Palavras-chave
atletas - medicina do esporte - sindromes compartimentais - traumatismos em atletas
Introdução
A síndrome compartimental (SC) foi descrita inicialmente por von Volkmann em 1881.
Posteriormente, a SC foi relatada em várias regiões anatômicas, com as extremidades
inferiores sendo mais comumente afetadas,[1] embora haja casos mais raros e limitados relatados na mão, no antebraço e no compartimento
paravertebral.[1]
[2]
[3]
A SC pode ser definida como a elevação da pressão dentro de um espaço fibro-ósseo
não expansível, levando a comprometimento da perfusão tecidual naquela área específica.
A redução da perfusão inicialmente causa dor isquêmica, seguida por dano reversível
e, eventualmente, irreversível nos tecidos dentro do compartimento. O edema resultante
cria um ciclo vicioso, agravando ainda mais a lesão isquêmica.[1]
A SC pode se manifestar como aguda, caracterizada por sintomas graves em curto período,
ou crônica, de longa duração. A síndrome compartimental aguda (SCA) é uma emergência
médica e é tipicamente causada por uma lesão grave ou trauma, resultando em dor intensa.
Por outro lado, a SC crônica (SCC) geralmente não é uma emergência médica imediata
e costuma surgir após atividade atlética intensa e repetitiva, na ausência de trauma
agudo, podendo ser aliviada com descanso e recuperação.[4]
[5]
Junto com outras condições relacionadas ao esforço, a SCC pode contribuir significativamente
para o desenvolvimento de sintomas dependentes do esforço. Portanto, essa condição
é particularmente importante nos contextos esportivo e do exercício físico. Uma das
primeiras descrições de SCC ocorreu durante a expedição britânica ao Polo Sul em 1912,
na qual Edward Wilson descreveu o inchaço e a dor no compartimento anterior da perna
durante longas caminhadas na região Antártica. Registros históricos subsequentes também
enfatizaram a prevalência da SCC em coortes militares, recebendo o apelido de “gangrena
de marcha”.[4]
Fisiopatologia
Inúmeras hipóteses foram aventadas para elucidar a fisiopatologia da SCC. No entanto,
a verdadeira etiologia e processo de desenvolvimento da SCC permanecem indeterminados.[6]
O que se sabe é que o exercício intenso pode levar a um aumento substancial no volume
muscular, resultante das demandas metabólicas aumentadas, perfusão tecidual e crescimento
das fibras musculares. Quando a pressão dentro do compartimento fascial excede a pressão
diastólica, pode ocorrer a síndrome compartimental. Esse fluxo sanguíneo comprometido
causa isquemia tecidual, acumulação de metabólitos e dor na área afetada.[4]
Alguns pesquisadores sugerem que a SCC não tratada pode levar à compressão neural
e danos irreversíveis devido ao vazamento de fluido e aumento das pressões intracompartimentais.
A diminuição da densidade capilar e o fluxo venoso prejudicado também foram implicados
no desenvolvimento da SCC.[4]
A SCC surge devido à elevação da pressão intracompartimental, que pode ser desencadeada
por diversos eventos precipitantes. A pressão dentro de um compartimento muscular
é influenciada pelo fluxo sanguíneo local, determinado pela pressão arterial local,
pressão venosa e resistência vascular. A isquemia ocorre quando a pressão intersticial
ultrapassa a pressão de perfusão capilar (PPC). A isquemia do músculo esquelético
libera uma substância semelhante à histamina, que aumenta a permeabilidade vascular,
causando a formação de trombos sanguíneos e piorando as condições isquêmicas. Miócitos
que se rompem liberam proteínas que causam a saída de água do sangue arterial para
o compartimento.[7]
Outros fatores associados à SCC envolvem métodos de treinamento inadequados, desalinhamento
dos membros, discrepâncias no comprimento das pernas, estilo de corrida e controle
neuromuscular deficiente.[8]
Embora o mecanismo subjacente preciso ainda seja objeto de debate, o consenso aponta
para a repetição de esforço muscular dentro de um compartimento, levando a uma redução
da perfusão sanguínea como a principal via para o desenvolvimento dos sintomas da
SCC.[8]
Epidemiologia e Fatores de Risco
Epidemiologia e Fatores de Risco
A prevalência real da SCC permanece incerta devido a fatores como: indivíduos que
fazem auto tratamento ou modificam suas atividades, erros no diagnóstico clínico e
a não busca de atendimento médico. É estimado que de 14 a 34% dos casos de dor nas
pernas encaminhadas para tratamento ortopédico relacionadas à atividade ou esforço
sejam compatíveis com SCC.[4] A prevalência atual da SCC na população em geral é desconhecida. No entanto, ela
foi documentada em subgrupos atléticos específicos com uma taxa de 0,49 casos por
mil pessoas por ano.[9]
A SCC afeta principalmente a perna, com mais de 95% dos casos relatados nesta região.
