CC BY-NC-ND 4.0 · Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia: Brazilian Neurosurgery 2018; 37(03): 239-241
DOI: 10.1055/s-0036-1578569
Case Report | Relato de Caso
Thieme Publicações Ltda Rio de Janeiro, Brazil

Tratamento cirúrgico de doença de Rosai-Dorfman intracraniana: relato de caso e revisão da literatura

Article in several languages: English | português
Klisman Drescher Hilleshein
1   Medical Student, Universidade do Oeste de Santa Catarina, Joaçaba, SC, Brazil
,
Vinícius Galisteo Santin
1   Medical Student, Universidade do Oeste de Santa Catarina, Joaçaba, SC, Brazil
,
Fabrício Molon da Silva
2   Neurosurgeon, Hospital Universitário Santa Terezinha, Joaçaba, SC, Brazil
› Author Affiliations
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Address for correspondence

Klisman Drescher Hilleshein, MD
Curso de Medicina da Universidade do Oeste de Santa Catarina
Rua Frederico Mayer, s/n, Centro, Quilombo, SC, Brazil 89850-000

Publication History

04 July 2015

07 January 2016

Publication Date:
09 March 2016 (online)

 

Resumo

A doença de Rosai-Dorfman é uma doença linfoproliferativa de caráter benigno com ocorrência rara na população global. Os achados característicos da doença são emperopolese à microscopia e positividade para proteína S-100 à imuno-histoquímica. O caso deste artigo consiste em homem, 57 anos, apresentando convulsão de repetição, retenção urinária e ataxia. Foi obtido resultado satisfatório com o tratamento cirúrgico. O diagnóstico foi confirmado por imuno-histoquímica.


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Introdução

Em 1969, a doença de Rosai-Dorfman foi relatada pela primeira vez como histiocitose sinusal com linfadenopatia maciça em um jovem negro.[1] A doença se apresenta com linfadenopatia cervical bilateral, indolor e maciça associada a mal-estar, febre, anemia normocítica, anemia hemolítica, neutrofilia, velocidade de hemossedimentação elevada e gamopatia policlonal.[2]

Estima-se que a incidência seja de 1 caso para cada 2 milhões de pessoas, afetando predominantemente crianças e adultos jovens, com ligeira predominância no sexo masculino.[3] O envolvimento extranodal está documentado em 43% dos pacientes, ocasionalmente acompanhado de linfadenopatia. Os sítios extranodais, pela ordem decrescente de frequência, são pele, cavidade nasal, seios paranasais, pálpebra, órbita, osso, glândula salivar e sistema nervoso central. O sistema nervoso central pode ser envolvido em menos de 5% dos casos, e em 90% destes, as leptomeninges são acometidas.[4]


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Relato de Caso

Trata-se de um paciente do sexo masculino, com 57 anos ao diagnóstico. Apresentou-se com crises convulsivas de repetição, retenção urinária e ataxia. Tomografia computadorizada (TC) evidenciou formações expansivas heterogêneas em situação intraventricular ocupando a porção posterior do terceiro ventrículo e parte do ventrículo lateral direito, além de outra lesão extra-axial na fossa posterior. A [Fig. 1] demonstra estes achados.

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Fig. 1 Tomografia computadorizada de crânio evidenciando lesão em fossa posterior, adjacente à tenda do cerebelo. (A) corte coronal, (B) corte axial, (C) corte sagital.

Sugere-se que as lesões encontradas no exame de imagem podem corresponder a lesões primárias do revestimento meningotelial (meningiomas) na tenda do cerebelo, além de sinais de herniação subfalcina pelo efeito das massas intracranianas.

Durante a internação, o paciente apresentou melhora do quadro clínico com o uso de corticosteroides. Uma derivação ventriculoperitoneal foi realizada para atenuar a hidrocefalia. A cirurgia foi realizada por causa do suposto meningioma de tenda de cerebelo. Tanto a cirurgia quanto o pós-operatório se deram sem intercorrências.

