Palavras-chave transfusão de sangue - anemia - artroplasia de quadril - período pré-operatório
Introdução
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define anemia como uma concentração de hemoglobina
de <120 g/L em mulheres não grávidas e <130 g/L em homens.[1 ] A anemia pré-operatória não tratada está associada a maior morbidade, mortalidade
e tempo de internação,[2 ]
[3 ]
[4 ]
[5 ] apresentando um risco 3 vezes maior de necessitar de transfusão de sangue alogênico
(TSA).[6 ] A TSA está associada à riscos inerentes, consistindo de infecções, cicatrização
retardada dos ferimentos, sobrecarga de fluidos e lesão pulmonar relacionada à transfusão
(TRALI).[7 ]
[8 ] Os estudos também associaram a TSA a uma prolongada permanência hospitalar.[9 ] Além disso, os hemoderivados tem preço elevado, além de ser um recurso limitado.
Portanto, tratar a anemia pré-operatória faz sentido do ponto de vista clínico e econômico
da saúde.
Estima-se que 15% a 25% dos pacientes encaminhados para cirurgia ortopédica eletiva
de grande porte, apresentem algum grau de anemia no pré-operatório, podendo chegar
a 80% no período pós-operatório.[10 ]
[11 ] As cirurgias ortopédicas são responsáveis por 10% dos glóbulos vermelhos transfundidos,
sendo que na artroplastia total de quadril (ATQ), esse percentual alcança 4,6%.[12 ] Somente em 2017, o National Joint Registry registrou pouco mais de 105.000 ATQs,
realizadas na Inglaterra e no País de Gales.[13 ] A artroplastia de quadril, portanto e, um dos campos mais relevantes para abordagem
da anemia pré-operatória, já que frequentemente envolve perda significativa de sangue,
sendo que o tempo entre o encaminhamento e a cirurgia, costuma ser longo o suficiente
para detectar e tratar a anemia. Além disso, o envelhecimento da população significa
mais artroplastias de quadril, em pacientes que apresentam cada vez mais fragilidade
e comorbidade, inclusive a anemia.
Em 2011, a Organização Mundial da Saúde apoiou o programa Patient Blood Management
(PBM) (Controle do Volume de Sangue do Paciente), com o propósito de tratar a anemia
pré-operatória, consequentemente, reduzindo a necessidade de transfusões de sangue.
Os três pilares de sustentação do programa PBM são: o controle da anemia pré-operatória,
a redução da perda de sangue e o uso racional dos hemoderivados alogênicos.[14 ] O programa PBM demonstrou melhorar os resultados, ao reduzir as taxas de transfusão,
morbidade, tempo de internação e as taxas de readmissão hospitalar.[15 ] Numerosas organizações de saúde apoiam a correção pré-operatória da anemia. Um relatório
da OMS sobre a disponibilidade, segurança e qualidade dos hemoderivados, recomenda
que todas as medidas razoáveis sejam tomadas, a fim de otimizar o volume de sangue
do paciente no pré-operatório,[16 ] ao mesmo tempo, o Ministério da Saúde do Reino Unido, recomenda que políticas sejam
implementadas, visando a identificação e o tratamento da anemia pré-operatória nos
hospitais,[17 ]
Este artigo descreve nossa estratégia pré-operatória no programa PBM, com o intuito
de detectar e tratar os pacientes anêmicos, que são encaminhados para artroplastia
total de quadril (ATQ) primária eletiva, com o uso do dispositivo de teste rápido
e em conjunto com a clínica especializada em anemia pré-operatória. Foi realizada
uma análise retrospectiva das taxas de TSA, em pacientes submetidos a artroplastia
total de quadril (ATQ) primária, antes e após a implementação dos testes rápidos e
da implantação da clínica de tratamento da anemia pré-operatória. Acreditamos que
este rastreamento rápido, juntamente com a clínica de tratamento especializado, seja
o primeiro modelo do tipo, destinada aos pacientes que vão ser submetidos à cirurgia
de artroplastia do quadril.
