Palavras Chave
epidemiologia - traumatismo raquimedular
Introdução
A lesão medular traumática compreende as lesões dos componentes da coluna vertebral
em qualquer porção que contenha a medula vertebral.[1] Pode resultar em disfunção motora, sensitiva, esfincteriana e autonômica abaixo
da lesão. A avaliação da lesão neurológica é estabelecida pela escala de Frankel,
sendo graduada em lesão completa, incompleta e função normal.[2] A severidade da lesão é classificada como completa ou incompleta, de acordo com
as normas estabelecidas pela American Spinal Cord Injury Association (ASIA), sendo
a lesão completa correspondente à ausência total das funções motora e sensitiva abaixo
do nível da lesão.[3]
As complicações do trauma raquimedular (TRM) incluem problemas pulmonares, espasmos,
dor, infecções do trato urinário, dentre outros, sendo que a causa mais comum de óbito
nesses pacientes é a pneumonia.[4]
[5] Diversos estudos apontam que a infecção do trato urinário é a complicação mais comum,
seguida de dor e espasmos.[3] A prevalência de dor após TRM varia consideravelmente, sendo evidenciada em cerca
de metade a dois terços dos pacientes.[5]
O TRM não apresenta notificação dos casos; entretanto, estima-se que a incidência
anual seja de 21 pacientes por milhão habitantes.[6] Em países em desenvolvimento, a incidência é de 25,5 casos por milhão a cada ano.[7] O sexo masculino é globalmente o mais acometido,[7]
[8] correspondendo a 82,8% de todos os casos. A idade média é de 32,4 anos, considerando-se
os países em desenvolvimento.[7] Ao acometer pessoas jovens e economicamente ativas, o TRM acaba interrompendo a
plena atividade profissional do indivíduo no auge do potencial de ganho econômico,
gerando um alto custo para a sociedade.[7]
[9]
As duas principais causas de TRM em estudos internacionais são acidentes automobilísticos
e quedas (41,4 e 34,9%, respectivamente), seguidos de violência e de acidentes esportivos.[7]
[10] Estudos nacionais destoam das estatísticas clássicas, apresentando a arma de fogo
no segundo lugar entre as causas de TRM, seguida de quedas e ferimentos por arma branca.[9]
O tempo propício para intervenção cirúrgica após TRM ainda é assunto controverso.
Diversos estudos não demonstram clara melhora no prognóstico neurológico; porém, há
evidência de segurança clínica na realização cirúrgica precoce.[11]
[12]
[13]
[14]
Os dados epidemiológicos do país atualmente disponíveis são relativamente escassos
e conflitantes com a literatura.[9]
[15] Dessa forma, temos como proposta avaliar o perfil epidemiológico dos pacientes com
TRM submetidos a procedimento cirúrgico no estado do Espírito Santo.
Materiais e Métodos
Estudo transversal e descritivo, baseado na análise de setenta prontuários de pacientes
submetidos a procedimento cirúrgico em decorrência de TRM no estado do Espírito Santo,
no período de fevereiro de 2011 a fevereiro de 2015.
Os pacientes selecionados foram admitidos em diversos hospitais particulares e públicos
do estado do Espírito Santo, e encaminhados via central de regulação de leitos ou
por demanda espontânea. Foram analisadas variáveis como: idade, sexo, procedência
do paciente, nível da fratura, nível neurológico, mecanismo de trauma, complicações
nos primeiros 60 dias após a cirurgia.
Os dados foram coletados e distribuídos em projeções no programa Excel (Microsoft™)
para avaliação da distribuição de cada dado analisado, sendo considerados porcentagem
e números absolutos de acometimento de cada evento analisado.
Resultados
Foram analisados setenta prontuários, dos quais 79% corresponderam a pacientes do
sexo masculino (n = 55). A idade média foi de 44 anos, variando de 14 a 75 anos. Jovens (20-24 anos)
constituíram 32% dos casos, seguidos por adultos (31-59 anos), 28%; adultos jovens
(25-30 anos), 20%; adolescentes (10-19 anos), 12%; e idosos (mais de 60 anos), 8%
dos casos ([Tabela 1]).
Tabela 1
Idade (anos)
|
Classificação (Ministério da Saúde)
|
%
|
10–19*
|
Adolescente
|
12
|
20- 24*
|
Jovem
|
32
|
25–30*
|
Adulto jovem
|
20
|
31–59*
|
Adulto
|
28
|
> 60*
|
Idoso
|
08
|
Dentre os mecanismos de trauma, o acidente automobilístico representa 44% do total.
Em segundo lugar, os ferimentos por arma de fogo (FAF), 27% dos casos. Quedas e mergulhos
ocupam terceiro e quarto lugares, respectivamente ([Tabela 2]).
Tabela 2
Mecanismo de lesão
|
Total de pacientes (70)
|
%
|
FAF*
|
19
|
27
|
Acidente automobilístico
|
31
|
44
|
Queda
|
15
|
22
|
Mergulho
|
5
|
7
|
Metade dos pacientes do estudo apresentou lesão em região cervical, e 26% deles, em
região toracolombar. O segmento torácico foi o terceiro mais acometido, e o lombar
estava presente em apenas 4% dos casos ([Tabela 3]).