O tumor, devidamente ressecado, foi encaminhado para exame anatomopatológico, sob a descrição de duas lesões expansivas cerebrais, uma em situação intraventricular no terceiro ventrículo lateral direito e a outra extra-axial na fossa posterior. A macroscopia apresentava-se como fragmentos irregulares de exérese de lesão de base de crânio, de aspecto macio e castanho-claro.

Na microscopia, foi descrita como fragmentos de lesão cerebral com proliferação de células com citoplasma microvacuolado de comportamento incerto e áreas de tecido conjuntivo denso com focos de calcificação distrófica. Foi recomendado, para elucidação diagnóstica, estudo de imuno-histoquímica.

O estudo de imuno-histoquímica sugeriu o diagnóstico de doença de Rosai-Dorfman por se tratar de fragmentos de parênquima cerebral hipercelular à custa de células histiocíticas, várias delas de aspecto xantomatoso, enquanto outras mostram citoplasma mais eosinofílico.

O marcador S-100 se revelou positivo ([Fig. 2]). Há infiltrado inflamatório crônico mononuclear de permeio, chamando a atenção pela presença de células com ocasional localização intracitoplasmática nos histiócitos (emperopolese).

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Fig. 2 Imagem do estudo imuno-histoquímico demonstrando histiócitos reativos à proteína S-100.

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Discussão

A idade e o sexo do paciente deste caso se aproximam da idade e do sexo dos pacientes de casos relatados na literatura.[5] [6] [7] A apresentação clínica dos tumores intracranianos é dependente da localização do mesmo. O paciente deste relato apresentava crises convulsivas de repetição, retenção urinária e ataxia. Outros relatos incluem cefaleia e convulsão,[7] além de declínio cognitivo, borramento visual e hemianopsia.[4]

Permanece obscura a origem da doença de Rosai-Dorfman, por vezes associada ao vírus Epstein-Barr,[8] ou vírus da varicela-zóster, apresentando involução com uso de aciclovir.[9] Também pode estar associada a outras desordens imunes, como anemia hemolítica, poliartrite, artrite reumatoide, glomerulonefrite, asma e diabetes juvenil.[8] Desta forma, o presente estudo objetivou descrever um caso de doença de Rosai-Dorfman ocorrido no Sul do Brasil.

Não havendo sinal patognomônico, a radiologia sugere massa intracraniana. Deve-se considerar para diagnóstico diferencial, além do meningioma, granuloma eosinofílico, desordem linfoproliferativa, granuloma de células plasmáticas e doenças infecciosas.[7] À tomografia computadorizada, os tumores da doença de Rosai-Dorfman se mostram homogêneos, lobulados, hiperatenuantes e sem calcificações.

Por sua vez, na ressonância magnética, na ponderação de T1, os tumores são homogêneos, lobulados, isointensos ao parênquima cerebral. Na ponderação de T2, as nodulações são heterogêneas, hipo/isointensas ao parênquima, e com intensidade semelhante à da dura-máter.[4] Também apresentam sinal da “cauda dural,” indicando inserção na dura-máter das lesões.[7]

Dada a suspeita de meningioma, elegeu-se a cirurgia como opção terapêutica.[10] A cirurgia, seguida ou não de corticoterapia, consiste na melhor opção terapêutica para os tumores da doença de Rosai-Dorfman.[4]

A descrição macroscópica na literatura é de massa amarelada de consistência elástica,[4] ou branco-acinzentada,[7] diferindo deste caso. Na microscopia, o fenômeno descrito como emperopolese consiste em histiócitos com grandes núcleos vesiculares possuindo citoplasma eosinofílico pálido contendo linfócitos ou eritrócitos em seu interior.[4] A imunorreatividade para proteína S-100 é muito sugestiva de doença de Rosai-Dorfman.[4] [6] [7] A imunorreatividade para marcadores CD1a deve ser negativa, sendo este, um marcador para histiocitose de Langerhans.[6]