Materiais e Métodos
No momento do encaminhamento para artroplastia total primária do quadril (ATQ), todos
os pacientes são submetidos a uma medição rápida dos níveis de hemoglobina na clínica
ortopédica, por meio do analisador de hemoglobina (HemoCue®, ver [Fig. 1 ]), Este dispositivo fornece uma leitura instantânea, portanto, uma rápida identificação
do quadro de anemia. Um resultado baixo leva a uma investigação mais aprofundada,
caso o paciente apresente índices de Hb inferiores (<130 g/L homens ou <115 g/L mulheres),
neste caso deve ser realizado um hemograma completo em laboratório. O paciente também
inicia a terapia com ferro por via oral, sendo encaminhado para a Clínica de Anemia
Pré-operatória de Acesso Rápido (RaPAC), um laudo expondo os resultados e o tratamento
é enviado ao clínico geral do paciente. A cirurgia é colocada em uma lista espera,
até que o quadro de anemia do paciente seja otimizado (ver [Fig. 2 ]). Em nosso departamento todos os pacientes deveriam fazer a triagem de hemoglobina
com resultados instantâneos, por meio do analisador de hemoglobina Hemocue®, no momento
do encaminhamento para clínica ortopédica. Infelizmente, alguns pacientes deixaram
de participar, consequentemente, não foram tratados por essa clinica integrada. Esses
pacientes então participaram como grupo de controle, proporcionando assim uma oportunidade
para comparar a eficácia da clinica integrada, embora de forma não randomizada.
Fig. 1 Dispositivo de testagem rápida de hemoglobina.
Fig. 2 Diagnóstico de anemia pré-operatória.
Na clínica de tratamento da anemia, é realizada uma anamnese cuidadosa e completa,
juntamente com exames de sangue adicionais. Os pacientes são submetidos a um hemograma
completo, incluindo contagem de reticulócitos e CHr (conteúdo de hemoglobina reticulocitária),
ferro sérico, ferritina, níveis de transferrina, saturação de transferrina, B12, folato,
testes das funções renais, hepáticas e tireoidianas, LDH sérico e proteína C reativa
como um marcador de inflamação. Se a história for sugestiva de qualquer sintoma de
alerta neoplásico, serão solicitados exames de imagem apropriados, como TC. ou endoscopia.
Esses exames ajudam a determinar a causa da anemia no paciente pré-operatório, que
pode ser complexa, assim orientando o tratamento posterior. A maioria dos pacientes
tem anemia por deficiência de ferro (ADF), que pode ser devida à deficiência de ferro
absoluta ou funcional. Na deficiência absoluta de ferro, os estoques de ferro são
esgotados por ingestão alimentar inadequada, absorção inadequada ou aumento da perda
por sangramento oculto. Em contraste, na deficiência funcional de ferro, geralmente
está presente em pacientes com inflamação crônica, sendo secundária ao metabolismo
anormal do ferro. A inflamação causa uma regulação positiva da hepcidina, levando
à redução da absorção intestinal, consequentemente, promovendo o sequestro de ferro
no fígado e macrófagos. Este processo é comumente conhecido como anemia de doença
crônica. A próxima causa mais comum de anemia pré-operatória é a deficiência de B12/folato,
sendo geralmente secundária à reduzida ingestão dietética, má absorção, como anemia
parietal ou medicamentosa, como no caso do metotrexato.
Dependendo da causa da anemia, das comorbidades e da resposta à terapia de ferro por
via oral é definido um nível de hemoglobina alvo. Isso geralmente está acima do limiar
para anemia, no entanto, se houver comorbidades significativas, como insuficiência
cardíaca, doença cardíaca isquêmica, doença cerebrovascular, doença renal crônica
avançada ou anemia grave de doença crônica, esse limiar pode não ser seguro ou difícil
de ser alcançado, sendo que a hemoglobina alvo do paciente pode ser reduzida. As opções
de tratamento incluem ferro por via oral de forma contínua, ferro intravenoso, quando
a resposta ao ferro oral não é satisfatória ou o CHr permanecer baixo, ou ainda um
ciclo curto de eritropoietina com terapia de ferro oral/parenteral. Os pacientes que
responderam bem à terapia de ferro por via oral, que não apresentaram quaisquer sintomas
de alerta e nem anemia, receberam alta da clínica de tratamento, sendo aconselhados
a continuar com a terapia de ferro por via oral, por mais três meses após a cirurgia.