No entanto, existem relatos variáveis de envolvimento no compartimento paravertebral
lombar,[1] na mão, no antebraço, na coxa e no pé em grupos de alto risco específicos.[4] Entre os compartimentos das pernas, o compartimento anterior é o mais comumente
afetado (42–60%), seguido pelo lateral (35–36%), posterior profundo (19–32%) e compartimentos
superficiais posteriores (3–21%). O envolvimento de um único compartimento é menos
comum (37%), com aproximadamente 40% dos casos sintomáticos em 2 compartimentos, 18%
envolvendo 3 compartimentos e apenas 5% afetando todos os 4 compartimentos. O envolvimento
bilateral é mais prevalente, representando até 95% dos casos, sem diferenças observadas
com base na lateralidade.[4]
Devido a disparidades anatômicas entre adolescentes e adultos, pacientes mais jovens
enfrentam um risco elevado de desenvolver síndrome compartimental.[7] Shadgan et al.[10] observaram que os médicos frequentemente acreditam que os indivíduos mais jovens
possuem uma fáscia mais rígida/estreita e forte, combinada com maior densidade muscular,
o que aumenta sua vulnerabilidade à síndrome compartimental. Portanto, a SCC é frequentemente
diagnosticada, embora não limitada, em jovens desportistas envolvidos em atividades
repetitivas, como corridas de longa distância ou cross-country.[7]
Estudos mais antigos mostravam resultados conflitantes em relação à prevalência da
SCC em homens e mulheres. Alguns estudos encontraram uma ocorrência maior em homens,
enquanto outros sugeriram um aumento potencial da ocorrência em mulheres. No entanto,
as últimas investigações da literatura relataram uma incidência aproximadamente igual
de SCC entre homens e mulheres.[4]
Rothman et al.[11] descobriram que as mulheres tinham menos probabilidade do que os homens de retornar
ao esporte após uma intervenção cirúrgica, e fatores como pressões intracompartimentais,
participação esportiva e resultados pós-cirúrgicos não foram estatisticamente diferentes
entre os gêneros.
Mais de 90% das pessoas diagnosticadas com SCC estão envolvidas em atividades atléticas,
sem diferença relatada entre aqueles que participam de níveis de competição de elite
ou recreativas. Embora vários esportes tenham sido associados ao desenvolvimento da
SCC, incluindo lacrosse, futebol, basquete, esqui e hóquei de campo, ela é mais comumente
observada em corredores de longa distância, representando até 68% dos casos.[4] Há alguns casos raros relatados em atletas envolvidos em levantamento de peso, futebol
americano e beisebol.[2]
[3]
[12] No entanto, a SCC também pode ocorrer em populações menos ativas.
O exercício intenso, particularmente a corrida, embora não exclusivamente, foi associado
a um aumento na incidência de SCC. Mudanças fisiológicas e metabólicas resultantes
de atividade física significativa afetam o volume muscular e as pressões compartimentais.
O fortalecimento muscular excêntrico em adultos foi identificado como uma possível
causa para a diminuição da conformidade fascial e o desenvolvimento da SCC. Pacientes
com SCC frequentemente têm uma fáscia espessada e uma maior prevalência de defeitos
fasciais em comparação com indivíduos assintomáticos. Esteroides anabólicos androgênicos
e outras drogas para melhora de desempenho que são usadas para o aumento muscular
também podem contribuir para elevações anormais nas pressões intracompartimentais
e foram sugeridos como possíveis fatores de risco para a SCC.[4] Alguns indícios sugerem que erros de treinamento, especificamente um aumento abrupto
no volume e/ou intensidade do treinamento, podem ser o fator de risco mais importante
para o desenvolvimento da SCC.[13]
Anatomia e Apresentação Clínica
Anatomia e Apresentação Clínica
A SCC é a segunda causa mais comum de dor nas pernas relacionada ao esforço, seguida
da síndrome do estresse tibial medial (SETM), afetando aproximadamente um terço dos
atletas. É importante considerar outros potenciais diagnósticos de dor nas pernas
induzida pelo exercício, como compressão nervosa, lesões ósseas por estresse, trombose
venosa profunda, SETM e outras condições clínicas ao avaliar os sintomas.[4]
[13]
Um conhecimento abrangente da anatomia dos membros inferiores é crucial para diagnosticar
a SCC e identificar os compartimentos envolvidos. A perna inferior é dividida anatomicamente
em quatro compartimentos: anterior, lateral, superficial posterior e posterior profundo,
com um quinto compartimento adicional para o músculo tibial posterior, que possui
sua própria fáscia ([Fig. 1]).[14]
Fig. 1 Corte transversal da perna, evidenciando os quatro compartimentos: o compartimento
anterior, onde se alocam os músculos tibial anterior, extensores longos dos dedos
dos pés, extensor longo do hálux e fibular terceiro, o compartimento lateral composto
pelos músculos fibular longo e curto, o compartimento superficial posterior composto
pelos músculos gastrocnêmio, sóleo e plantares e o compartimento posterior profundo
contendo o músculo tibial posterior e os flexores longos dos dedos dos pés.
