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DOI: 10.1055/s-0041-1726068
Luxação intraprotética precoce de artroplastia total do quadril com implante de dupla mobilidade: Relato de caso
Artikel in mehreren Sprachen: português | EnglishResumo
A artroplastia total do quadril (ATQ) é uma cirurgia bem-sucedida no tratamento da dor no quadril, mas existem complicações potenciais, das quais a luxação é uma das mais comuns. O gerenciamento das luxações é um problema desafiador que requer uma abordagem multimodal, e o uso de implantes de mobilidade dupla é uma opção. Apresentamos uma paciente com história de fratura do colo do fêmur que foi submetida a ATQ com um implante de dupla mobilidade. No 18° dia pós-operatório, após queda ao solo, a paciente evoluiu com luxação da prótese e teve uma complicação após redução fechada, uma luxação intraprotética subsequente. Após um diagnóstico radiográfico, a paciente apresentou sinais mecânicos na flexão do quadril causados por um implante de mobilidade dupla desassociado. A cirurgia de revisão foi indicada, mas a paciente optou por não realizar o procedimento cirúrgico necessário. O estudo pós-operatório cuidadoso das radiografias revelou uma cabeça femoral excêntrica e evidências do implante desassociado nos tecidos moles circundantes. As radiografias após a redução fechada das luxações intraprotéticas devem ser examinadas minunciosamente.
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Introdução
A instabilidade é uma das mais temidas complicações da artroplastia do quadril, correspondendo a entre 0,2 e 7% das artroplastias primarias e a 25% nos casos de revisão.[1]
Na década de 1970, Giles Bousquet, visando reduzir este índice, desenvolveu o conceito de dupla mobilidade. Este consiste em duas articulações, uma maior entre o liner de polietileno e a cúpula acetabular metálica e outra menor entre a cabeça femoral e o liner de polietileno, aumentando o raio entre a cabeça e o colo e a distância para impacto entre o colo e a borda acetabular, reduzindo as taxas de luxação neste tipo de prótese.[2]
Neste implante, a luxação intraprotética (dissociação entre a cabeça femoral e o polietileno) precoce é extremamente rara, com poucos casos descritos. As causas de luxação intraprotética precoce são a montagem inadequada dos componentes e a luxação ou redução forçada. Outras causas são o bloqueio extrínseco do revestimento de polietileno ou desgaste do polietileno (debris comprometeriam o acoplamento dos dois rolamentos) que ocorre anos após o procedimento, não sendo comum na luxação precoce.[3]
O reconhecimento radiográfico da luxação intraprotética após a redução pode ser difícil, porque a cabeça do componente femoral pode estar localizada dentro da taça acetabular metálica, enquanto o componente de polietileno é deslocado. Sinais radiográficos de uma luxação intraprotética incluem a excentricidade da cabeça femoral no interior do acetábulo metálico e a presença de um “sinal de bolha” na radiografia de pós-redução, que representa o polietileno.[4] O reconhecimento imediato é essencial para o planejamento da redução aberta e troca do liner de polietileno.
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Relato de Caso
Paciente do sexo feminino, 85 anos, com história de queda ao solo, atendida na emergência com dor no quadril, encurtamento e rotação externa no membro inferior esquerdo. O exame radiográfico revelou o diagnóstico de fratura do colo do fémur esquerdo, AO 31B1.1 ([Fig. 1a-b]).
A paciente foi submetida a artroplastia total do quadril (ATQ) esquerdo com implante de dupla mobilidade (Medacta). Utilizou-se liner de polietileno de dupla mobilidade 48/28, haste femoral não cimentada tamanho 1, cabeça femoral metálica de 28 mm, é cúpula acetabular de 48 mm não cimentada. Foi realizado acesso posterolateral com reparo capsular e dos rotadores curtos.
A escolha da prótese de dupla mobilidade ocorreu por conta dos fatores de risco para instabilidade: idade > 75 anos, flexibilidade, hipermobilidade, vida ativa, sexo feminino.[5]
O liner de polietileno foi acoplado apropriadamente na cabeça metálica com material específico e testado antes de ser implantado. Testes de estabilidade e radiografias de controle intraoperatórios foram realizados, confirmando o bom posicionamento dos implantes e a estabilidade do quadril ([Fig. 2a-b]).
No 18° dia pós-operatório, a paciente, após queda ao solo, foi atendida na emergência com queixa de dor no quadril esquerdo. Radiografias do quadril evidenciaram luxação posterosuperior da prótese ([Fig. 3]).
A redução fechada foi realizada com sedação (propofol), utilizando a manobra de redução de Allis apud Waddell et al.[6] e controle radiográfico. A paciente retornou ao ambulatório no 7° dia após a redução em bom estado geral, sem limitação funcional, queixando-se apenas de crepitação na região posterior do quadril esquerdo. As radiografias pós-redução evidenciaram congruência entre a cabeça femoral e a cúpula acetabular, porém observa-se excentricidade da cabeça femoral na cúpula metálica acetabular ([Fig. 4]). Observa-se também uma opacidade circular (sinal da bolha) superolateralmente. Uma tomografia computadorizada (TC) revela o componente de polietileno no aspecto posterosuperior do quadril ([Fig. 5]).
Paciente em acompanhamento ambulatorial. Consegue realizar todas as atividades do cotidiano sem limitação funcional. A única queixa era o crepitar do polietileno, que melhorou em ∼ 60 dias. A paciente não apresentou outros episódios de luxação. Por conta da ausência de sintomas e risco cirúrgico elevado (insuficiência renal crônica e cardiopatia grave), tanto a paciente quanto o clínico responsável optaram por não realizar a cirurgia de revisão.
