Open Access
CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2023; 58(04): e571-e579
DOI: 10.1055/s-0043-1770974
Artigo Original
Asami

Tratamento das pseudoartroses infectadas da tÍbia pelo mÉtodo de Ilizarov associado ao curativo de Orr

Article in several languages: português | English
1   Médico Ortopedista, Hospital Regional de Sobradinho, Brasília, Distrito Federal, Brasil
,
1   Médico Ortopedista, Hospital Regional de Sobradinho, Brasília, Distrito Federal, Brasil
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1   Médico Ortopedista, Hospital Regional de Sobradinho, Brasília, Distrito Federal, Brasil
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1   Médico Ortopedista, Hospital Regional de Sobradinho, Brasília, Distrito Federal, Brasil
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1   Médico Ortopedista, Hospital Regional de Sobradinho, Brasília, Distrito Federal, Brasil
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1   Médico Ortopedista, Hospital Regional de Sobradinho, Brasília, Distrito Federal, Brasil
› Author Affiliations

Suporte Financeiro A presente pesquisa não recebeu nenhum financiamento específico de gências de financiamento dos setores público, comercial ou sem fins lucrativos.
 

Resumo

Objetivo Analisar os resultados e os dados clínicos e epidemiológicos do tratamento das pseudoartroses infectadas da tíbia pelo método de Ilizarov associado ao curativo de Orr.

Métodos Para analisar os dados de n = 43 pacientes com diagnóstico de pseudoartrose infectada da tíbia foram aplicados métodos estatísticos descritivos e inferenciais e os resultados ósseos e funcionais foram avaliados de acordo com os critérios de avaliação de Paley. As variáveis qualitativas foram apresentadas por distribuição de frequências absolutas e relativas. As variáveis quantitativas foram apresentadas pelo teste de DAgostino-Pearson.

Resultados Foi encontrado que 37 (86,04%) eram do sexo masculino, 6 (13,95%) femininos. A faixa etária mais frequente entre os pacientes foi de 50 a 59 anos (25.6%), p-valor = 0.8610. O tempo de tratamento é maior no tratamento trifocal (23.8 meses) quando comparado com o Bifocal (15.6 meses), p-valor =0.0010* (altamente significante). Os resultados ósseos excelentes representaram 72,09%, 23,25% foram de resultados considerados bons. Os resultados funcionais considerados excelentes foram 55,81%, os resultados bons foram 6,97%, resultados regulares foram 27,90. O curativo com gaze vaselinada (curativo de Orr) mostrou-se eficaz, alcançando assim a cicatrização das feridas com cobertura de partes moles em todos os pacientes avaliados.

Conclusões O método de Ilizarov proporcionou uma mudança substancial no tratamentos das infecções ósseas, especialmente das pseudoartroses infectadas. A versatilidade deste método se transformou em uma ferramenta eficaz, permitindo a cura do processo infeccioso, bem como correção das possíveis deformidades e do encurtamento.


Introdução

As pseudoartroses são um dos problemas mais importantes enfrentados por cirurgiões ortopédicos em todo o mundo no tratamento de fraturas dos ossos tubulares longos. Além da dificuldade de consolidação, problemas graves como deformidade, infecção e discrepância dos membros acompanham o quadro clínico.[1]

As fraturas podem evoluir com retardo ou não consolidação. As pseudoartroses são definidas como a falta de consolidação de uma fratura, com evidências clínicas e/ou radiológicas que o processo de cicatrização da fratura finalizou, e sua consolidação será altamente improvável.[2]

Há a necessidade de um tratamento que estimule a consolidação óssea, trate a infecção e resolva os problemas de discrepância de comprimento e deformidades angulares.[3] Em 1951, em Kurgan, na Rússia, Gavriil Abramovich Ilizarov iniciou o uso da fixação externa e desenvolveu, com grande êxito, seu método para o tratamento de várias lesões ortopédicas e traumatológicas.[4]

A possibilidade de alongar o osso de forma segura e previsível, pela tração gradual segundo o princípio proposto por Ilizarov, permitiu o alongamento ósseo sob nova visão biológica, bem como o desenvolvimento de uma nova técnica denominada de osteossíntese de compressão-afastamento.[5]

Este trabalho, portanto, busca analisar os resultados e os dados clínicos e epidemiológicos do tratamento das pseudoartroses infectadas da tíbia tratadas pelo método de Ilizarov associado ao curativo de Orr.