Tabela 3
Nível de lesão
|
Total de pacientes (70)
|
%
|
Cervical
|
35
|
50
|
Torácico
|
14
|
20
|
Toracolombar*
|
19
|
26
|
Lombar
|
2
|
4
|
De acordo com a escala de Frankel, 46% dos pacientes foram classificados como Frankel
A. Frankel C foi o segundo mais frequente, com 19 casos, seguido de Frankel E, B e
D, com nove, oito e dois casos, respectivamente ([Tabela 4]).
Tabela 4
Frankel
|
Total de pacientes (70)
|
%
|
A
|
32
|
46
|
B
|
8
|
11
|
C
|
19
|
27
|
D
|
2
|
3
|
E
|
9
|
13
|
Nos primeiros 60 dias após a cirurgia, os pacientes foram analisados quanto à presença
de complicações. Dos setenta pacientes, 36 apresentaram complicações durante esse
período. A mais frequente foi a infecção do trato urinário (ITU), com 18 casos, seguida
pela presença de úlcera de pressão, com dez. Quatro pacientes desenvolveram pneumonia,
e um teve complicações cardíacas. Três pacientes apresentaram associação de ITU e
escara durante os 2 primeiros meses após a cirurgia ([Tabela 5]).
Tabela 5
Complicações clínicas ≤ 60 dias após cirurgia
|
Total de pacientes (70)
|
ITU*
|
18
|
Úlcera de pressão
|
10
|
Pneumonia
|
4
|
Cardíacas
|
1
|
ITU e escara
|
3
|
Quanto à procedência, 35 pacientes provinham da região metropolitana. Os demais, da
região central (18 pacientes), região sul (4 pacientes) e região norte (7 pacientes).
Seis pacientes procediam de outros estados ([Tabela 6]).
Tabela 6
Procedência do paciente
|
Total de pacientes (70)
|
%
|
Região metropolitana
|
35
|
50
|
Região central
|
18
|
25
|
Região do sul
|
4
|
5
|
Região do norte
|
7
|
11
|
Outro estado
|
6
|
9
|
Discussão
O TRM é uma doença que apresenta potencial devastador não só para pacientes e familiares,
mas também para a economia, visto que existe enorme custo financeiro em saúde.[15]
A adequada análise de distribuição e prevalência do TRM é de suma importância para
o planejamento e elaboração de estratégias de abordagem ao politraumatizado, e de
medidas de esclarecimento populacional.
Neste estudo, a proporção de pacientes do sexo masculino foi predominante (79%), estando
de acordo com dados da literatura.[7]
[8]
[9]
[15]
[16] A média da idade mais acometida, considerando análise de países em desenvolvimento,
corresponde a 32,4 anos[7] já a média encontrada neste estudo, realizado no estado do Espírito Santo, foi superior:
44 anos. Entretanto, considerando a classificação do Ministério da Saúde, ambas estão
dentro da faixa etária dos adultos (31-59 anos).
A fratura cervical foi o nível mais encontrado (50%), sendo similar ao encontrado
em estudos nacionais e internacionais.[8]
[9]
[17] Cerca de 4,5% dos pacientes em um estudo apresentaram mais de uma fratura em diferentes
níveis medulares.[18] Assim, devido à grande frequência de fraturas cervicais e seu grande impacto no
quadro neurológico e qualidade de vida dos pacientes, a proteção da coluna cervical
no atendimento inicial aos pacientes torna-se imprescindível.
Em relação à severidade do déficit neurológico, a maioria dos pacientes (46%) foi
classificada como Frankel A, devido à ausência de qualquer função motora ou sensitiva
abaixo da lesão. Este quadro neurológico também foi observado em estudos nacionais.[15]
As duas principais causas de TRM neste estudo (acidentes automobilísticos e ferimento
por arma de fogo) são semelhantes às encontradas na análise epidemiológica de dados
nacionais.[9] Entretanto, esse resultado difere dos números internacionais, nos quais as quedas
correspondem ao segundo lugar.[7]
[10] Nos países desenvolvidos a proporção de trauma por acidentes automobilísticos encontra-se
estável com tendência a redução, sendo tal fato justificado, em parte, pela melhor
infraestrutura e maior segurança proporcionada pelos seus veículos automotivos.[19]
Dentre as complicações, a mais frequentemente encontrada foi a infecção do trato urinário
(ITU), presente em 26% dos casos com complicações, resultado similar ao relatado em
diversos estudos internacionais.[3] Pagliacci et al. sugerem que 53,7% dos pacientes com TRM apresentaram complicações
urológicas nos primeiros 6 meses do trauma.[20]
A procedência dos pacientes foi avaliada de acordo com a divisão macrorregional do
Espírito Santo,[21] sendo que a maioria dos pacientes operados com lesão medular traumática (75%) provinha
da região metropolitana e da região central do estado ([Tabela 6]). A região sul apresentou menor encaminhamento, provavelmente pela proximidade da
cidade do Rio de Janeiro. Destaca-se o fato de que 9% dos pacientes provinham de outro
estado (região sul da Bahia), pois acredita-se que a cidade de Vitória seja o centro
de referência mais próximo desses pacientes.
Conclusão
Os pacientes submetidos a procedimento cirúrgico por TRM no estado do Espírito Santo
são predominantemente homens, com idade média de 44 anos, lesão da coluna cervical
por acidente automobilístico, classificados como Frankel A, e provenientes da região
metropolitana. A principal complicação apresentada foi a infecção do trato urinário.