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Discussão
No nosso caso, a paciente apresentou complicação após uma única tentativa de redução fechada, na qual a força da manobra resultou em deslocamento intraprotético do polietileno. Esta complicação ocorre quando o revestimento de polietileno encaixa na borda do componente acetabular, e a subsequente tração do membro resulta na dissociação da cabeça metálica do revestimento de polietileno, semelhante a um efeito “abridor de garrafas”, podendo o polietileno migrar para fora do acetábulo.
A luxação intraprotética pode ser um desafio diagnóstico, principalmente nas radiografias pós-redução, porque a cabeça femoral pode dar a falsa impressão de estar reduzida na cúpula.
Ao avaliar uma luxação após artroplastia de quadril, é necessário diferenciar uma prótese convencional de um implante de dupla mobilidade. A presença de crepitação ou ruído associada à solicitação do arco de movimento é sinal de contato direto entre a cabeça e a cúpula acetabular. Ao Raio X, deve-se atentar quanto à excentricidade da cabeça no componente acetabular. Deve-se observar também a possível presença de um halo radio opaco na região periarticular (“sinal da bolha”), que pode representar o polietileno luxado.
A redução desses pacientes deve ser realizada com anestesia geral ou bloqueio subaracnóideo, visando facilitar a redução. A manobra deve ser feita de forma cuidadosa e sem tração axial, para evitar ou atenuar o efeito “abridor de garrafa”. Em vez de aplicar tração axial direta, a rotação interna deve ser acoplada à tração axial, permitindo que o revestimento de polietileno se afaste do acetábulo, evitando a colisão do componente acetabular. A imagem fluoroscópica deve ser usada para guiar a manobra de redução. As radiografias de pós-redução devem ser cuidadosamente avaliadas quanto à excentricidade da cabeça femoral e a presença de um sinal de bolha. A luxação intraprotética requer intervenção cirúrgica, devendo ser aproveitada a anestesia para redução aberta e eventual troca de componentes. A TC pode ser solicitada em caso de dúvidas. A sugestão seria colocar um marcador metálico no polietileno, o qual facilitaria sua detecção nas radiografias.
Com a popularização das próteses de dupla mobilidade no nosso meio, se faz necessário treinamento e informação dos ortopedistas no pronto atendimento para essa possível complicação fácil de ser negligenciada. O médico examinador deve questionar e saber identificar o modelo de implante e avaliar os sinais dessa complicação: excentricidade da cabeça femoral na cúpula acetabular, “sinal da bolha em partes moles”, crepitação ou deformidade à palpação da articulação após a redução.
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Conflito de Interesses
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
Trabalho desenvolvido no Serviço de Ortopedia da Casa de Saúde São José, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
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Referências
- 1 Patel PD, Potts A, Froimson MI. The dislocating hip arthroplasty: prevention and treatment. J Arthroplasty 2007; 22 (04, Suppl 1): 86-90
- 2 McArthur BA, Nam D, Cross MB, Westrich GH, Sculco TP. Dual-mobility acetabular components in total hip arthroplasty. Am J Orthop 2013; 42 (10) 473-478
- 3 Philippot R, Adam P, Farizon F, Fessy MH, Bousquet G. [Survival of cementless dual mobility sockets: ten-year follow-up]. Rev Chir Orthop Repar Appar Mot 2006; 92 (04) 326-331
- 4 De Martino I, Triantafyllopoulos GK, Sculco PK, Sculco TP. Dual mobility cups in total hip arthroplasty. World J Orthop 2014; 5 (03) 180-187
- 5 Kaiser D, Kamath AF, Zingg P, Dora C. Double mobility cup total hip arthroplasty in patients at high risk for dislocation: a single-center analysis. Arch Orthop Trauma Surg 2015; 135 (12) 1755-1762
- 6 Waddell BS, Mohamed S, Glomset JT, Meyer MS. A Detailed Review of Hip Reduction Maneuvers: A Focus on Physician Safety and Introduction of the Waddell Technique. Orthop Rev (Pavia) 2016; 8 (01) 6253
Endereço para correspondência
Publikationsverlauf
Eingereicht: 23. Oktober 2020
Angenommen: 01. Dezember 2020
Artikel online veröffentlicht:
26. September 2022
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Referências
- 1 Patel PD, Potts A, Froimson MI. The dislocating hip arthroplasty: prevention and treatment. J Arthroplasty 2007; 22 (04, Suppl 1): 86-90
- 2 McArthur BA, Nam D, Cross MB, Westrich GH, Sculco TP. Dual-mobility acetabular components in total hip arthroplasty. Am J Orthop 2013; 42 (10) 473-478
- 3 Philippot R, Adam P, Farizon F, Fessy MH, Bousquet G. [Survival of cementless dual mobility sockets: ten-year follow-up]. Rev Chir Orthop Repar Appar Mot 2006; 92 (04) 326-331
- 4 De Martino I, Triantafyllopoulos GK, Sculco PK, Sculco TP. Dual mobility cups in total hip arthroplasty. World J Orthop 2014; 5 (03) 180-187
- 5 Kaiser D, Kamath AF, Zingg P, Dora C. Double mobility cup total hip arthroplasty in patients at high risk for dislocation: a single-center analysis. Arch Orthop Trauma Surg 2015; 135 (12) 1755-1762
- 6 Waddell BS, Mohamed S, Glomset JT, Meyer MS. A Detailed Review of Hip Reduction Maneuvers: A Focus on Physician Safety and Introduction of the Waddell Technique. Orthop Rev (Pavia) 2016; 8 (01) 6253