O compartimento anterior abriga o nervo fibular profundo, artéria tibial anterior,
músculo tibial anterior, extensores longos dos dedos dos pés, extensor longo do hálux
e fibular terceiro. A pressão aumentada neste compartimento pode levar à perda sensorial
no primeiro espaço interdigital e fraqueza na dorsiflexão dos dedos dos pés e tornozelo.[14]
O compartimento lateral é composto pelos músculos fibular longo e curto, artéria fibular,
bem como pelo nervo fibular superficial. A compressão neste compartimento pode causar
fraqueza na eversão do pé e redução da sensibilidade no dorso do pé.[14]
O compartimento superficial posterior contém a artéria tibial posterior, os músculos
gastrocnêmio, sóleo, plantares, juntamente com o segmento distal do nervo sural. A
compressão aqui pode resultar em dormência na lateral do pé e na panturrilha distal.[14]
O compartimento posterior profundo contém o músculo tibial posterior, flexores longos
dos dedos dos pés, a artéria fibular e o nervo tibial. O aumento da pressão neste
compartimento pode levar a fraqueza na flexão plantar e dormência na planta do pé.[14] Dado que a grande maioria dos casos ocorre nos membros inferiores, não entraremos
em detalhes anatômicos de outras regiões.
A progressão natural da SCC geralmente é atraumática, embora alguns indivíduos possam
relatar uma história de trauma de baixa energia. Os pacientes frequentemente experimentam
sensação de rigidez, dor ou desconforto nas partes anterior e lateral da perna após
exercício prolongado, com sintomas que geralmente melhoram com repouso ou redução
da atividade, sendo esse detalhe, em particular, considerado um critério específico
da doença.[13] Os sintomas da SCC costumam ser bilaterais em até 95% dos pacientes. Junto com a
distribuição do nervo fibular superficial, os indivíduos afetados também podem apresentar
redução da sensibilidade vibratória e amplitude motora reduzida, levando a um menor
controle do pé e tornozelo, como descrito acima.[4] Cãibras, hipossensibilidade ou fraqueza muscular são evidentes em aproximadamente
um terço dos pacientes.[13]
Diagnóstico
O diagnóstico da SCC se baseia em um histórico detalhado e exame físico minucioso.
É importante documentar a frequência, volume, duração e intensidade das sessões de
treinamento, bem como quaisquer padrões no início e na resolução dos sintomas relatados.
Embora os pacientes possam não apresentar sintomas em repouso, o esforço pode desencadear
sintomas significativos que limitam a atividade. Os cinco sintomas principais frequentemente
relatados por pacientes com SCC incluem: dor, aperto, cãibras, fraqueza e diminuição
da sensibilidade no dorso do pé.[4]
Recentemente, Vogels et al.[15] propuseram cinco critérios-chave para o diagnóstico da SCC. Os membros do painel
do estudo concordaram que a SCC era considerada provável se o paciente (I) estiver
envolvido em atividades que exigem ativação repetitiva dos mesmos músculos, (II) relatar
dor durante o exercício, (III) relatar rigidez/aperto durante o exercício, (IV) interromper
precocemente ou evitar atividades específicas e (V) se ele pode induzir sintomas realizando
atividades provocativas durante o exame físico.[15]
Durante o exame físico, a dor pode ser provocada pelo alongamento passivo de um compartimento
se o paciente tiver se exercitado recentemente, embora isso seja incomum em repouso.
