Palavras-chave
degeneração do disco intervertebral - indicadores de qualidade de vida - osteoartrite
da coluna vertebral - qualidade de vida relacionada com saúde - radiografia
Introdução
Uma das principais causas de dor lombar crônica é a doença degenerativa lombar (DDL),
caracterizada por uma série de alterações, principalmente no disco intervertebral,
denominadas doença degenerativa do disco (DDD). A evolução desse processo e os mecanismos
pelos quais tais alterações causam dor ainda são temas de discussão na literatura.[1]
[2] Entre os achados radiográficos característicos da DDD, estão diminuição da altura
do espaço discal, osteofitose e irregularidade da placa terminal, que podem ou não
estar associados a deformidades como escoliose, espondilolistese ou laterolistese
degenerativa. No entanto, tais achados em exames radiográficos de indivíduos assintomáticos
são comuns, e a associação entre os achados descritos e a sintomatologia ainda precisa
ser estabelecida por completo.[3]
Outra causa importante de dor lombar crônica é o grupo de doenças que se enquadra
no escopo da deformidade da coluna vertebral do adulto (DCVA),[4] que, como indica o nome, é prevalente em adultos, e acomete 60% dos indivíduos com
mais de 60 anos.[5] Além disso, a associação da deformidade da coluna com a perda do alinhamento sagital
tem impacto significativo na qualidade de vida do paciente.[4]
[6]
Dor e incapacidade têm sido correlacionadas tanto a alterações degenerativas lombares
quanto ao alinhamento sagital espinopélvico.[7]
[8] A análise do protocolo de alinhamento sagital espinopélvico foi bem descrita e deve
ser realizada em radiografias completas por meio da medida de parâmetros angulares
e lineares.[6] Assim, vários estudos[6]
[9] têm demonstrado correlação entre esses parâmetros e indicadores de qualidade de
vida, inclusive o Índice de Incapacidade de Oswestry (Oswestry Disability Index, ODI,
em inglês).
Recentemente, introduziu-se uma escala de classificação para DDL com base em achados
radiográficos de DDD e na presença ou ausência de deformidade, usando radiografias
totais da coluna vertebral.[10]
[11] Esta escala de classificação de DDL demonstrou excelente reprodutibilidade intra
e interobservador, e reduz a necessidade e os custos de realização de exames complementares
de maior complexidade.[11]
Considerando a crescente incidência de DDL devido ao aumento da expectativa média
de vida e da população idosa, faz-se necessário compreender melhor a correlação entre
esses processos e seu efeito na qualidade de vida dos indivíduos. Portanto, o objetivo
deste estudo foi avaliar a relevância clínica da escala de classificação da DDL ao
compará-la com a qualidade de vida por meio do ODI.
Materiais e Métodos
Delineamento Experimental e Local do Estudo
Este é um estudo transversal com análise retrospectiva do banco de dados de uma instituição
de 2019 a 2022. O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
da instituição (CAAE: 39056420.7.0000.5463), e cada participante assinou o termo de
consentimento livre e esclarecido.
Participantes
O estudo incluiu pacientes com dor lombar significativa tratados no ambulatório de
doenças da coluna, com idade superior a 18 anos, questionários ODI preenchidos e radiografias
totais da coluna vertebral. Pacientes com cirurgia de coluna prévia, diagnosticados
com doenças neurológicas ou neuromusculares, ou com histórico de trauma de coluna
ou doença neoplásica foram excluídos. Além disso, pacientes cujos exames radiográficos
não permitiam a visualização completa e apropriada da coluna (todas as vértebras e
discos intervertebrais da vértebra C2 até as cabeças femorais) também foram excluídos
([Quadro 1]).[12] No total, 63 pacientes atenderam a esses critérios ([Fig. 1]).
Quadro 1
1. Distância adequada da fonte para a imagem: geralmente, 180 cm, pois produz ampliação
e distorção aceitáveis da imagem
|
2. Um filtro compensador entre o paciente e o feixe de raios X garante densidade adequada
entre a cavidade torácica e a região lombossacra mais densa.
|
3. Paciente em pé, com joelhos estendidos, pés alinhados e paralelos à largura dos
ombros, e cotovelos e punhos flexionados na altura da fossa supraclavicular bilateralmente.
Se houver discrepância de comprimento entre os membros inferiores maior do que de
2 cm, deve-se usar compensação para o alinhamento da pelve.
|
Fig. 1 Número de pacientes incluídos e excluídos. Nota: *Radiografias de baixa qualidade: aquelas que não permitiam a visualização adequada
de todas as vértebras e espaços intervertebrais entre a vértebra C2 e as cabeças femorais.
Desfechos Estudados
A qualidade de vida dos pacientes foi avaliada por meio do ODI,[13]
[14] e estudos radiográficos ([Quadro 2]) foram usados para identificar a presença e a gravidade da DDL. Todas as análises
foram realizadas por um dos pesquisadores, um ortopedista especialista em cirurgia
de coluna. Os achados radiográficos determinantes de DDL foram perda de altura do
disco ou colapso do disco, osteofitose e esclerose subcondral, sinais de instabilidade,
como espondilolistese, laterolistese ou subluxação rotatória, e presença de escoliose.[10] Em seguida, os pacientes foram classificados de acordo com a escala de graduação
radiográfica de DDL entre os quatro graus descritos ([Quadro 2]).