Os pacientes que ainda permaneciam anêmicos receberam um tratamento adicional com
ferro por via oral. Caso o paciente não tolerasse o ferro por via oral ou na hipótese
da data programada para a cirurgia ficar dentro de quatro semanas, seria iniciado
o tratamento com ferro parenteral (IV). Os pacientes que necessitaram de ferro parenteral
foram atendidos como um procedimento ambulatorial. Os pacientes que tinham anemia
de doença crônica e aqueles que não respondiam adequadamente à terapia com ferro,
foram tratados com um ciclo curto de eritropoietina, que normalmente consistia em
doses semanais, pelo período de três a seis semanas (mediana 4), a fim de atingir
o nível de hemoglobina alvo.
O projeto foi registrado como uma auditoria, junto ao “the trust's audit department”.
A clínica de anemia pré-operatória foi criada em 2011, todos os pacientes submetidos
a uma ATQ primária em 2009 e 2017, foram identificados a partir do banco de dados
do “the trusts NJR”. A partir de uma lista de pacientes que compareceram à clínica
de anemia pré-operatória, foram identificados todos aqueles que foram submetidos a
uma ATQ primária. O departamento de transfusão de sangue do hospital teve condições
de fornecer os dados de todos os pacientes, que receberam transfusão e que tenham
sido submetidos a uma ATQ primária em nossa instituição. Realizamos uma análise cruzada
das informações, a fim de identificar os pacientes que precisaram de uma transfusão
de sangue alogênico, até duas semanas após a cirurgia. O sistema de Ambiente Clínico
Integrado (ICE) do hospital, foi usado para determinar os níveis de hemoglobina pré-operatória
de todos os pacientes, nos grupos de estudo submetidos a ATQ, portanto, visando identificar
os pacientes que apresentavam anemia pré-operatória. A análise estatística para comparação
das taxas de transfusão sanguínea foi realizada com o teste qui-quadrado ou o teste
exato de Fisher, sendo que a comparação dos níveis de Hb, idade e ASA entre os grupos
foi realizada com o teste U de Mann-Whitney.
As diretrizes da instituição determinam que as TSA, ocorram quando os níveis de hemoglobina
caírem para <70 g/l, ou <80 g/l, caso existam comorbidades cardíacas significativas
ou se o paciente for sintomático. Não houve mudanças nas diretrizes de transfusão
de sangue entre 2009 até 2017. No tratamento profilático do tromboembolismo venoso
pós-operatório, o fármaco dalteparina deve ser usado em paciente hospitalizado, seguida
por seis semanas de aspirina 150 mg por dia, a não ser que já estivesse sob tratamento
com anticoagulante de forma regular ou fosse considerado com maior risco para TEV,
neste caso a dalteparina deve ser usada profilaticamente. A menos que existam contraindicações,
o ácido tranexâmico 15mg/kg deve ser administrado rotineiramente no pré e pós-operatório,
em pacientes submetidos à cirurgia de artroplastia de quadril. O implante de escolha
da nossa instituição para a realização da ATQ primária é a haste femoral Exeter cimentada
(Stryker) e a taça acetabular cimentada Contemporary (Stryker), inserida por abordagem
posterior ao quadril, tendo permanecido inalterada durante o período do estudo. Também
não houve alterações significativas na equipe de cirurgiões consultores, que realizaram
ATQs primárias durante este período em nossa instituição.
Resultados
Em 2009, antes da implantação da clínica de tratamento da anemia pré-operatória, nossa
instituição realizou 598 ATQ primária e 497 em 2017. Um total de 60 pacientes, necessitaram
de transfusões de sangue alogênico em 2009, na comparação com 31 em 2017. Houve uma
redução significativa nas taxas de TSA, em pacientes submetidos a ATQ primária de
10,0% para 6,2% (p <0.05 χ2 teste) de 2009 até 2017.