Métodos

Este trabalho teve a aprovação do comitê de ética sob o número: 53773621.3.0000.5553.

Foram avaliados, retrospectivamente, 43 prontuários médicos de pacientes com diagnóstico de pseudoartrose infectada da tíbia do Hospital Regional de Sobradinho, Distrito Federal, no período de julho de 2012 a dezembro de 2019. Os critérios de inclusão relacionam-se aos casos de pseudoartroses da tíbia infectadas tratadas pelo método de Ilizarov ao menos seis meses após a retirada do fixador, em pacientes maiores de 18 anos, homens e mulheres, que possuíam todos os dados disponíveis no prontuário. Foram utilizados como critérios de exclusão os casos de pseudoartroses não infectadas, de pseudoartroses da tíbia tratadas por outros métodos e de pseudoartrose congênita na tíbia, bem como pacientes menores de 18 anos e com dados insuficientes no prontuário.

Os dados foram coletados dos prontuários eletrônicos por meio de planilhas, em um formulário de coleta desenvolvido pelo próprio pesquisador, e os resultados ósseos e funcionais foram avaliados de acordo com os critérios de avaliação de Paley et al.[6] ([Tabelas 1] e [2]>).

Tabela 1

Resultados ósseos

Obtenção de união óssea

Ausência de infecção

Deformidade angular menor que 7°

Discrepância de comprimento inferior a 2,5cm na tíbia

Excelente

Todos os critérios acima

Bom

Consolidação óssea, mais quaisquer dois dos outros critérios

Regular

União óssea, mais um dos outros critérios

Ruim

Não se obteve a consolidação óssea, ou ocorreu refratura, ou não alcançou nenhum dos outros critérios

Tabela 2

Resultados funcionais

Claudicação significativa

Rigidez em equino de tornozelo

Distrofia de tecidos moles

Dor e inatividade

Excelente

Indivíduo ativo com nenhum dos quatro critérios

Bom

Indivíduo ativo com um ou dois dos critérios

Regular

Indivíduo ativo com três critérios ou com os quatro

Ruim

Indivíduo inativo, independentemente dos outros critérios

Para analisar dados de n = 43 pacientes com diagnóstico de pseudoartrose infectada da tíbia, foram aplicados métodos estatísticos descritivos e inferenciais. As variáveis qualitativas serão apresentadas por distribuição de frequências absolutas e relativas. As variáveis quantitativas foram apresentadas por medidas de tendência central e de variação e tiveram a normalidade avaliada pelo teste de D'Agostino-Pearson , os testes de Qui-quadrado de aderência , teste t Student e a correlação linear de Person também foram utilizados.[7] Foi previamente fixado erro alfa em 5% para rejeição de hipótese nula, e o processamento estatístico foi realizado nos programas BioEstat versão 5.3 e STATA release 17.[8]

Técnica cirúrgica e tratamento ambulatorial

Cada paciente foi avaliado clínica e radiologicamente antes do procedimento cirúrgico. Os aparelhos de Ilizarov foram montados durante o per-operatório de acordo com o tamanho do segmento, verificando comprimento e largura necessários. As incisões geralmente foram realizadas nas topografias das cicatrizes cirúrgicas prévias.

Os materiais implantados, quando presentes, foram removidos. Incisão anterior ou anteromedial foi realizada para ressecção do tecido ósseo inviável. Considera-se inviável o tecido necrótico ou a borda óssea menor do que 2/3 do diâmetro normal. As amostras ressecadas foram encaminhadas para estudo histopatológico.

A montagem dos fixadores externos de Ilizarov foi realizada seguindo o padrão da escola italiana,[5] utilizando fios de Kirschner 1.8 milímetros, juntamente com pinos de Schanz cônicos de 6 milímetros. Os fixadores foram estendidos até o pé para minimizar deformidade em equino nos alongamentos ósseos maiores que 4 centímetros ou nos casos de falhas ósseas metafisárias distais. Foram realizadas corticotomias com serra de Gigli (técnica americana).

O tipo de reconstrução óssea é utilizado conforme o tamanho da falha óssea a ser reconstruída. Foi utilizado transporte bifocal nas falhas ósseas menores que 4 cm e transporte ósseo trifocal nas falhas ósseas maiores que 4 cm. Nas falhas ósseas acima de 10 cm, foi utilizado o transporte ósseo tetrafocal ou a reconstrução com fíbula; em um paciente, foi realizada a tibialização da fíbula.