Quadro 2
• Grau 0: ausência de sinais radiográficos de doença degenerativa na coluna lombar.
|
• Grau I: sinais radiográficos de doença degenerativa em um ou dois segmentos da coluna
lombar, sem escoliose ou sinais de instabilidade.
|
• Grau II: sinais radiográficos de doença degenerativa em três ou mais segmentos da
coluna lombar, sem escoliose ou sinais de instabilidade.
|
• Grau III: sinais radiográficos de doença degenerativa da coluna lombar associada
à escoliose (inclinação coronal medida pela técnica de Cobb ≥ a 30°) e/ou sinais de
instabilidade como laterolistese (> 2 mm) e espondilolistese (no mínimo de grau 2).
|
Análise Estatística
A análise estatística foi realizada por meio do programa R (R Foundation for Statistical
Computing, Viena, Áustria), versão 2021. O teste de Shapiro–Francia foi usado para
se determinar a normalidade das variáveis, e todas apresentaram distribuição normal.
O teste de análise de variância (analysis of variance, ANOVA, em inglês) foi usado para se comparar a idade do paciente e a pontuação no
ODI à escala de classificação de DDL. O teste do Qui-quadrado de Pearson foi usado
para se comparar a escala de DDL entre os sexos. Valores de p ≤ 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.
Por meio do modelo de regressão não linear, avaliou-se a correlação entre as variáveis
estudadas e a pontuação no ODI (modelo aditivo generalizado, ou generalized additive model, GAM, em inglês) para permitir a análise de variáveis paramétricas e de distribuição
linear e não paramétricas ou não lineares. As variáveis incluídas foram o grau de
DDL e a idade. Com isso, tentou-se prever a pontuação do paciente no ODI de acordo
com sua idade e gravidade da DDL.
Resultados
A [Fig. 2] mostra a distribuição e a prevalência da amostra do estudo quanto à gravidade da
DDL. A maioria dos indivíduos foi classificada como de grau 0 (28%) ou 1 (40%) e composta
por mulheres (66%).
Fig. 2 Prevalência e distribuição da doença degenerativa lombar (DDL) entre os participantes
do estudo.
A [Fig. 3] mostra a distribuição etária dos pacientes segundo os diferentes graus de DDL: pacientes
com algum grau de DDL (1, 2 ou 3) pertenciam ao grupo acima de 60 anos em comparação
a pacientes sem DDL (tipo 0) (p < 0,001). No entanto, não houve diferença estatisticamente significativa em relação
à idade entre os grupos com DDL de graus 1, 2 e 3. Além disso, não houve diferença
em relação ao sexo e à presença ou gravidade da DDL, com uniformidade entre os graus
da escala utilizada (p = 0,81).
Fig. 3 Diagrama de caixa que mostra a distribuição por idade nos diferentes graus de DDL
(análise de variância, ou analysis of variance, ANOVA, em inglês: p < 0,001).
A relação entre a qualidade de vida (pontuação no ODI) e a escala de classificação
da DDL em nossa amostra foi estatisticamente significativa (p = 0,01) ao se comparar os graus 0 e 2 da doença, mas não entre os graus 1 e 3 ([Fig. 4]).
Fig. 4 Diagrama de caixa da relação entre qualidade de vida (medida pelo Índice de Incapacidade
de Oswestry (Oswestry Disability Index, ODI, em inglês) e os diferentes graus de DDL.
ANOVA: p = 0,01 na relação entre os graus 2 e 0. Não houve significância estatística nas demais
relações.
Para a elaboração do GAM, foram incluídas as variáveis grau de DDL e idade. Cada grau
de DDL foi dicotomizado, com 0 indicando ausência e 1, presença. A variável idade
foi incluída como linear ([Fig. 5]). A fórmula aditiva geral foi: Y(ODI) = intercepto (a) + B1.(LDD0) + B2.(LDD1) + B3.(LDD2) + B4.(LDD3) + coeficiente
não linear (idade).
Fig. 5 Coeficiente não linear para cada valor de idade (p = 0,005).
A [Tabela 1] mostra o valor do coeficiente B para cada grau de DDL, lembrando que cada paciente
só pode pertencer a um grupo na classificação de DDL (0, 1, 2 ou 3) e tem apenas um
coeficiente B, ou seja, aquele de sua classificação. A [Tabela 1] também releva o valor da constante da fórmula (intercepto).
Tabela 1
|
B
|
Intervalo de confiança de 95%
|
p
|
Intercepto
|
38
|
35–41
|
< 0,001
|
DDL 0
|
6,2
|
−1,5–14
|
0,12
|
DDL 1
|
6,9
|
1,0–13
|
0,026
|
DDL 2
|
17
|
9,2–25
|
< 0,001
|
DDL 3
|
7,6
|
−1,8–17
|
0,12
|
Idade
|
|
|
0,005
|
Avaliação do modelo
|
Graus de liberdade
|
8
|
|
|
Log-verossimilhança
|
−258
|
|
|
Observações
|
63
|
|
|
Variância explicada pelo modelo
|
38%
|
|
|
A [Fig. 6] mostra o valor previsto da pontuação no ODI relativa à qualidade de vida em cada
grau de DDL de acordo com a idade usando o GAM.