Em 2009 entre os 598 pacientes que foram submetidos a uma ATQ primária, 110 (18,4%)
apresentavam uma taxa de Hb <130 g/L (masculino) ou <115 g/L (feminino), dos quais
32 (29,1%) necessitaram de uma transfusão de sangue, representando 53,3% das transfusões
de sangue alogênico para cirurgia ATQ primária naquele ano. As taxas de transfusão
em pacientes com Hb ≥130 g/L (homem) ou ≥115 g/L (mulher) foi de 5,7% (ver [Fig. 3 ]).
Fig. 3 As taxas de TSA em pacientes submetidos a ATQ primária, antes e depois da implementação
da testagem rápida e da clínica especializada no tratamento da anemia.
Em 2017, entre os 497 pacientes, 82 (16,5%) apresentavam uma Hb <130 g/L para homens
e <115 g/L para mulheres no momento do encaminhamento. 30 pacientes (36,5%) foram
encaminhados para o ambulatório de anemia pré-operatória (média de idade 72, mediana
ASA 3) e 52 (63,4%) não foram (média de idade 72, mediana ASA 3) (ver [Tabela 1 ]). 14 (26,9%) dos 52 pacientes não atendidos na clínica necessitaram de uma transfusão
de sangue, correspondendo a 45,2% do sangue transfundido em pacientes com ATQ primária
naquele ano. Apenas 2 (6,7%) dos 30 pacientes que foram atendidos na clínica necessitaram
de transfusão de sangue (p <0,05 teste exato de Fisher). A taxa de transfusão no restante
da população não anêmica foi de 4,4%. A concentração média de hemoglobina pré-operatória
(Hb) foi de 112 g/L no grupo não tratado, em comparação com 124 g/L para aqueles foram
tratados na clínica de anemia (p <0,001 teste U de Mann-Whitney). A Hb pré-operatória
que foi considerada, foi aquela mais próxima da cirurgia; isso significou, em média,
11,4 dias antes da cirurgia para o grupo não tratado e 11,0 dias para o grupo tratado
no ambulatório. Em média, o tratamento na clínica levou a um aumento significativo
na taxa de hemoglobina de 20 g/L, passando de 104 g/L para 124 g/L (p <0,001).
Tabela 1
Encaminhados para clínica de anemia
Sim
Não
Número
30
52
Idade Mediana (anos)
72
72
ASA mediano
3
3
Sexo
Masculino
Feminino
Masculino
Feminino
Número
12
18
23
29
p = 0.71
Hb média no encaminhamento para clínica (g/L)
115
98
Não encaminhados
Hb média pré-operatória (g/L)
124
124
117
108
Média geral da Hb pré-operatória (g/L)
124
112
p < 0.001
Aumento médio da Hb (g/L)
20
N/A
Hb média pré-transfusão (g/L)
86
85
Taxa de Transfusão de Sangue Alogênico (TSA)
2 (6.7%)
14 (26.9%)
p < 0.05
Dos 30 pacientes tratados na clínica, 19 foram tratados com ferro por via oral, 3
necessitaram de ferro parenteral, 2 fizeram terapia com eritropoietina e 6 foram tratados
com eritropoietina e ferro. A maioria dos pacientes (>60%) respondeu ao ferro oral
sozinho. A infusão intravenosa de ferro era normalmente reservada para os pacientes,
que apresentavam deficiência de ferro absoluta ou funcional, ou que não toleravam
nem respondiam ao ferro por via oral. Quando os pacientes receberam ferro intravenoso
foi administrada uma dose única fixa de 1000 mg de Monofer® (derisomaltose férrica)
ou Ferrinject® (carboximaltose férrica).
Uma análise de custo-efetividade não foi incluída neste manuscrito e será assunto
de uma publicação separada. No entanto, incluímos uma breve análise para comparação.
