CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2023; 58(06): e952-e956
DOI: 10.1055/s-0040-1722585
Relato de Caso | Case Report

Hemangioma intraósseo difuso agressivo: Relato de caso

Article in several languages: português | English
1   Médico ortopedista, Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital São Lucas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
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1   Médico ortopedista, Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital São Lucas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
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1   Médico ortopedista, Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital São Lucas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
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1   Médico ortopedista, Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital São Lucas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
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1   Médico ortopedista, Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital São Lucas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
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Resumo

O hemangioma vertebral, um tumor vascular benigno, geralmente é assintomático e descoberto incidentalmente em exames de imagem. Quando sintomático, a apresentação mais frequente ocorre sob a forma de dorsalgia vaga de início insidioso e, em raros casos, pode estar associado a compressão radicular ou medular, causando déficit sensitivo e motor. Os autores relatam o caso de um homem de 33 anos, previamente hígido, com diagnósticos de hemangioma na coluna torácica em múltiplos níveis, no esterno, na escápula e nos arcos costais; todas as lesões eram sintomáticas e houve necessidade de intervenção cirúrgica, sendo que uma das lesões ao nível da coluna torácica evoluiu com compressão medular e déficit neurológico agudo, com necessidade de intervenção cirúrgica de urgência. Os hemangiomas intraósseos representam < 1% de todos os tumores ósseos, e a apresentação multifocal no esqueleto axial e apendicular apresenta poucos relatos. Na revisão bibliográfica, não foi encontrado outro caso de hemangioma intraósseo multifocal agressivo com tal apresentação, inclusive com sintomas neurológicos associados em um mesmo caso.


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Introdução

O hemangioma é uma lesão benigna, do grupo das lesões vasculares, constituída por vasos sanguíneos neoformados. Algumas dessas lesões são malformações, enquanto outras, em virtude do crescimento com características de neoplasia, são consideradas verdadeiros tumores benignos.[1] As localizações mais comuns dos hemangiomas são o crânio, onde podem produzir a imagem clássica em "raios de sol", e o esqueleto axial, geralmente sem nenhuma sintomatologia clínica.[1] Na maioria das vezes, os hemangiomas não necessitam de tratamento, mas sim de seguimento periódico.

A idade média dos pacientes é de 40 anos, sendo mais frequente em mulheres, na proporção de 3:2. [1] [2] Na radiografia simples, os hemangiomas caracterizam-se por apresentar trabeculados verticais paralelos nos corpos vertebrais. A tomografia computadorizada (TC) revela a presença de trabéculas espessas e áreas radiotransparentes, e a ressonância magnética (RM) é altamente sensível e específica, apresentando sinais hiperintensos em T1 e T2. [1] [3]

Descrevemos um caso raro de hemangiomatose agressiva em um paciente jovem a fim de demonstrar a apresentação clínica, os exames de imagem, bem como a evolução do paciente com o tratamento realizado. Por fim, alertamos para o diagnóstico de hemangioma como diagnóstico diferencial em lesões ósseas múltiplas e, também, agressivas.


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Relato de Caso

Paciente do sexo masculino, 33 anos, metalúrgico, previamente hígido, com história de dorsalgia crônica sem irradiação, RM de coluna torácica prévia com achado sugestivo de hemangioma em T2, T3, T4, T9 e L1 ([Fig. 1]). O paciente evoluiu com piora da dorsalgia e irradiação bilateral para os membros inferiores. O paciente foi submetido a uma nova RM após a piora dos sintomas, ∼ 1 ano após o primeiro exame, sendo visualizado um aumento da lesão prévia em T3 com invasão do canal medular, ocasionando compressão medular ([Fig. 2]); o paciente foi então encaminhado ao nosso serviço.

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Fig. 1 Corte sagital de ressonância magnética da coluna dorsal demonstrando hemangiomas nos níveis T2,T3,T4,T9 e L1.
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Fig. 2 Corte sagital de ressonância magnética (A,B e C) demonstrando aumento das dimensões da lesão no nível de T3 com invasão do canal medular; Corte axial (D,E e F) ao nível da lesão evidenciando dismorfismo medular e compressão do canal medular.

Ao exame, o paciente apresentava parestesia dos membros inferiores, clônus presente e marcha atáxica. Devido à agressividade da lesão e aos sintomas neurológicos agudos, foram indicadas internação hospitalar e intervenção cirúrgica. Foi realizada descompressão medular associada a artrodese do segmento T2-T5. Constatou-se hemangioma do corpo vertebral pelo exame anatomopatológico. O paciente foi submetido a 20 sessões de radioterapia após a cirurgia e manteve acompanhamento semestral com boa evolução.

