o seu processo de afirmação de gênero para o sexo
feminino, explicando como ocorreram suas sucessivas cirurgias, tais como
rinoplastia, mentoplastia e frontoplastia. Em publicação de 2022 com 17,5
milhões em audiência, por exemplo, a influenciadora mostra conversa com seu
cirurgião plástico sobre a cirurgia de feminização facial[13].
DISCUSSÃO
Evidências consistentes indicam que no passado a Cirurgia Plástica restringiase a
contribuir à recuperação da qualidade de vida de pacientes por meio de
procedimentos reconstrutivos, percebendo-se mudança no direcionamento da
especialidade com o passar dos anos. Nesse sentido, Censo de 2018 da Sociedade
Brasileira de Cirurgia Plástica[14] mostra o predomínio de intervenções estéticas em relação às
reparadoras, dado que, no período de 2009 a 2018, a cirurgia estética superou em
359.029 a quantidade de procedimento reparadores em 2018 no Brasil.
Além disso, no que se refere ao crescimento da especialidade, foi relatado
aumento de 177,1% nesses dez anos de análise, com incialmente 629.000
procedimentos em 2009 e 1.742.861 em 2018[14]. Desse modo, a cirurgia plástica cresceu como
especialidade com a popularização das intervenções estéticas, processo
possivelmente influenciado pela mudança de comportamento das celebridades em
revelar suas cirurgias publicamente.
Lima et al.[15], em estudo
publicado nesta revista, destacam que, de fato, o conceito de CP veiculado na
mídia está diretamente associado a ganhos estéticos. Os autores chegaram à
conclusão de que das 1.983 notícias que abordavam CPs analisadas na imprensa
brasileira, 68,94% foram classificadas com foco na estética, enquanto 21,33% na
área reparadora.
Ademais, da ocultação ao desvelamento, é observado que, na atualidade, muitas
celebridades expõem abertamente seus procedimentos. Tal alteração de
comportamento observada pode promover a afirmação da cirurgia plástica, dado que
contribui para desmistificar e popularizar os procedimentos. Igualmente, é
possível inferir que, ao passo que elas começaram a relatar seus procedimentos
estéticos, a CP ganhou mais presença na mídia.
Por fim, no que se refere às limitações do trabalho, parece que, contribuindo
contrariamente ao aqui amealhado, pode ser identificada carência de estudos
científicos que relacionem a cirurgia plástica com pacientes em exposição na
mídia. Nas bases de dados como SciELO, PubMed e LILACS, foi encontrado único
artigo sobre essa discussão, o já citado de Lima et al.[15]. Desse modo, tal escassez
aponta para a procedência de se produzirem mais estudos sobre a matéria, que
ampliam esta exploração presente.
CONCLUSÃO
Pode-se afirmar, portanto, que são registradas três importantes mudanças que
parecem articuladas entre si. A primeira diz respeito à popularização da
cirurgia estética. Percebe-se também a transição da conduta de personalidades
famosas acerca de suas cirurgias plásticas, saindo do ocultamento em direção ao
desvelamento. Releva-se que o noticiar de tal mudança teria se associado a maior
presença da cirurgia plástica na mídia, contribuindo para a divulgação da
especialidade.
Bibliographical Record
LUCAS MONTEIRO CHAVES, ISABELLA WUILLAUME MARINO, AGUINALDO GONÇALVES. A cirurgia
plástica e a mudança de comportamento de celebridades: Ocultando e desvelando. Revista
Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2024;
39: 217712352024rbcp0924pt.
DOI: 10.5935/2177-1235.2024RBCP0924-PT