Em virtude de uma redução significativa de custo nas preparações de eritropoietina
na última década, o custo médio de quatro doses de eritropoietina alfa (Eprex®), usadas
nesta coorte foi de £ 180 para um ciclo de 10.000 unidades semanais, durante uma média
de quatro semanas.[18 ] O custo de uma dose única de 1000 mg de ferro intravenoso é cerca de £ 160.[19 ] Apenas três pacientes receberam uma dose única de ferro intravenoso a um custo total
de £ 480, sendo que 8 pacientes receberam Eprex® com um custo médio de £ 180 por paciente,
perfazendo um custo total de tratamento com Eprex® de £ 1.440. O custo total de ferro
IV e Eprex® nesta coorte foi de £ 1.920 aproximadamente. O custo de duas unidades
de concentrado de hemácias no Reino Unido é £ 332,[20 ] excluindo custos adicionais de comparação cruzada e administração. Com base em uma
taxa de transfusão de ∼27% no grupo de controle de pacientes anêmicos no pré-operatório,
estima-se que a transfusão de hemácias de ∼12 unidades totalizando £ 1.992 pode ser
evitada, atingindo assim a neutralidade de custos. No entanto, isso não leva em consideração
a economia com a redução do tempo de internação hospitalar, custos com pessoal e equipamentos
para administração do sangue e economia com a redução de complicações secundárias
à anemia. Uma vez que a grande maioria dos pacientes (>60%) nesta coorte respondeu
bem apenas ao ferro oral, acreditamos que o uso criterioso e seletivo do ferro intravenoso
e/ou eritropoietina pode ser vantajoso, quando estiverem envolvidos números maiores.
O tempo cirúrgico médio para uma ATQ primária em 2009 foi de 86 (13) minutos em comparação
com 89 (15) minutos em 2017 (p > 0,05). Aqueles que foram tratados com eritropoietina
na clínica, tiveram a data da cirurgia confirmada antes de iniciar o tratamento; isso
ofereceu uma proteção adicional contra atrasos e cancelamentos. A clínica também ofereceu
o benefício adicional de fornecer aos pacientes, uma avaliação médica bem antes da
cirurgia, permitindo a investigação e o tratamento precoce de problemas clínicos que
poderiam adiar ou cancelar a cirurgia.
Discussão
O impacto negativo da anemia pré-operatória na morbidade e mortalidade pós-operatória,
tempo de internação e ônus sobre os recursos hospitalares, tem sido bem documentado
nas especialidades cirúrgicas ao longo do tempo.[5 ]
[21 ] A anemia pré-operatória é um fator de risco significativo passível de mudança, na
hipótese de ser necessário uma TSA no paciente cirúrgico, estando também relacionado
ao aumento de outras complicações pós-operatórias, incluindo infecções, AVCs, eventos
cardíacos, morte e problemas de cicatrização.[22 ]
[23 ] Antigamente, as transfusões "complementares" eram realizadas antes da cirurgia,
a fim de aumentar os níveis de hemoglobina do paciente; no entanto, não há evidências
que respaldem este benefício para o paciente, nem uma redução das necessidades totais
de transfusão perioperatória.[24 ] Além do mais, essa prática expõe os pacientes aos riscos da TSA, sendo um uso irresponsável
de um recurso de saúde dispendioso e limitado.
Este estudo demonstrou que uma quantidade desproporcional de transfusões é necessária
para os pacientes com anemia pré-operatória não tratada. Em uma situação ideal, os
pacientes deveriam ter os níveis de hemoglobina, dosado pelo médico no encaminhamento,
porém devido às restrições financeiras e de tempo, isso nem sempre é possível. A configuração
aqui descrita engloba a identificação rápida dos pacientes que apresentam anemia,
através de um analisador de testagem rápida de hemoglobina, com o objetivo de fazer
triagem da anemia (Hemocue®), sendo que o tratamento eficaz é realizado por meio de
uma clínica especializada em anemia pré-operatória. O modelo do aparelho que utilizamos
para esta triagem é o Hemocue® 201 + , que apresenta acurácia de ± 1,5%, quando comparado
ao método de referência internacional para hemoglobina (método ICSH), conforme informado
pelos fabricantes.[25 ] O dispositivo também tem demonstrado excelentes resultados, quando usado como uma
ferramenta de triagem da anemia,[26 ] e também quando comparado com outros dispositivos de teste de hemoglobina do mercado.[27 ] Outros estudos investigaram a precisão do dispositivo Hemocue®, relatando haver
uma boa correlação entre os resultados instantâneos, realizados a partir deste dispositivo
portátil e os exames laboratoriais tradicionais.[28 ] Neste estudo, o Hemocue® foi usado apenas como uma ferramenta de triagem da anemia,
já que os pacientes continuaram a realizar os exames laboratoriais tradicionais, antes
de serem atendidos na clínica.
