Palavras-chave alendronato - vitamina D - menopausa - fêmur - ratos
Introdução
A osteoporose é uma doença marcada pela perda de massa óssea mineralizada, tornando-a
frágil e vulnerável a fraturas. Anatomicamente, há diminuição da espessura e da porosidade
da cortical, redução do número e do tamanho das trabéculas do osso esponjoso e alargamento
dos espaços medulares.[1 ]
[2 ] No momento atual, o mundo vivencia uma expansão da incidência de osteoporose em
ambos os sexos, sobretudo em mulheres > 50 anos, sendo isto resultado do contínuo
envelhecimento da população.[3 ]
Mundialmente, a osteoporose é uma enfermidade que atinge > 200 milhões de pessoas.
Mesmo sendo uma doença que pode afetar ambos os sexos, as mulheres que se encontram
na pós-menopausa são o principal grupo de risco, com uma prevalência estimada em 30%
nos países ocidentais.[4 ] Para o ano de 2050, estima-se a probabilidade de que 70% das fraturas de quadril
que ocorrerão na África, na Ásia e na América Latina serão relacionadas à osteoporose.
Portanto, a osteoporose é de grande importância clínica.[5 ]
Diversas terapias eficazes são competentes em produzir uma atenuação no risco de fratura,
sobretudo em mulheres na pós-menopausa. Os bisfosfonatos (BFs) nitrogenados são a
classe de droga mais recomendada para o tratamento da osteoporose pós-menopausa. Eles
atuam inibindo a reabsorção óssea com poucos efeitos colaterais.[1 ] Dentre os BFs mais comumente usados, destaca-se o alendronato de sódio (ALN).[1 ]
[6 ]
A vitamina D (VD) é um hormônio esteroidal que tem variadas ações biológicas em diferentes
tecidos alvo.[7 ] Já existem evidências significativas que apontam que baixos níveis séricos de cálcio
e de vitamina D aceleram a perda óssea.[8 ]
A competência biomecânica do osso está relacionada não só com a quantidade de osso
presente, como também com a sua microestrutura.[9 ] Assim, a histomorfometria óssea é um dos métodos convencionais para analisar sua
microarquitetura, o que permite, de forma segura, qualificar e quantificar as estruturas
ósseas.[10 ] Desta forma, ela exerce um papel de destaque no que diz respeito ao estudo de determinados
distúrbios metabólicos e seus tratamentos.
Sendo assim, o objetivo do presente estudo foi verificar como a administração conjunta
ALN e VD age na microarquitetura óssea nos grupos de tratamento de ratas Wistar com
osteoporose induzida por glicocorticoide.
Materiais e Métodos
Todos os procedimentos foram aprovados pela Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA)
da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) (Protocolo N° 034/2020).
Procedimento experimental
Foi realizado um estudo animal experimental duplo-cego (avaliador e o patologista).
No presente trabalho, foram utilizadas 32 ratas (Rattus norvegicus albinus ) da linhagem Wistar com idades entre 8 e 10 semanas, pesando entre 300 e 400g, fêmeas,
provenientes do Biotério de Fisiologia – UFPE.
Os animais foram alojados em gaiolas individuais de polipropileno com tampas metálicas,
mantidas em salas com temperatura ambiente de 22°C controlada, com luminosidade de
60 lux, mantidos em ciclo claro/escuro de 12 horas controlados por sensor de tempo,
em cama de maravalha, alimentados com ração para ratas e água ad libitum .
Após um período de 60 dias, os animais foram divididos aleatoriamente em 5 grupos,
como consta na [Tabela 1 ]. Os grupos G2, G3, G4 e G5 tiveram osteoporose induzida com o uso de dexametasona
intramuscular, enquanto os animais do grupo G1 foram mantidos sem indução de osteoporose
para estabelecer o parâmetro do grupo controle negativo.
Tabela 1
Grupo
N° de animais
Descrição do grupo
Indução da osteoporose
G1
6
Água destilada por via oral
Não
G2
6
Água destilada por via oral
Sim
G3
7
Alendronato sódico por via oral
Sim
G4
7
Vitamina D3 por via oral
Sim
G5
6
Alendronato sódico e vitamina D3 por via oral
Sim
O processo de indução da osteoporose foi realizado a partir da administração do glicocorticoide
dexametasona, por via intramuscular, na dose semanal de 7,5 mg/kg de peso corporal,
durante 5 semanas. Ao final da 5ª semana de administração de dexametasona, os animais
foram submetidos ao tratamento farmacoterapêutico.