Os outros hemangiomas dos corpos vertebrais descritos se mantiveram com tratamento conservador e acompanhamento com exames de imagem, uma vez que não apresentaram crescimento nem sintomas ([Fig. 3]).

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Fig. 3 Corte sagital (A) e axial (B) de ressonância magnética demonstrando hemangioma nodular no nível de T9.

Dois anos mais tarde, o paciente apresentou queixa de dor importante em arcos costais à direita, realizado radiografia sem particularidades. Foi solicitada uma cintilografia óssea, a qual apresentou captação nos 4° e 6° arcos costais à direita. Foi realizado complemento com RM e TC, e foi indicada a ressecção dos hemangiomas dos 4° e 6° arcos costais à direita, confirmados por exame anatomopatológico ([Fig. 4A]).

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Fig. 4 Reconstrução por tomografia computadorizada (A) com hemangioma nos 4° e 6° arcos costais; tomografia computadorizada do esterno (B) demonstrando lesão inicial.

Durante o seguimento, 3 anos após a intervenção ao nível dos arcos costais, o paciente apresentou dor no ombro à direita. Foi realizada uma investigação, a qual diagnosticou uma lesão em escápula à direita ([Fig. 5]). Foi indicada ressecção, com o laudo anatomopatológico resultando em outro hemangioma.

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Fig. 5 Ressonância magnética, corte axial (A), coronal (B) e sagital (C) da escápula com lesão expansiva.

No mesmo ano, o paciente apresentou queixa de dor torácica anterior, inclusive procurando atendimento de emergência devido à intensidade dos sintomas. Foi realizada uma RM, a qual apresentou uma lesão no esterno ([Fig. 4B]). Foi indicada a ressecção, o material foi enviado para exame anatomopatológico e foi confirmado novo hemangioma.


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Discussão

A apresentação difusa do hemangioma intraósseo é incomum e, quando relatada, costuma se apresentar em uma região, como em vários corpos vertebrais, mas não costuma se distribuir em diferentes sítios do corpo. [1] [4]

As localizações mais comuns dos hemangiomas são o crânio e o esqueleto axial. Na coluna, a localização torácica é mais comum nas regiões média e inferior, seguidas da região lombar, ocorrendo mais raramente na região cervical. [1] [2]

O tratamento do hemangioma intraósseo depende dos sintomas em cada região afetada.[4]

A maioria dos hemangiomas vertebrais é latente e não requer especificidades no tratamento; poucos casos evoluem com sintomas, sendo que, quando presentes, costumam se limitar à presença de dor. Contudo, em raros casos, hemangiomas podem se apresentar agressivos, com déficit neurológico decorrente de compressão medular.[1] [2] [5] [6] [7] [8]

A forma evolutiva do presente caso demonstra lesões difusas, em paciente masculino, sintomáticas, agressivas e não concomitantes, com surgimento de novos hemangiomas durante o seguimento, não passíveis de tratamento conservador.

As modalidades terapêuticas são amplas: radioterapia, embolização arterial, ligadura dos vasos nutrientes, cirurgia decompressiva para coluna e ressecção do tumor. [8] [9] Nos casos de compressão medular, cirurgia decompressiva seguida ou não de radioterapia tem sido o tratamento de escolha. [3] [10] As opções de tratamento podem ser usadas isoladamente ou associadas [9], variando conforme os sintomas, a evolução do caso e dependendo da experiência do médico assistente. [1]

A vertebroplastia também é descrita como modalidade terapêutica para melhorar os sintomas de dor nos casos sem déficit neurológico, mas com menor benefício a longo prazo no alívio da dor.[10]

A radioterapia pode ser utilizada no tratamento dos hemangiomas vertebrais de forma exclusiva ou associada à cirurgia.[5]

Quadros associados a dorsalgia e sem déficits neurológicos podem ser conduzidos mediante observação periódica e tratamento clínico. Em casos refratários, radioterapia exclusiva pode ser uma opção para controle da dor através da necrose vascular e/ou um efeito anti-inflamatório.[5]


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Conflito de Interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Suporte Financeiro

Este estudo não recebeu qualquer financiamento específico de agências públicas, comerciais ou sem fins lucrativos.


Estudo desenvolvido na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.