A ferida operatória localizada no local da ressecção do tecido ósseo inviável sempre foi mantida aberta, o tamanho da ferida variou de acordo com o tamanho da ressecção óssea, podendo ser menores que 4 cm nos transportes bifocais e maiores que 4 cm nos trifocais, até mesmo maiores que 10 cm nas ressecções maiores. Os curativos foram feitos com gazes umedecidas com óleo de girassol. Esses curativos profundos são trocados semanalmente no ambulatório de ortopedia, seguindo a técnica proposta por Orr.[9] Não foram utilizados procedimentos adicionais, como cirurgias plásticas.

No pós-operatório, os pacientes geralmente receberam alta hospitalar nas primeiras 48 horas, com prescrições de medicamentos antimicrobianos e analgésicos, via oral, para uso na primeira semana seguindo protocolo hospitalar pré-estabelecido. Após o tratamento cirúrgico de ressecção, os antibióticos foram descontinuados, ou mesmo não utilizados, ficando a antibioticoterapia reservada apenas para os casos de infecção relacionadas aos trajetos dos pinos e fios.

Os pacientes foram orientados a manterem o membro elevado e a utilizarem órtese elástica para dorsiflexão passiva para o tornozelo. Estimula-se a descarga de peso a partir da terceira semana após a cirurgia. Além disso, o tratamento fisioterápico é amplamente recomendado, porém, muitas vezes, ele é bastante prejudicado ou negligenciado devido a fatores socioeconômicos.

O transporte ósseo é iniciado entre a 2ª e a 3ª semana após a cirurgia. Foi utilizada a velocidade de 0,5 milímetros ao dia para a construção de cada regenerado, dividida em duas etapas manipulações diárias.

Quando alcançado o fechamento da ferida por segunda intenção e a finalização do transporte ósseo, um novo procedimento cirúrgico para enxertia de osso esponjoso autólogo retirado da crista ilíaca foi realizado nos focos das pseudoartroses.

Após a enxertia, uma avaliação radiológica foi feita mensalmente para verificar a união no local de pseudoartrose e a consolidação dos regenerados, como também das possíveis complicações. O fixador foi removido quando a completa dinamização do aparelho foi alcançada, quando a pseudoartrose estava consolidada, quando os regenerados estavam corticalizados em pelo menos três dos quatro lados, quando não havia dor à palpação óssea e quando os pacientes descarregaram carga total sobre o membro afetado. Após a retirada do aparelho, foram utilizadas órteses protetoras do tipo bota durante pelo menos um mês, para evitar casos de refratura.



Resultados

O presente estudo analisou dados de n = 43 pacientes com diagnóstico de pseudoartrose infectada da tíbia. A [Tabela 3] apresenta a caracterização dos pacientes tratados, sendo a faixa etária entre 50-59 anos a mais frequente com 25,6%, o sexo masculino com 86% e a tíbia esquerda a mais acometida em 53,5%, devido a acidentes motociclísticos em 37,2%.

Tabela 3

Características gerais

Frequência

χ2

Categorias

n = 43

%

p-valor

Faixa etária

0.8610

20 a 29 anos

7

16.3

30 a 39 anos

9

20.9

40 a 49 anos

7

16.3

50 a 59 anos

11

25.6

60 anos ou mais

9

20.9

Sexo

<0.0001*

Feminino

6

14.0

Masculino

37

86.0

Motivo do trauma

<0.0001*

Arma de fogo

2

4.7

Atropelamento

3

7.0

Motocicleta

16

37.2

Queda própria altura

1

2.3

Não especificado

21

48.8

Lateralidade

0.7604

Direita

20

46.5

Esquerda

23

53.5

O tempo de tratamento, como mostra a [tabela 4], pode ser estimado pela seguinte equação: Tempo de tratamento = 6.7 + Idade * 0.2895, a qual indica que a correspondência é diretamente proporcional ([Fig. 1]), 44,2% foram tratados entre 12-23 meses, em 46,5% o tipo de tratamento foi o transporte ósseo bifocal e 46,5% trifocal, 88,3% apresentaram infecção no trajeto do pino.