O volume diário de drogas terapêuticas administrado a todos os grupos foi de 0,03mL
de veículo. A administração do ALN de forma isolada foi efetuada na dosagem de 0,2mg/kg,
diariamente, por 45 dias. A VD foi administrada na dosagem de 500 μL (10.000UI/500μL),
uma vez por semana, durante o período de 8 semanas de suplementação. Os mesmos período
e dosagem foram utilizados para a administração semanal na associação dos dois fármacos.
Os animais dos grupos-controle receberam água destilada pelo mesmo período e na mesma
quantidade que os grupos experimentais. As medicações foram administradas por via
oral (método de gavagem) por meio de cânulas apropriadas.
Histomorfometria
Completado o esquema terapêutico, as ratas foram eutanasiadas com aprofundamento anestésico
à base de cloridrato de xilasina a 2% associado a cloridrato de quetamina 10% para
a retirada os fêmures direitos e esquerdos utilizando lâmina de bisturi n° 11 e 15
para realização das análises histológicas, sendo armazenados em formol 10% em recipientes
devidamente etiquetados, segundo o grupo amostral de cada animal.
Após coleta dos ossos femorais, foram obtidos 64 espécimes, fixados em formol 10%
e mantidos por um período de 48 horas, necessário para a fixação, até o momento da
sua preparação. Os 64 espécimes foram divididos da seguinte maneira: os fêmures direitos
foram submetidos à avaliação histológica enquanto os fêmures esquerdos foram avaliados
macroscopicamente. A preparação seguiu os padrões rotineiros para o estudo histológico
em todos os fêmures direitos. Após o período de fixação, os 32 fêmures foram descalcificados
com uma solução de ácido nítrico (HNO3 ) a 5%, trocado diariamente, por 5 dias.
Após a descalcificação, as amostras foram lavadas em água destilada e colocadas no
processador histotécnico Leica e, posteriormente, incluídas em parafina Paraplast.
Com o auxílio de um micrótomo (Hestion), todos os blocos contendo os fragmentos femorais
foram seccionados longitudinalmente com 4μm de espessura, colocados em lâminas previamente
untadas com albumina de Mayer e mantidos em estufa regulada à temperatura de 37°C,
durante 24 horas, para secagem e colagem.
Posteriormente, foram corados com hematoxilina e eosina (H&E) segundo a metodologia
de Junqueira et al.[11 ] As amostras foram então analisadas em microscópio de luz e os cortes fotografados
em um Microscópio Biológico Trinocular Nikon 50E com videomicroscopia VT 480 e analisador
de imagem IMAGELAB. Todas as etapas para o procedimento histológico foram realizadas
no Laboratório de Pós-Graduação em Saúde Translacional/UFPE.
Para o estudo do osso compacto, foram utilizados cortes transversais das diáfises
do fêmur direito de cada animal. Nestes cortes, a espessura do osso cortical foi analisada
por meio da aquisição de imagens da parte medial das diáfises. Foram efetuadas quatro
medições em cada corte histológico, priorizando as regiões superior, inferior e lateral
de cada corte.[12 ] Para determinar a espessura, o osso cortical foi medido desde a superfície periosteal
até a superfície endosteal utilizando-se o programa IMAGE-Pro Plus adequadamente calibrado
([Figura 1A ]). A partir disso, a espessura média da cortical para cada osso foi calculada.
Fig. 1 (A ) Medição da espessura cortical (μm) em fêmur sob aumento final de 40X. (B ) Medição automática da área medular delineada (μm2 ).
Na mensuração da área da cavidade medular dos ossos, foi utilizada a medida automática
realizada pelo sistema de análise de imagens IMAGE-Pro Plus previamente calibrado
([Figura 1B ]) e com as funções determinadas por uma macro específica.
Para o cálculo do diâmetro ósseo, foi utilizada a metodologia desenvolvida por Parfitt
et al.[13 ] Nesta avaliação, o osso é aproximado para um cilindro. Assim, com a medida da área
medular, é possível calcular o diâmetro medular para que, junto com o valor da espessura
da cortical, possa-se chegar à estimativa do diâmetro ósseo ([Figura 2 ]).
Fig. 2 Histomorfometria do diâmetro ósseo das diáfises femorais das ratas. Média ± desvio
padrão. Presença de diferença estatisticamente significativa (p < 0,05) entre os pares assinalados com o mesmo símbolo sobrescrito.