Fig. 6 Pontuação no ODI prevista de acordo com a variação etária em cada grau de DDL segundo
o modelo aditivo generalizado (generalized additive model, GAM, em inglês) da amostra.
Discussão
Embora a dor lombar não seja um sintoma exclusivo da DDL, essas duas entidades estão
intrinsecamente relacionadas.[15] Corroborando esses dados, a maioria dos participantes do estudo apresentava algum
grau de DDL, em especial o grau 1. De acordo com a literatura,[16] a maioria dos pacientes que procuram atendimento médico por problemas relacionados
à coluna é do sexo feminino, em proporção de 2:1 com relação aos homens. Embora não
tenha havido diferença estatística em relação ao sexo com a presença ou gravidade
da DDL, foi observada uma relação estatística entre a idade e a presença de DDL. No
entanto, ao avaliarmos cada grau de DDL separadamente, não encontramos uma relação
direta entre a faixa etária do paciente e a gravidade da DDL segundo sua classificação.
O sistema de graduação de DDL usado neste estudo já demonstrou boa reprodutibilidade
intra e interobservador.[10]
[11] Portanto, quando correlacionado ao ODI, notamos que o sistema de graduação de DDL
apresentou relação direta com os graus 2 e 0, mas não houve significância estatística
entre os outros graus de DDL. Com isso, pacientes com DDL de grau 2 apresentam pontuações
piores no ODI do que aqueles sem DDL (grau 0).
Também foi observada uma tendência de queda na pontuação no ODI (menor incapacidade)
ao se comparar o grau 3 da DDL com os demais graus (1 e 2), mas sem significância
estatística. Com isso, é possível inferir que a DDL grau 3 está associada a qualquer
tipo de deformidade, como escoliose, espondilolistese ou laterolistese, independentemente
do número de níveis acometidos pelas características degenerativas, permitindo incluir
aqueles pacientes no grau 3, segundo a classificação radiográfica considerada,[11] Não apresentam grande impacto na qualidade de vida destes pacientes quando comparadas
às alterações degenerativas do espaço intervertebral radiograficamente evidentes sem
a presença destas deformidades. Isso pode ocorrer porque parte desse grupo (DDL de
grau 3) são jovens com escoliose idiopática do adolescente e alguns pequenos achados
degenerativos na coluna lombar que não sofrem comprometimento significativo em sua
qualidade de vida por essas doenças.[17]
[18]
[19] Portanto, estudos com um número maior de participantes são necessários para corroborar
esse achado, uma vez que o número de participantes com DDL de grau 3 foi limitado,
e não conseguimos obter um resultado estatisticamente significativo nessa comparação.
Ao elaborarmos a fórmula GAM, que poderia prever o valor esperado da pontuação no
ODI de acordo com a idade e o grau de DDL, encontramos uma relação estatisticamente
significativa em pacientes com DDL de graus 1 e 2 ([Tabela 1]). Observamos que o grau de DDL que mais se distanciou dos demais na [Fig. 6] foi o DDL 2, que mais demonstrou impacto na pontuação no ODI em comparação aos demais
(p < 0,001). Isso torna esta fórmula mais uma possível ferramenta para o estudo da qualidade
de vida na população com DDL, pois permitiria estimar a pontuação no ODI de acordo
com a idade e a classificação radiográfica da DDL.
Este estudo tem algumas limitações. Primeiro, os parâmetros radiográficos foram analisados
somente por um profissional (um cirurgião de coluna), e a reprodutibilidade interobservador
da classificação utilizada não foi avaliada por ter sido feita em estudos anteriores.[10]
[11]. Além disso, destacamos o pequeno tamanho da amostra, o que torna a análise de subgrupos
mais complexa. Devido ao pequeno tamanho da amostra, a fórmula GAM, embora válida,
tem um intervalo de confiança mais amplo e baixo poder preditivo (38%). Assim, estudos
com populações maiores são necessários para confirmar a relação entre os graus radiográficos
de DDL e a piora clínica dos pacientes.
Por outro lado, nosso estudo mostrou a aplicabilidade de uma nova escala de classificação
radiográfica para a DDL.[10]
[11] Esta classificação utiliza uma radiografia total da coluna, um exame não invasivo
e menos dispendioso em comparação a outros exames utilizados para a classificação
de doenças degenerativas lombares, como a ressonância magnética.[20] Além disso, analisamos essa escala de classificação quanto à sua influência na qualidade
de vida da população.
Conclusão
A escala de graduação radiográfica da DDL é uma ferramenta com possível relevância
clínica, pois apresentou relação significativa neste estudo com a qualidade de vida
medida pelo ODI em parte dos grupos avaliados.