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Fig. 1 Correlação entre Idade do paciente (anos) e Tempo de tratamento (meses) de n = 43 pacientes com diagnóstico de pseudoartrose infectada da tíbia.
Tabela 4

Tratamento e complicações

Frequência

χ2

Caracterização

n = 43

%

p-valor

Tempo do tratamento em meses

0.0063*

11 meses ou menos

9

20.9

12 a 23 meses

19

44.2

24 a 35 meses

12

27.9

36 meses ou mais

3

7.0

Tipo de tratamento

<0.0001*

Bifocal

20

46.5

Trifocal

20

46.5

Tetrafocal

2

4.7

Tibialiazação da fíbula

1

2.3

Complicação

<0.0001*

Fratura do regenerado

2

4.7

Osteólise/soltura do pino

1

2.3

Infecção no trajeto do pino

38

88.3

Refratura

2

4.7

A [Tabela 5] descreve a avaliação dos resultados funcionais após o tratamento, observando-se que 58,1% dos pacientes não apresentavam claudicação e 95,3% não apresentaram distrofia. A [Tabela 6], por sua vez, mostra a caracterização do tempo de tratamento, o qual é maior quando o paciente tem claudicação (24.2 meses) em comparação a quando o paciente não claudica (17.6 meses), sendo p-valor =0.0469* (estatisticamente significante), conforme apresentado na [Fig. 2].

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Fig. 2 Tempo de tratamento conforme tipo de tratamento e claudicação em n = 43 pacientes com diagnóstico de pseudoartrose infectada da tíbia.
Tabela 5

Avaliação dos resultados funcionais

Frequência

χ2

Características

n = 43

%

p-valor

Claudicação

0.3602

Sim

18

41.9

Não

25

58.1

Deformidade em equino

<0.0001*

Sim

5

11.6

Não

38

88.4

Distrofia

<0.0001*

Sim

2

4.7

Não

41

95.3

Dor/inatividade

<0.0001*

Sim

4

9.3

Não

39

90.7

Discrepância menor que 1,5cm

0.0008*

Sim

33

76.7

Não

10

23.3

Tabela 6

Tempo de tratamento (mês)

n

Média

DP

p-valor

Motivo do trauma

0.2876

 Arma de fogo

2

16.0

14.1

 Atropelamento

3

23.7

4.0

 Queda de motocicleta

16

19.3

12.8

 Queda da própria altura

1

25.0

 Não especificado

21

20.9

8.9

Tipo de tratamento

0.0100*

 Bifocal

20

15.6

6.4

 Trifocal

20

23.8

11.6

 Tetrafocal

2

33.5

2.1

 Tibialiazação da fíbula

1

21.0

Claudicação

0.0469**

 Sim

18

24.2

12.1

 Não

25

17.6

7.6

Deformidade em equino do pé

0.4272

 Sim

5

23.8

10.7

 Não

38

19.9

10.2

Distrofia

n/a

 Sim

2

37.0

2.8

 Não

42

19.5

9.7

Dor/inatividade

0.1509

 Sim

4

37.3

19.3

 Não

39

18.6

7.2

Em relação aos resultados da anatomia patológica, foi possível localizar os resultados em apenas 8 dos 43 pacientes avaliados, sendo estas 8 amostras positivas para osteomielite. As culturas costumeiramente não foram solicitadas, já que foi optado por não utilização de antibióticos após o tratamento de ressecção óssea e reconstrução.

Os desfechos ósseos e funcionais foram avaliados retrospectivamente, por meio da análise das informações contidas nos prontuários médicos de todos os pacientes após o término do tratamento, por meio dos critérios de Paley et al.[6] ([Tabela 1]).

Neste estudo, 72,09% dos pacientes obtiveram resultados ósseos excelentes ([Fig. 3]) e 23,25% apresentaram resultados considerados bons. Nenhum paciente obteve resultado ósseo regular e 4,65% tiveram resultados ósseos ruins. Todos os pacientes obtiveram a cura da infecção óssea e consolidação da pseudoartrose, os resultados regulares e ruins foram relacionados a deformidades ou discrepâncias residuais, além de casos de refratura.

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Fig. 3 (a) Homem com pseudoartrose de tíbia direita esquerda com exposição do material de síntese; (b) Radiografia após retirada do material, ressecção óssea e montagem do fixador de Ilizarov objetivando transporte ósseo trifocal; (c, d) Radiografia mostra transporte ósseo; (e) Radiografia mostra o estado próximo ao término do transporte; (f, g) Fratura consolidada.