Análise estatística
Todas as análises estatísticas foram realizadas com o software Minitab versão 19.
Os dados foram relatados como média com desvio padrão (DP). As variáveis também foram
testadas quanto à sua normalidade por meio do teste de Shapiro-Wilk, obtendo-se uma
distribuição paramétrica. Para a análise dos resultados, foi utilizado o teste de
análise de variância (ANOVA, na sigla em inglês) one-way, seguido do pós-teste de
Bonferroni. A significância estatística foi definida para um valor de p < 0,05. Todos os valores de p mostrados são bicaudais.
Resultados
Em todas as análises realizadas ([Figuras 3 ], [4 ] e [5 ]), foi constatada uma diferença estatisticamente significativa (p < 0,05; teste ANOVA one-way) entre os grupos testados. Analisando a [Figura 3 ] em relação às diáfises femorais das ratas, pode-se notar um valor significativamente
superior na espessura cortical (µm) dos grupos G1 (648,22 ± 77,51), G3 (643,15 ± 59,03)
e G5 (654,57 ± 79,00) em relação ao grupo G2 (515,53 ± 76,38).
Fig. 3 Representação de corte transversal de diáfise de fêmur para cálculo de diâmetro ósseo.
Adaptado de Parfitt et al.[13 ].
Fig. 4 Histomorfometria da espessura cortical das diáfises femorais das ratas. Média ± desvio
padrão. Presença de diferença estatisticamente significativa (p < 0,05) entre os pares assinalados com o mesmo símbolo sobrescrito.
Fig. 5 Histomorfometria da área da cavidade medular das diáfises femorais das ratas. Média ± desvio
padrão. Presença de diferença estatisticamente significativa (p < 0,05) entre os pares assinalados com o mesmo símbolo sobrescrito.
Na medição da área medular (µm2 ) ([Figura 4 ]), o grupo G3, que recebeu monoterapia com ALN (365,18 ± 49,99), se mostrou estatisticamente
diferente apenas em relação ao grupo G2 (484,02 ± 46,36), que apresentou o menor valor.
Quanto à análise do diâmetro ósseo das diáfises femorais das ratas ([Figura 5 ]), observa-se um valor significativamente superior nos grupos G1 (1309,54 ± 154,89),
G3 (1298,45 ± 117,65) e G5 (654,57 ± 79,00) em relação ao grupo G2, com osteoporose
e sem tratamento (1321,97 ± 158,40).
Discussão
Dentro do espectro de tratamentos farmacológicos da osteoporose, os agentes terapêuticos
podem ser divididos em duas grandes classes: os compostos antirreabsortivos e os estimulantes
da formação óssea.[14 ] Os primeiros reduzem a atividade osteoclástica, que forma lacunas na superfície
dos ossos, permitindo um preenchimento destas por uma nova matriz antes do reinício
do ciclo de remodelação. Já os segundos compostos, também chamados de agentes anabólicos,
intensificam a ação dos osteoblastos, a qual, em cada ciclo de remodelação, aumenta
a deposição de matriz osteoide.[14 ]
[15 ]
Dentre os fármacos com ação antirreabsortiva, pode-se citar os BFs, a calcitonina,
os estrogênios e os moduladores seletivos dos receptores de estrogênio. Os fluoretos,
o paratormônio e a teriparatida são exemplos de agentes anabólicos.[15 ]
Os BFs formam uma classe de substâncias químicas que agem como inibidores da reabsorção
óssea.[16 ] O ALN é um BF de segunda geração potente, que inicialmente se fixa na matriz óssea
e, posteriormente, é assimilado pelos osteoclastos para, em seguida, inibir sua ação.