A palpação da área afetada pode revelar defeitos na fáscia, encontrados em 39 a 46%
das pessoas com SCC.[4]
Embora haja muito debate em curso, o padrão histórico para o diagnóstico da SCC tem
sido a medição da pressão intracompartimental. Os pioneiros no desenvolvimento de
uma técnica com tal objetivo foram Whitesides et al.,[16] em um estudo revolucionário no qual utilizaram objetos como seringa, agulha, solução
salina e tubos de plástico conectados a um manômetro. Atualmente, o monitoramento
da pressão intracompartimental pode ser realizado usando diversos dispositivos comercialmente
disponíveis, os quais foram inspirados pela invenção de Whitesides et al.[16] Isso permite a comparação dos compartimentos afetados e não afetados nos membros
inferiores bilaterais. No processo diagnóstico, os pacientes realizam um teste de
estresse físico. Uma série de medições de manometria é feita antes e após o exercício
para analisar as tendências das pressões intracompartimentais nos compartimentos sintomáticos.
A pressão intracompartimental típica em repouso na perna costuma ser menor que 10 mmHg,
embora as medidas possam variar consideravelmente entre os pacientes e sejam influenciadas
pelo operador que realiza a medição.[4]
Em um estudo conduzido por Davis et al.,[17] pacientes com SCC foram monitorados durante testes de estresse físico. A análise
revelou que esses indivíduos experimentavam dor na perna após uma média de 11 minutos
de esforço, classificando a dor como 8 de 10 em na Escala Visual Analógica. Os sintomas
diminuíam após cerca de 45 minutos de repouso. Aproximadamente 36% dos pacientes também
relataram dormência ou formigamento além da dor após o esforço. Medidas objetivas
de pressão nos compartimentos mostraram aumentos significativos nos compartimentos
anterior, lateral, posterior profundo e superficial posterior após os testes de estresse
físico.[4]
Pedowitz et al.[18] estabeleceram critérios diagnósticos para confirmar a presença de SCC induzida por
exercícios. Segundo eles, o diagnóstico pode ser feito se um dos seguintes critérios
for atendido: 1) pressão pré-exercício maior que 15 mmHg; 2) pressão 1 minuto após
o exercício maior que 30 mmHg; ou 3) pressão 5 minutos após o exercício maior que
20 mmHg.
Contudo, vale destacar que os critérios de corte diagnóstico diferem substancialmente
de acordo com o autor,[15] e as medições de pressão nem sempre são confiáveis devido a fatores como tolerância
do paciente, técnica do operador e uso de diferentes dispositivos de medição. Além
disso, a natureza invasiva do teste pode estar associada a riscos de colocação incorreta
da agulha, formação de hematomas e dano nervoso.[15]
Aweid et al.[4] revisaram diversos estudos avaliando a utilidade das medições de pressão intracompartimental
no diagnóstico da SCC. Eles concluíram que, embora as medições de pressão sejam comumente
utilizadas, há evidências limitadas para validar sua precisão, e a apresentação clínica
deve ser mais considerada no diagnóstico da SCC.
Dado o questionamento quanto à aplicabilidade e valor diagnóstico da aferição de pressão
intracompartimental, é essencial ter em mente que a história clínica, o exame físico
e a exclusão de diagnósticos diferenciais são componentes indispensáveis do processo
diagnóstico. Com o intuito de superar essas limitações da técnica da agulha, novos
protocolos diagnósticos foram sugeridos, sendo recomendado até mesmo o uso sistemático
de ressonância magnética (RM) convencional para a exclusão de diagnósticos diferenciais.[19]
A RM é o melhor método de imagem para avaliar a dor na perna relacionada ao exercício,
pois detecta condições como síndrome do estresse tibial, fratura por estresse tibial,
compressões neurais, lesões musculares e tendinosas, trombose relacionada ao exercício
e hérnias fasciais.[19]
Na prática clínica, primeiramente, sequências de RM convencional são realizadas para
excluir diagnósticos diferenciais. Posteriormente, os pacientes são submetidos à corrida
(ou até mesmo caminhada) em esteira, de acordo com suas capacidades físicas, até que
não possam mais tolerar a atividade devido à dor. Logo após interromperem a atividade,
retornam imediatamente à RM para a aquisição de sequências axiais sensíveis a líquidos
e suprimidas de gordura (ponderadas em T2/short tau inversion recovery, STIR). Alguns estudos confirmaram a validade da RM pós-exercício no diagnóstico