Quanto aos resultados funcionais ([Tabela 2]), o presente estudo encontrou o seguinte cenário: 55,81% dos pacientes apresentaram resultados funcionais excelentes ([Fig. 4]); 6,97% tiveram resultados bons; 27,90%, regulares; e, por fim, 9,30% apresentaram resultados ruins.

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Fig. 4 (a) Homem no pós-operatório imediato do fixador de Ilizarov para tratamento de pseudoartrose infectada; (b, c) Paciente durante o tratamento; (d, e, f, g) Resultado funcional após retirada do fixador de Ilizarov.

Em relação às complicações ocorridas durante o tratamento, foi observado que, em algum momento do tratamento, em todos os pacientes, ocorreram infecções relacionadas aos pinos de Schanz e aos fios de Kirschner, sendo que, em um deles, houve a soltura do pino e, portanto, a necessidade de um procedimento adicional para debridamento cirúrgico do trajeto e fixação de um novo pino. Em um outro paciente, esse processo infeccioso levou à instabilidade do bloco distal do fixador, e isso foi resolvido com novo procedimento de revisão do aparelho.

Dois pacientes incorreram com refratura após retirada do fixador e foram tratados conservadoramente com aparelhos gessados e órteses do tipo bota. Um paciente apresentou fratura do regenerado ósseo e foi tratado com órtese imobilizadora do tipo bota, evoluindo com consolidação óssea sem deformidades.

Ao avaliar os desfechos de partes moles, todos os pacientes foram tratados sem necessidade de procedimentos adicionais, tais como retalhos ou enxertos cutâneos. O curativo com gazes umedecidas com vaselina líquida ou com óleo de girassol (curativo na técnica de Orr)[9] foi o recurso utilizado; alcançou-se, assim, a cicatrização por segunda intenção das feridas com cobertura de partes moles em todos os pacientes avaliados.


Discussão

Ilizarov postulou novos conceitos biológicos e técnicas de um sistema de fixação externa que revolucionou o tratamento das pseudoartroses. Por meio desse sistema, é possível, com osteossíntese mínima, corrigir deformidades, erradicar infecções, equalizar membros e eliminar falhas ósseas, concomitantemente, manter a função articular e permitir carga corpórea precoce.[6]

Em relação aos dados epidemiológicos idade, sexo e lateralidade, este estudo foi corroborado por outro estudo[3] que incluiu 20 pacientes portadores de pseudartrose unilateral infectada da tíbia tratados pelo método de Ilizarov, no qual 16 pacientes eram homens e quatro eram mulheres, com média de idade de 32 anos (17-74). Quanto ao lado acometido, nove (45%) foram do lado direito e 11 (55%), do lado esquerdo.

Em relação as opções e o tempo de tratamento, no presente estudo, os transporte ósseos bifocal e trifocal foram os recursos mais utilizados e o tempo médio de tratamento foi de 20,34 meses. Um estudo indiano[9] utilizou o transporte bifocal em 85% dos pacientes, diferentemente do estudo de americano,[5] onde 10 pacientes receberam tratamento monofocal de compressão-distração, o tratamento bifocal foi realizando em 7 pacientes e em três deles, o tratamento bifocal foi combinado com a ressecção do infectado osso.

Esses dados diferem de outros trabalhos,[6] [10] uma vez que um encontrou um tempo médio de consolidação de 12,57 meses, e o outro apresentou tempo médio de acompanhamento de 40,8 meses. Outros autores,[11] no entanto, observaram que 85% dos pacientes foram tratados por transporte bifocal.

Em relação aos resultados ósseos deste estudo, observaram-se dados semelhantes aos encontrados por Maini et al.,[12] os quais obtiveram 70% de resultados excelentes, 10% bons, 0% regular e 20% ruins. Esse mesmo cenário foi encontrado por McNally et al.,[11] que apresentaram 60% de resultados excelentes, 15% bons, 25% regulares e 0% ruim, e isso diverge de outro estudo,[13] no qual obtiveram 22% de excelentes resultados, 36,34% bons, 22% regulares e 18,18% ruins.

Outros dois trabalhos apresentaram resultados comparáveis,[6] [14] sendo que o primeiro alcançou os seguintes resultados ósseos: 60,87% excelentes, 26,09% bons, 8,7% regulares e 4,35% ruins. Já o segundo obteve como resultados excelentes 50%, os bons foram 29%, os regulares, 3,6%, e os ruins, 17,4%.

