Palavras-chave
coluna de Koch - abordagem posterior - coluna de Pott - espondilodiscite
Introdução
Na Índia, a tuberculose é uma causa infecciosa de morte significante por afetar o
sistema pulmonar, mas o acometimento extrapulmonar é igualmente comum. O sistema esquelético
é afetado em 1 a 3% desses casos. O tipo mais frequente de tuberculose esquelética
(50%) é a tuberculose da coluna.[1]
O tratamento da tuberculose da coluna progrediu entre a era pré-antituberculosa e
a era pós-antituberculosa. Medicamentos antituberculose, cirurgias de descompressão
e esquemas intermediários são boas opções de tratamento.[1]
As diferenças anatômicas e biomecânicas pode fazer com que a história natural da tuberculose
nas regiões dorsal e lombar difira de outras partes da coluna. A tuberculose dorsal
e lombar destrói a porção anterior (paradiscal e central) da coluna, o que causa cifose,
instabilidade e paralisia de início tardio.[2]
A cifose relacionada à tuberculose é uma doença instável que tende a piorar até a
fusão de todo o corpo anterior. O tratamento cirúrgico é indicado em caso de insucesso
do manejo conservador, instabilidade e déficit neurológico progressivo.
Os corpos vertebrais anteriores e espaços paradiscais são os mais acometidos. A abordagem
anterior é considerada o padrão de ouro, já que permite o acesso direto aos corpos
vertebrais afetados para desbridamento e drenagem de abscessos, bem como extensa descompressão
e reparo de defeitos.[3]
[4]
Morbidade e problemas relacionados à cirurgia anterior por toracotomia ou exploração
retroperitoneal são bastante comuns nas regiões torácica e lombar. A osteoporose que
acompanha as vértebras doentes faz com que a fixação anterior seja estruturalmente
fraca, impedindo a fixação suficiente e estável.[5]
[6]
O desbridamento anterior combinado e a instrumentação posterior ajudam a superar a
instabilidade associada à abordagem anterior.[7]
[8] No entanto, há necessidade de dois procedimentos (em estágio único ou não) com maior
morbidade e sua recomendação é reservada a pacientes com deformidade.
As abordagens extrapleurais (posteriores) podem alcançar a coluna anterior e lateral
via descompressão posterior ou posterolateral. A abordagem posterior oferece excelente
exposição para descompressão da medula espinhal e permite a instrumentação posterior
acima e abaixo do nível acometido. Além disso, a cirurgia tem menor morbidade, permite
a mobilização mais rápida e a melhor correção de deformidade no plano sagital, e é
uma abordagem mais conhecida.[3]
[9]
O objetivo deste estudo prospectivo é a análise dos desfechos clínicos e funcionais
em termos de dor e neurologia após a abordagem posterior em estágio único para tratamento
da tuberculose da coluna dorsolombar de pacientes operados em nossa instituição.
Materiais e Métodos
Este estudo foi realizado no Hospital Civil de Surat, India; estudamos 30 pacientes
com tuberculose da coluna dorsal e lombar. Todos os pacientes com tuberculose da coluna
dorsolombar foram tratados por meio de abordagem posterior em estágio único para descompressão,
fixação, correção de deformidade e fusão entre fevereiro de 2018 e maio de 2020.
Critérios de Inclusão
Pacientes com tuberculose da coluna dorsolombar e sinais neurológicos sem melhora
ou piora dentro de 4 semanas de tratamento conservador adequado.
Déficit neurológico progressivo mesmo com tratamento adequado ou reincidência dos
sinais neurológicos após melhora.
Critérios de Exclusão
-
Tuberculose em múltiplos segmentos da coluna.
-
Idade inferior a 18 e superior a 60 anos.
-
Coluna com tuberculose e outras comorbidades.
-
Paciente responsável ao tratamento conservativo.
Métodos
Todos os pacientes foram escolhidos de acordo com os critérios mencionados; o diagnóstico
pré-operatório foi baseado em ressonância magnética (RM) da coluna e aspiração pré-operatória
do abscesso com envio da amostra para teste de amplificação de ácido nucleico com
base em cartucho (CBNAAT) e biópsia guiada por tomografia computadorizada (TC). No
período pré-operatório, 14 pacientes foram diagnosticados com tuberculose por CBNAAT
realizado em aspirado guiado por ultrassonografia e 4 pacientes foram diagnosticados
após a biópsia orientada por TC. Todos os pacientes foram submetidos à descompressão
posterior e fixação em estágio único. O tratamento antituberculose (TAT) foi realizado
de acordo com o antibiograma pós-operatório e mantido por 9 a 12 meses.