da SCC, utilizando um aumento de 1,54 vezes na intensidade do sinal como valor de
corte diagnóstico, com sensibilidade de 96% e especificidade entre 87 e 90%.[19]
Portanto, a RM é um método não invasivo, prontamente aceito pelos pacientes, com boa
disponibilidade em grandes centros médicos, sendo o melhor exame para a exclusão de
diagnósticos diferenciais e uma opção cientificamente validada para o diagnóstico
da SCC.[19]
Tratamento
Tratamento Cirúrgico
Diversas estratégias de manejo, operatórias e não operatórias, foram descritas para
o tratamento da SCC. Tradicionalmente, o tratamento cirúrgico apresenta mais descrições
e melhores resultados, embora haja evidências crescentes de que o tratamento conservador
pode ser uma opção em determinados casos. Em atletas, o manejo consiste em intervenção
cirúrgica. A falha no tratamento não cirúrgico, sensação de parestesia, dor ao esforço
que desaparece com o repouso, aperto, cãibra, isquemia, pé caído e desejo do paciente
são as principais indicações para o tratamento cirúrgico.[9]
[20]
Em uma revisão sistemática sobre manejo cirúrgico da SCC,[9] que incluiu 1.495 pacientes de 24 estudos, as técnicas mais utilizadas foram: fasciotomia
aberta específica para o compartimento (86%), fasciotomia com fasciectomia parcial
(12%) e fasciotomia endoscópica (< 2%). Para o compartimento anterior, o mais comumente
afetado, uma única incisão longitudinal entre a crista tibial anterior e a fíbula
através da pele e tecido subcutâneo foi a mais frequente (207 de 240). No entanto,
os resultados da revisão não demonstraram se havia superioridade entre as técnicas
descritas. Em relação ao compartimento posterior, a técnica cirúrgica mais utilizada
foi uma incisão longitudinal ligeiramente medial à crista tibial com liberação da
ponte solar da tíbia para acessar a fáscia profunda. A taxa de sucesso desta intervenção
foi de 61% para o compartimento posterior profundo (44 de 72) e 100% para o posterior
superficial (3 de 3), os autores sugerem que este compartimento tem sido propenso
a um menor sucesso cirúrgico.
Uma revisão sistemática, a qual incluiu sete artigos, sobre intervenção cirúrgica
no compartimento posterior constatou que as técnicas diferiram ligeiramente ao longo
dos estudos, sem obter uma conclusão final, uma vez que os pesquisadores utilizaram
diferentes métodos para mensuração dos resultados.[21]
Novos procedimentos, como os minimamente invasivos ou os endoscópicos, vêm ganhando
espaço nas últimas décadas. Uma revisão de Lohrer et al.[13] concluiu que não havia diferença estatística entre essas técnicas: a taxa de sucesso
média não ponderada foi de 86,3% para a técnica endoscópica e 80,0% para liberação
minimamente invasiva de SCC. D'Amore et al.[22] conduziram um estudo comparando o procedimento endoscópico e a fasciotomia aberta
em atletas, de elite e amadores, com SCC dos membros inferiores. Os resultados mostraram
que a taxa de retorno ao esporte foi de 84,6% naqueles submetidos a procedimento endoscópico
e 72,7% naqueles submetidos a fasciotomia aberta, e a recorrência dos sintomas foi
de 69,2% e 72,7%, respectivamente, sem diferença estatística. Nenhuma complicação
ou resultado grave foi descrito em nenhum dos grupos.
A técnica endoscópica teria benefícios sobre a fasciotomia aberta, como menor risco
de infecção, menor tempo de retorno mais rápido à atividade, devido à menor manipulação
dos tecidos moles, menor hematoma pós-operatório, fibrose limitada, melhor visualização
das estruturas dentro do compartimento e extensão da liberação fascial.[9]
[22] Como tratamento alternativo para a liberação da SCC dos compartimentos anterior
e lateral, tem se mostrado um tratamento adequado, com boa taxa de sucesso, sem inferioridade
na literatura.[22]
Tratamento Conservador
O tratamento conservador da SCC induzida por exercícios mantém-se pouco documentado
na pesquisa científica. Repouso, cessação da atividade que desencadeia os sintomas
e analgésicos parecem ser os fundamentos básicos; contudo, existem poucas diretrizes
documentadas ou procedimentos específicos de como otimizá-los e para qual população
seriam mais adequados. Em uma revisão sistemática da literatura sobre novos manejos
não cirúrgicos, Rajasekaran et al.[6] encontraram poucas evidências sobre as técnicas apresentadas, as quais incluíam
mudança de marcha, quimiodenervação, fenestração da fáscia guiada por ultrassom e
massagem.