Os resultados funcionais nesse estudo foram os seguintes: 55,81% excelentes, 6,97% bons, 27,90% regulares e 9,30% ruins. Esse cenário se assemelha a outro trabalho,[14] que obteve 55% de excelentes resultados, 30% de bons, 5% de regulares e 10% de ruins.

Esses dados diferem de outros quatro estudos,[6] [13] [15] [16] os quais apresentaram as seguintes conclusões: o primeiro alcançou 26,7% de resultados funcionais excelentes, 40% bons, 10% regulares e 28,3% ruins; o segundo encontrou 5,56% excelentes, 22,22% bons, 33,33% regulares e 38,89% ruins; já o terceiro obteve 25% excelentes, 39,2% bons, 14,3% regulares e 2,15% ruins; o quarto, por fim, apresentou 64% excelentes, 28% bons, 4% regulares e 4% ruins.

Existem complicações e intercorrências inerentes e habituais ao uso de fixador externo, que são infecção nos trajetos dos pinos e fios, contraturas articulares, lesões vasculonervosas e perda da estabilidade do aparelho. Entretanto, existem certas complicações próprias aos transportes ósseos das pseudoartroses.[17]

A consolidação prematura e o retardo na ossificação do regenerado são complicações oriundas da falta de equilíbrio em relação ao ritmo e à periodicidade do alongamento. Outras complicações são a deformidade angular e a fratura do regenerado, que ocorrem, na maioria das vezes, por retirada precoce do aparelho, como também por quedas do paciente durante ou após o tratamento.[18]

Em relação às complicações ocorridas durante o tratamento, foi observado que, em algum momento, todos os pacientes apresentaram infecções relacionadas aos pinos de Schanz e aos fios e de Kirchner. Essa observação é corroborada por outro estudo,[18] o qual concluiu que a infecção superficial no trajeto dos pinos e/ou fios pode chegar a até 100% dos casos e sempre está presente em alguma fase do tratamento.

Ao avaliar os desfechos de partes moles, todos os pacientes foram tratados sem necessidade de procedimentos adicionais, tais como retalhos ou enxertos cutâneos. O curativo com gaze vaselinada (curativo de Orr) foi o recurso utilizado, alcançando assim a cicatrização das feridas com cobertura de partes moles em todos os pacientes avaliados.

O cirurgião de guerra H. Winnett Orr[9] desenvolveu o tratamento da osteomielite aguda por meio da drenagem e um de curativo asséptico que deve ser colocado dentro e ao redor da ferida, o qual não deve ser retirado ou trocado por várias semanas. Geralmente, dois ou quatro curativos são suficientes para garantir a cicatrização; enquanto isso, o membro é mantido imobilizado com aparelho gessado e os curativos são trocados por meio de uma janela feita no gesso.

Esse curativo com tamponamento com gaze vaselinada é usado desde a Primeira Guerra Mundial ([Fig. 5]). A vaselina sólida impregna as gazes e não permite que haja a penetração dos brotos de neoformação vascular nas margens delas, entretanto, ao mesmo tempo, permite o escoamento das secreções. O crescimento do tecido vai empurrando gradativamente o tamponamento para fora e, quando atingir o nível da pele, ocorre o recobrimento da ferida pelo epitélio proveniente das bordas do próprio ferimento.[19]

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Fig. 5 (a) Exemplo de curativo com gaze vaselinada de Orr; (b) Homem no intra-operatório do fixador de Ilizarov para transporte ósseo tetrafocal em tandem; (c) Radiografia do pós-operatório imediato do fixador de Ilizarov para transporte tetrafocal; (d) Algumas semanas após início do transporte ósseo e trocas do curativo de Orr; (e) Paciente após término do transporte, retirada do fixador de Ilizarov e trocas do curativo de Orr; (f) Radiografia após retirada do fixador de Ilizarov e transporte tetrafocal.

Conclusão

O método de Ilizarov proporcionou uma mudança substancial no tratamento das infecções ósseas, especialmente das pseudoartroses infectadas, e a versatilidade desse método o transformou em uma ferramenta eficaz, uma vez que permite a cura do processo infeccioso, bem como a correção das possíveis deformidades e dos encurtamentos dos membros.