Técnica Cirúrgica
Sob anestesia geral, em decúbito ventral, a dissecção subperióstea foi feita por incisão
na linha média, dois níveis acima e abaixo das vértebras acometidas. Após a exposição
adequada, um parafuso pedicular foi inserido nas vértebras não afetadas. Uma haste
com um lado temporariamente contorcido (de acordo com a deformidade) foi aplicada
para manter a estabilidade da coluna vertebral durante a descompressão (posterior
e posterolateral) e desbridamento. O abscesso paravertebral e epidural foi drenado
e o desbridamento completo foi feito até a observação de sangue fresco no osso. O
mesmo procedimento foi repetido no outro lado. As amostras coletadas foram enviadas
para biópsia e cultura para confirmação do diagnóstico. A reconstrução da coluna anterior
foi realizada com fragmentos espinolaminados misturados a estreptomicina (1 g) em
pó. Uma gaiola foi inserida caso o defeito fosse extenso. As hastes contorcidas colocadas
bilateralmente e o construto foram comprimidos até a correção da deformidade ([Fig. 1]–caso 1).
Fig. 1 Caso: paciente de gênero feminino de 28 anos de idade com espondilodiscite em L2-L3.
A ressonância magnética (RM) mostra o abscesso pré-vertebral e paravertebral.
Os pacientes foram acompanhados em 3 meses, 6 meses e 1 ano pela escala visual analógica
(EVA) de dor e o desfecho funcional foi avaliado de acordo com a classificação pós-operatória
de Frankel, o ângulo de cifose, o índice de deficiência de Oswestry (ODI) e exames
de sangue aos 6 meses. A duração do tratamento antituberculose (TAT) foi determinada
durante o acompanhamento com base na melhora clínica e evidência radiológica de regressão
da doença (resolução do abscesso e inflamação à RM junto com evidência de fusão).
Resultados
-
A coluna dorsolombar é a mais acometida (46,7%).
-
O tempo cirúrgico médio foi de 3 horas e 20 minutos (intervalo de 2h e 20min – 4h
e 10min).
-
A perda média de sangue foi de 800 mL (entre 400–1.500 mL).
A EVA pré-operatória média foi de 7,9 (intervalo de 7–10) e melhorou para 2,1 (intervalo
de 1–4) após a cirurgia e, depois, para 1,1 em 6 meses, e 0,9 em 1 ano de acompanhamento.
A cifose média pré-operatória na coluna dorsal e dorsolombar foi de 27,9 graus, com
correção para uma média de 9,5 graus nas últimas radiografias de acompanhamento, implicando
em melhor correção e manutenção da deformidade.
Antes da cirurgia, 1 paciente foi classificado como Frankel grau A, 3 como grau B,
6 como Frankel grau C, 16 pacientes como D, e 4 foram classificados como E ([Tabela 1]). Depois da cirurgia, em 1 ano de acompanhamento, 6 pacientes com grau C melhoraram
para grau D. Dos 16 pacientes com grau D, 12 melhoraram para grau E e 2 permaneceram
como D; apenas 1 paciente de grau A melhorou para grau C. Todos os 3 pacientes com
grau B melhoraram para grau C ([Tabela 2]).
Tabela 1
|
Classificação de Frankel no período pré-operatório
|
|
A
|
B
|
C
|
D
|
E
|
Número de pacientes
|
1
|
3
|
6
|
16
|
4
|
Tabela 2
|
Classificação de Frankel no período pós-operatório
|
|
A
|
B
|
C
|
D
|
E
|
Número de pacientes
|
0
|
0
|
4
|
10
|
16
|
Antes da cirurgia, o ODI de 4 pacientes estava na faixa de 0 a 20% (incapacidade mínima);
de 16 pacientes, na faixa de 20 a 40% (incapacidade moderada); de 6 pacientes, na
faixa de 40 a 60% (incapacidade grave); e de 4 pacientes, na faixa de 60 a 80% (aleijado)
([Tabela 3]). O ODI melhorou durante o acompanhamento, o que sugere melhora funcional.
Tabela 3
|
ODI em 6 meses de acompanhamento
|
|
0–20%
|
20–40%
|
40–60%
|
60–80%
|
Número de pacientes
|
10
|
12
|
6
|
2
|
|
ODI em 1 ano de acompanhamento
|
|
0–20%
|
20–40%
|
40–60%
|
60–80%
|
Número de pacientes
|
16
|
10
|
4
|
0
|
Fig. 2 Representação gráfica da pontuação ODI dos respectivos acompanhamentos.
O exame histopatológico das amostras intraoperatórias dos 30 pacientes sugeriu tuberculose
sensível à rifampicina e o tratamento específico foi instituído (nenhum dos pacientes
foi diagnosticado com tuberculose resistente a múltiplas drogas). A duração do tratamento
antituberculose foi decidida com base nos sinais clínicos de melhora, achados laboratoriais
e evidências radiológicas de regressão da doença durante o acompanhamento.
Complicações
Houve 3 casos de pacientes que desenvolveram infecção superficial da ferida cirúrgica;
2 foram tratados com medidas conservadoras e antibióticos por um período maior e 1
paciente foi encaminhado para desbridamento.
No 6° mês de acompanhamento, 1 paciente apresentou afrouxamento de dois parafusos
distais, sem progressão no 12° mês.
No 9° mês de acompanhamento, 1 paciente apresentou sinais de fusão tardia e, no 12°
mês, sinais satisfatórios de cicatrização.