Ele inibe a farnesil difosfato sintetase, bloqueando a via de sinalização do mevalonato
nos osteoclastos, inibindo também os fatores de ativação dos mesmos, tal como o ligante
do receptor do ativador do fator nuclear kappa-B (em inglês, receptor activator of
nuclear factor kappa-Β ligand [RANKL, na sigla em inglês), que é o mediador principal
da diferenciação, da ativação e da proliferação osteoclástica.[17 ] Entretanto, existem preocupações em relação aos efeitos adversos relacionados ao
uso crônico dos BFs, como dor musculoesquelética, fratura atípica do fêmur, osteonecrose
da mandíbula e supressão severa da remodelação óssea.[18 ]
A VD desempenha um papel crucial em uma infinidade de funções fisiológicas, como na
modulação da homeostase do cálcio e do fosfato esquelético, exerce uma influência
significativa no crescimento e na diferenciação de vários tecidos, possui funções
imunomodulatórias e tem ação na mineralização óssea, em funções musculares e no equilíbrio.[19 ]
[20 ]
A deficiência de VD é comum em pacientes com osteoporose e fraturas de quadril. A
inadequação dos níveis de vitamina D é tida como um dos potenciais fatores para falha
do tratamento medicamentoso da osteoporose (perda significativa de densidade mineral
óssea e fraturas).[16 ]
O 1,25 di-hidroxicolecalciferol ou calcitriol é o metabólito ativo da vitamina D e
é responsável por regular a expressão de genes que codificam diversas proteínas, incluindo
transportadores de cálcio e da matriz óssea. Além disso, a VD modula genes envolvidos
no ciclo proteico que diminuem a proliferação e aumentam a diferenciação celular,
como a de precursores osteoclásticos. Esta propriedade pode explicar a ação da VD
na reabsorção óssea, no transporte de cálcio intestinal e na pele.[21 ]
[22 ]
De acordo com Ferreira Junior et al.,[23 ] o estudo histomorfométrico do osso é um método de extrema valia para a avaliação
dinâmica do processo de remodelação óssea, para a determinação da extensão da perda
óssea e da formação do tecido ósseo, sendo capaz de identificar mudanças osteometabólicas
como a osteoporose.
A osteoporose induzida pela dexametasona é caracterizada por duas fases: uma rápida,
na qual a densidade mineral óssea (DMO) é reduzida, provavelmente devido à reabsorção
óssea excessiva, via osteoclastos, e uma tardia, progressiva, na qual a DMO diminui
devido ao prejuízo na formação óssea.[24 ] Analisando os resultados obtidos para o controle positivo para osteoporose (G2),
é possível constatar que o processo de indução osteoporótica foi bem sucedido, uma
vez que, ao comparar com o controle negativo (G1–sem osteoporose), houve redução da
espessura da cortical e aumento dos espaços medulares, ambas as medidas com diferença
estatisticamente significativa em relação ao grupo controle negativo (G1). Tais características,
junto com outras medidas não exploradas no presente trabalho, são marcas da osteoporose.[25 ]
Os resultados do presente estudo também demonstraram que, ao analisar a espessura
cortical óssea, tanto a monoterapia com ALN quanto a terapia combinada com ALN + VD
foram capazes de preservar a estrutura óssea. No entanto, não houve diferença quando
se comparou estes esquemas terapêuticos. A terapia isolada com VD não demonstrou ser
estatisticamente capaz de preservar a massa óssea em estados osteoporóticos. Esta
mesma avaliação pode ser aplicada à análise do diâmetro ósseo.
Em relação à outra medida histomorfométrica avaliada, a área da cavidade medular,
observou-se que apenas a terapia com ALN foi capaz de demonstrar um efeito importante
na preservação da massa óssea. Assim, houve menor efeito nos ossos trabeculares quando
não se utilizou nem a terapia combinada foco do presente estudo, tampouco o tratamento
isolado com VD. Este resultado difere de outros encontrados na literatura, os quais
demonstraram que a apenas a VD foi capaz de aumentar significativamente a massa óssea
em ratas.[26 ]
[27 ]
[28 ] No entanto, cabe ressaltar que, apesar de não ter existido diferença estatística
na avaliação pareada, em todas as análises globais das três variáveis (espessura cortical,
área medular e diâmetro ósseo), o valor de p mostrou-se estatisticamente significativo.
Conclusão
Em conjunto, os dados apresentados no presente estudo demonstram que o tratamento
concomitante com ALN diário e VD semanal é eficaz para prevenir a perda óssea induzida
por glicocorticoide. No entanto, não houve diferença entre esta terapia testada e
o tratamento apenas com o ALN. Como o uso prolongado de BFs, como o ALN, pode provocar
efeitos adversos graves, a associação deste com a VD pode ser clinicamente uma boa
escolha para substituir o ALN, uma vez que as análises histomorfométricas mostraram
semelhanças nos resultados de preservação de massa óssea e a VD, que, devido às suas
propriedades, pode, possivelmente, evitar e/ou minimizar tais problemas associados
à terapia com ALN.