Foi relatado um estudo retrospectivo sem randomização, entre os pacientes portadores
de anemia que receberam tratamento e aqueles que não receberam nenhum tratamento.
No entanto, os dois grupos não apresentaram diferenças em termos de idade, sexo e
ASA. Contudo, este estudo forneceu evidências significativas de que a triagem rápida
e a clínica especializada no tratamento da anemia, são processos eficazes na redução
das necessidades de transfusão em pacientes submetidos a ATQ primária. É interessante
observar, que a terapia com ferro foi adequada para a maioria dos pacientes atendidos
na clínica, sugerindo que o tratamento para anemia costuma ser descomplicado e com
baixo custo. A clínica também teve condições de identificar aqueles pacientes que
precisaram de um tratamento mais complexo, na forma de ferro parenteral e/ou eritropoietina.
No ano de 2016,[29 ] A Auditoria Nacional Comparativa de Transfusão de Sangue do Reino Unido (The UK
National Comparative Audit of Blood transfusion), informou que apenas 65% dos pacientes
submetidos à cirurgia ATQ, que necessitaram de uma transfusão pós-operatória, tiveram
seus níveis de hemoglobina dosados pelo menos 14 dias antes da cirurgia. Em nossa
instituição, apenas 36% dos pacientes que preencheram os critérios para encaminhamento
ao ambulatório de anemia pré-operatória, compareceram e foram tratados. A adesão dos
pacientes foi excelente, todos os pacientes encaminhados à clínica de anemia pré-operatória
de acesso rápido (RaPAC), cumpriram todo o tratamento. Esperamos poder resolver esta
baixa taxa de triagem e encaminhamento, com a inclusão de um quadro no formulário
de encaminhamento, onde seria inserido o resultado da taxa de Hb realizada por meio
do dispositivo de testagem rápida, assim que a cirurgia tenha sido marcada, servindo
como um alerta para o cirurgião. Esperamos que essas mudanças, juntamente com o feedback
para os cirurgiões que não cumprem o procedimento de triagem e encaminhamento, venham
reduzir ainda mais as necessidades de transfusão nos pacientes que estão sendo submetidos
a artroplastia total primária do quadril. Essas deficiências, no entanto, exemplificam
a experiência do mundo real de baixa conformidade entre médicos sobrecarregados, destacando
a importância dos lembretes regulares sobre os benefícios do serviço que agora estão
sendo comprovados.
Conclusão
Uma população crescente com uma expectativa de vida cada vez maior, isto vai significar
mais cirurgias de artroplastias primárias do quadril em pacientes idosos, os quais
apresentam mais comorbidades, incluindo anemia. A artroplastia do quadril realizada
de forma eletiva, traz o benefício para os pacientes serem encaminhados para tratamento
meses antes da cirurgia. Desta forma, com tempo suficiente para a triagem e tratamento
adequado da anemia, reduzindo assim as transfusões e as sequelas adversas associadas
à anemia pré-operatória e às transfusões de sangue alogênico. Aqui foi descrito uma
alternativa rápida de triagem e tratamento com o uso do dispositivo de testagem rápida
de hemoglobina, além da clínica especializada no tratamento da anemia, trazendo melhores
resultados para os pacientes. É uma excelente estratégia para qualquer hospital, que
tenha como objetivo melhorar a estratégia de controle do sangue do paciente no pré-operatório,
reduzindo assim a demanda por transfusões de sangue.