  • Referências

  • 1 Oliveira RP, Rodrigues NR, França AF. et al. Relato de quatro casos de hemangioma de coluna vertebral com evolução atípica. Rev Bras Ortop 1996; 31 (02) 119-124
  • 2 Sari H, Uludag M, Akarirmak U, Ornek NI, Gun K, Gulsen F. Aggressive vertebral hemangioma as a rare cause of myelopathy. J Back Musculoskeletal Rehabil 2014; 27 (02) 125-129
  • 3 Castro DG, Lima RP, Maia MAC. et al. Hemangioma vertebral sintomático tratado com radioterapia exclusiva: relato de caso e revisão da literatura. Radiol Bras 2002; 35 (03) 179-181
  • 4 Yao K, Tang F, Min L, Zhou Y, Tu C. Multifocal intraosseous hemangioma: A case report. Medicine (Baltimore) 2019; 98 (02) e14001
  • 5 Jiang L, Liu XG, Yuan HS. et al. Diagnosis and treatment of vertebral hemangiomas with neurologic deficit: a report of 29 cases and literature review. Spine J 2014; 14 (06) 944-954
  • 6 Chen HI, Heuer GG, Zaghloul K, Simon SL, Weigele JB, Grady MS. Lumbar vertebral hemangioma presenting with the acute onset of neurological symptoms. Case report. J Neurosurg Spine 2007; 7 (01) 80-85
  • 7 Dickerman RD, Bennett MT. Acute spinal cord compression caused by vertebral hemangioma. Spine J 2005; 5 (05) 582-584 , author reply 584
  • 8 Hu W, Kan SL, Xu HB, Cao ZG, Zhang XL, Zhu RS. Thoracic aggressive vertebral hemangioma with neurologic deficit: A retrospective cohort study. Medicine (Baltimore) 2018; 97 (41) e12775
  • 9 Delabar V, Bruneau M, Beuriat PA. et al. [The efficacy of multimodal treatment for symptomatic vertebral hemangiomas: A report of 27 cases and a review of the literature]. Neurochirurgie 2017; 63 (06) 458-467
  • 10 Acosta Jr FL, Dowd CF, Chin C, Tihan T, Ames CP, Weinstein PR. Current treatment strategies and outcomes in the management of symptomatic vertebral hemangiomas. Neurosurgery 2006; 58 (02) 287-295 , discussion 287–295

Endereço para correspondência

Monique Alves
Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Av. Ipiranga, 6690, Jardim Botânico, Porto Alegre, RS, 90610-000
Brasil   

Publication History

Received: 15 August 2020

Accepted: 02 October 2020

Article published online:
19 April 2021

© 2021. Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution License, permitting unrestricted use, distribution, and reproduction so long as the original work is properly cited. (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/)

Thieme Revinter Publicações Ltda.
Rua do Matoso 170, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20270-135, Brazil

  • Referências

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Fig. 1 Corte sagital de ressonância magnética da coluna dorsal demonstrando hemangiomas nos níveis T2,T3,T4,T9 e L1.
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Fig. 2 Corte sagital de ressonância magnética (A,B e C) demonstrando aumento das dimensões da lesão no nível de T3 com invasão do canal medular; Corte axial (D,E e F) ao nível da lesão evidenciando dismorfismo medular e compressão do canal medular.
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Fig. 3 Corte sagital (A) e axial (B) de ressonância magnética demonstrando hemangioma nodular no nível de T9.
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Fig. 4 Reconstrução por tomografia computadorizada (A) com hemangioma nos 4° e 6° arcos costais; tomografia computadorizada do esterno (B) demonstrando lesão inicial.
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Fig. 5 Ressonância magnética, corte axial (A), coronal (B) e sagital (C) da escápula com lesão expansiva.
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Fig. 1 Sagittal section column magnetic resonance imaging demonstrating hemangiomas at the T2,T3, T4, T9 and L1 levels.
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Fig. 2 Magnetic resonance imaging, sagittal section (A,B and C) demonstrating an increase in the dimensions of the lesion at the T3 level with invasion of the medullary canal; axial section (D,E and F) at the level of the lesion evidencing medullary dysmorphism and compression of the medullary canal.
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Fig. 3 Sagittal (A) and axial (B) magnetic resonance imaging cutting demonstrating nodular hemangioma at the T9 level.
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Fig. 4 Computed tomography reconstruction (A) with hemangioma in the 4th and 6th costal arches; computed tomography of the sternum (B) demonstrating the initial injury.
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Fig. 5 Axial (A), coronal (B) and sagittal (C) cuts in magnetic resonance imaging of the scapula with an expansive lesion.