Os dados epidemiológicos e os resultados ósseos e funcionais deste trabalho foram corroborados por grande parte da literatura e demonstram a eficácia do método, na qual foi obtida a resolução do processo infecioso, a consolidação óssea, além de fornecer uma razoável recuperação funcional aos indivíduos avaliados.

As complicações são inerentes ao tratamento, devido ao período muitas vezes prolongado até a obtenção da cura, e devem ser compreendidas e manejadas adequadamente pelo médico assistente e pelo paciente, de forma a buscar minimizá-las ao máximo.

O manejo das partes moles também é um fator importante a ser levado em consideração. O curativo com gaze vaselinada mostrou-se uma opção eficaz e barata no tratamento das partes moles, uma vez que elimina a necessidade de procedimentos cirúrgicos adicionais, bem como gera economia e menor desgaste físico e emocional aos pacientes.



Conflito de Interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Trabalho desenvolvido no Hospital Regional de Sobradinho, Brasília, Distrito Federal, Brasil



Endereço para correspondência

João Pedro Leite Lima
médico residente em Ortopedia e Traumatologia do Hospital Regional de Sobradinho
endereço: Quadra 12 Conjuto B Lote 38 Sobradinho, DF, 73010-120
Brasil   

Publication History

Received: 10 September 2022

Accepted: 12 April 2023

Article published online:
30 August 2023

© 2023. Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution-NonDerivative-NonCommercial License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit. Contents may not be used for commercial purposes, or adapted, remixed, transformed or built upon. (https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/)

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Fig. 1 Correlação entre Idade do paciente (anos) e Tempo de tratamento (meses) de n = 43 pacientes com diagnóstico de pseudoartrose infectada da tíbia.
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Fig. 2 Tempo de tratamento conforme tipo de tratamento e claudicação em n = 43 pacientes com diagnóstico de pseudoartrose infectada da tíbia.
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Fig. 3 (a) Homem com pseudoartrose de tíbia direita esquerda com exposição do material de síntese; (b) Radiografia após retirada do material, ressecção óssea e montagem do fixador de Ilizarov objetivando transporte ósseo trifocal; (c, d) Radiografia mostra transporte ósseo; (e) Radiografia mostra o estado próximo ao término do transporte; (f, g) Fratura consolidada.
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Fig. 4 (a) Homem no pós-operatório imediato do fixador de Ilizarov para tratamento de pseudoartrose infectada; (b, c) Paciente durante o tratamento; (d, e, f, g) Resultado funcional após retirada do fixador de Ilizarov.
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Fig. 1 Correlation between the subjects' age (years) and treatment time (months) of n = 43 patients diagnosed with infected tibial pseudarthrosis.
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Fig. 2 Treatment time according to the type of treatment and claudication in n = 43 patients diagnosed with infected tibial pseudarthrosis.
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Fig. 3 (a) Male subject with pseudarthrosis of the right and left tibia and synthesis material exposure; (b) Radiograph after material removal, bone resection, and assembly of the Ilizarov fixator aiming at trifocal bone transport; (c, d) Radiograph showing bone transport; (e) Radiograph showing the status near transport completion; (f, g) Consolidated fracture.
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Fig. 4 (a) Male subject during the immediate postoperative period of Ilizarov fixator placement to treat an infected pseudarthrosis; (b, c) Patient during treatment; (d, e, f, g) Functional outcome after Ilizarov fixator removal.
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Fig. 5 (a) Exemplo de curativo com gaze vaselinada de Orr; (b) Homem no intra-operatório do fixador de Ilizarov para transporte ósseo tetrafocal em tandem; (c) Radiografia do pós-operatório imediato do fixador de Ilizarov para transporte tetrafocal; (d) Algumas semanas após início do transporte ósseo e trocas do curativo de Orr; (e) Paciente após término do transporte, retirada do fixador de Ilizarov e trocas do curativo de Orr; (f) Radiografia após retirada do fixador de Ilizarov e transporte tetrafocal.
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Fig. 5 (a) Example of Orr vaseline gauze dressing; (b) Male subject; intraoperative image of the Ilizarov fixator for tetrafocal tandem bone transport; (c) Immediate postoperative radiograph of the Ilizarov fixator for tetrafocal transport; (d) A few weeks after initiation of bone transport and Orr dressing changes; (e) Patient after transport completion, removal of Ilizarov fixator, and Orr dressing changes; (f) Radiograph after Ilizarov fixator removal and tetrafocal transport.