No entanto, a série de estudos de caso feitos por Diebal et al.,[23] com observação de diferentes técnicas de corrida e como elas afetam a pressão do
compartimento e a dor dos pacientes com SCC, mostraram-se promissoras e foram incluídas
em um programa militar de manejo não cirúrgico.[23]
[24] Esse protocolo envolve diversos tratamentos descritos na literatura, tendo um foco
maior principalmente na reeducação da marcha e da corrida. Em um de seus estudos,
eles verificaram que, após um acompanhamento de 2 anos em uma população de 50 pacientes
submetidos a esse protocolo, 57% ainda estavam na ativa sem cirurgia, 43% retornaram
ao posto militar original, 36% deixaram o serviço militar, 48% ainda apresentavam
sintomas e 12% dos pacientes receberam fasciotomia.[24] Este estudo mostra resultados moderados, que poderiam levar à diminuição na necessidade
de procedimentos cirúrgicos. Há poucas evidências sobre retreinamento da marcha na
população atlética, no entanto, esses focos de pesquisa podem ser uma alternativa
a fasciotomia ou uma tentativa de preveni-la.
Em 2022, um painel de consenso clínico composto por especialistas discutiu o tratamento
conservador da SCC e qual poderia ser mais eficaz, chegando à conclusão de que o retreinamento
da marcha e a cessação das atividades provocativas são de grande importância quando
se tenta uma abordagem não cirúrgica. A literatura relata que o tratamento por fisioterapeutas,
injeções botulínicas ou modificações de calçados são de menor importância e principalmente
medidas adjacentes a serem utilizadas dependendo dos sintomas do paciente.[15]
Tratamento Conservador Versus Cirúrgico
Tratamento Conservador Versus Cirúrgico
Embora não existam ensaios clínicos com pacientes randomizados para comparar o tratamento
cirúrgico com o conservador, alguns estudos têm encontrado superioridade nos procedimentos
intervencionistas, principalmente em pacientes com SCC do compartimento anterior e
em atletas, tanto de nível amador quanto de elite. Em uma coorte retrospectiva, Vogels
et al.[25] constataram que a taxa de sucesso considerada pelos pacientes foi significativamente
maior naqueles submetidos à fasciotomia (42%, em comparação com 17% de taxa de sucesso
no grupo que recebeu tratamento conservador), e também foi notada uma menor frequência
de dor e aperto durante a prática de esportes. Contudo, não houve diferença entre
esses dois grupos quando se tratava de retornar ao mesmo nível de desempenho que tinham
antes de cada intervenção.
Em contraste com esses achados, Thein et al.[26] observaram resultados significativamente melhores no retorno ao esporte e manutenção
do mesmo nível de atividade física, medido pelo escore de Tegner, naqueles submetidos
ao tratamento cirúrgico. A taxa de retorno ao nível atlético pré-sintomático foi de
25% nos pacientes que não realizaram fasciotomia e 77,4% para os que o fizeram, com
p = 0,001.
É importante ressaltar que nenhum desses estudos possui o padrão-ouro quanto ao procedimento
metodológico, existem vários vieses inerentes à forma como foram conduzidos e que
nenhum deles padronizou o tratamento conservador, o qual foi realizado em sua maioria
por fisioterapeutas ou clínicos. Porém, corroboram com a hipótese de que para atletas,
o procedimento cirúrgico parece ser superior como tratamento e para a satisfação do
paciente.[25]
[26]
Considerações Finais
A SCC é a segunda causa mais comum de dor após esforço em membros inferiores, seguida
da síndrome do estresse tibial medial. Apesar de raramente ser urgente e os sintomas
serem aliviados pelo repouso e pelo cessamento das atividades desencadeantes, a avaliação
precisa da pressão intracompartimental se mantém desafiadora e o tratamento padrão-ouro
impreciso. Ademais, alguns autores sugerem que a SCC não tratada pode levar à compressão
neural e danos irreversíveis devido às pressões elevadas intracompartimental.
A prevalência real da SCC permanece incerta, mas estima-se que seja responsável por
aproximadamente 14 a 34% das dores nas pernas relacionadas à atividade física. Exercícios
intensos, particularmente a corrida, foram relacionados a um aumento na incidência
de SCC; entretanto, ela também é comumente reportada em militares.