Discussão
A região dorsal apresentou a maior taxa de comprometimento neurológico (30%). A maioria
dos pacientes com doença lombar não tinha problemas neurológicos. Isso pode ser explicado
pelo menor diâmetro do canal medular na parte dorsal da coluna e diâmetro relativamente
maior na região lombar.
Os objetivos da cirurgia em pacientes com tuberculose da coluna dorsal e lombar são
descompressão e desbridamento adequados, correção da deformidade e prevenção da progressão
da cifose.
A técnica anterior é o padrão de ouro para desbridamento e descompressão da coluna
com tuberculose. A capacidade de acesso direto à doença para descompressão, maior
correção da deformidade e colocação de um enxerto sob carga compressiva para fusão
são três vantagens da técnica anterior clássica. No entanto, a abordagem anterior
tem desvantagens em termos de morbidade e mortalidade, associadas às abordagens transpleural
e retroperitoneal, como atelectasias, infecção torácica, pneumotórax, íleo pós-operatório
e ejaculações retrógradas. Na técnica anterior, o enxerto ósseo estrutural não proporciona
estabilidade imediata e as complicações relacionadas ao enxerto são mais comuns ao
cruzar mais de dois espaços discais.[10]
Moon et al. descobriram que a artrodese anterior não foi eficaz na prevenção da progressão
da cifose ou na correção de anomalias anteriores.[11]
Um enxerto anterior estável proporcionou suporte estrutural em apenas 41% dos pacientes
de acordo com Rajasekaran e Soundarapandian,[12] que também relataram falência do enxerto com cifose residual em 59% dos pacientes.
Por isso, concluímos que o uso apenas do enxerto ósseo na haste anterior para evitar
o colapso vertebral não foi suficiente.[12]
A instrumentação posterior tem sido muito benéfica na redução de complicações relacionadas
ao enxerto e desenvolvimento de cifose. Como a doença é anterior, a principal vantagem
da instrumentação posterior é a fixação adequada de vértebras posteriores não acometidas.[13]
A instrumentação posterior com descompressão anterior e fusão pode ser realizada em
uma ou duas etapas. Embora essa cirurgia seja mais extensa, tem maior morbidade quando
realizada em um único estágio. Há risco de escorregamento do enxerto e deterioração
neurológica até o segundo estágio de estabilização. Quando a fixação posterior é feita
antes, é simplesmente a estabilização in situ seguida de descompressão no segundo estágio, o que leva a uma pequena correção da
cifose.[14]
Como relatado por Jain et al.,[2] a abordagem posterior com técnica apenas extrapleural é uma boa escolha. O método
extrapleural permite a descompressão da medula espinhal sob visualização direta e
é complementado por uma fixação posterior estável que pode ser estendida para cima
e para baixo caso necessário. A instrumentação posterior estável permite a mobilização
precoce, evitando os riscos de decúbito prolongado.[8]
Em uma análise retrospectiva de 70 pacientes com tuberculose torácica e lombar, Garg
e Somvanshi[3] compararam os desfechos clínicos, radiológicos e funcionais do desbridamento e fixação
anterior ou posterior. Esses autores descobriram que, embora a abordagem anterior
seja igualmente boa para desbridamento e estabilização, a instrumentação posterior
é melhor para correção da cifose e está associada a baixa morbidade e poucos problemas.
Shah et al.,[15] em uma série de casos de 50 pacientes com tuberculose da coluna dorsal e lombar,
usaram de instrumentação posterior para reduzir e estabilizar a zona cifótica instável.
A consequência prática foi muito melhor no grupo de pacientes submetidos à fixação
posterior, com pontuação média de Seybold e Bayley de 14,66 (boa).
Segundo Zeng et al.,[16] o desbridamento transpedicular apenas posterior em um estágio, a fusão intersomática
e a fixação posterior seguida por quimioterapia parecem ser suficientes para o tratamento
da tuberculose da coluna torácica com déficits neurológicos.
Islam et al.[17] fizeram um estudo observacional de acompanhamento de 21 pacientes e concluíram que
a abordagem posterior é uma intervenção cirúrgica mínima que estimula a recuperação
neurológica.
Em um estudo prospectivo com 20 pacientes, Patidar et al.[18] sugeriram que a abordagem posterior em estágio único é segura e eficaz para o manejo
da tuberculose da coluna lombar.
Em nossa pesquisa, a estabilização posterior e a reconstrução da coluna por fusão
posterior e posterolateral, bem como a fusão com gaiola em alguns casos, ajudaram
a corrigir a deformidade e prevenir sua progressão.
Conclusão
A técnica posterior (abordagem extracavitária) permite acesso razoável aos espaços
lateral e anterior da medula espinhal para descompressão medular igualmente eficaz.
É um método de menor morbidade que evita as complicações da toracotomia e laparotomia.
Ela permite a mobilização precoce e elimina os problemas associados ao decúbito prolongado;
o que resulta na melhora do desfecho funcional e leva a uma correção considerável
da deformidade do plano sagital.
A abordagem posterior é escolhida devido à sua familiaridade, simplicidade e baixo
índice de complicações.