Por possuir caráter benigno do tumor, a cirurgia com excisão parcial ou total tem resultado satisfatório.[7] A cirurgia pode ser seguida de corticoterapia, quimioterapia antineoplásica e radioterapia.[4] Resultados desfavoráveis foram relatados na doença multissistêmica extranodal, em anormalidades imunológicas ou envolvimento de rim, fígado e trato respiratório inferior.[8] A doença de Rosai-Dorfman pode ter desfecho letal, apesar de tratamento intensivo com radioterapia externa, interferon, ciclosporina, metilprednisolona, VP16 e vimblastina.[2]


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Conclusão

A literatura demonstra uma essência benigna para a doença de Rosai-Dorfman, no entanto, com etiologia obscura, podendo acometer todas as faixas etárias e com manifestações clínicas heterogêneas.

A radiologia é incapaz de realizar diagnóstico fidedigno, sendo o principal diagnóstico diferencial dos meningiomas. A anatomia patológica é fundamental para a confirmação diagnóstica. A microscopia apresentou achado característico de emperopolese, e a imuno-histoquímica mostrou imunorreatividade para proteína S-100, não sendo observada reatividade para CD1a.

Deste modo, a cirurgia apresenta bons resultados quanto à sobrevida e tem sido adotada como método terapêutico de escolha.


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No conflict of interest has been declared by the author(s).

  • References

  • 1 Rosai J, Dorfman RF. Sinus histiocytosis with massive lymphadenopathy. A newly recognized benign clinicopathological entity. Arch Pathol 1969; 87 (01) 63-70
  • 2 Warrier R, Chauhan A, Jewan Y, Bansal S, Craver R. Rosai-Dorfman disease with central nervous system involvement. Clin Adv Hematol Oncol 2012; 10 (03) 196-198
  • 3 Mahzoni P, Zavareh MHT, Bagheri M, Hani N, Moqtader B. Intracranial ROSAI-DORFMAN Disease. J Res Med Sci 2012; 17 (03) 304-307
  • 4 Adeleye AO, Amir G, Fraifeld S, Shoshan Y, Umansky F, Spektor S. Diagnosis and management of Rosai-Dorfman disease involving the central nervous system. Neurol Res 2010; 32 (06) 572-578
  • 5 Sameshima T, Morita A, Tanikawa R, Tsuboi T, Kitai R. Isolated Intracranial Rosai-Dorfman Disease Mimicking Convexity Menin- gioma: A Case Report. J Clin Exp Pathol 2012; 2 (05) 2-5
  • 6 Konishi E, Ibayashi N, Yamamoto S, Scheithauer BW. Isolated intracranial Rosai-Dorfman disease (sinus histiocytosis with massive lymphadenopathy). AJNR Am J Neuroradiol 2003; 24 (03) 515-518
  • 7 Chen S-C, Teo B-T, Yen P-S. Isolated Intracranial Rosai-Dorfman Disease: Report of 2 Cases and Review of the Literature. Tzu Chi Med J. 2007; 19 (02) 90-93
  • 8 Cooper SL, Jenrette JM. Rosai-Dorfman disease: management of CNS and systemic involvement. Clin Adv Hematol Oncol 2012; 10 (03) 199-202
  • 9 Baildam EM, Ewing CI, D'Souza SW, Stevens RF. Sinus histiocytosis with massive lymphadenopathy (Rosai-Dorfman disease): response to acyclovir. J R Soc Med 1992; 85 (03) 179-180
  • 10 Melo-Souza SE. Tratamento das doenças neurológicas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000

Address for correspondence

Klisman Drescher Hilleshein, MD
Curso de Medicina da Universidade do Oeste de Santa Catarina
Rua Frederico Mayer, s/n, Centro, Quilombo, SC, Brazil 89850-000

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  • 10 Melo-Souza SE. Tratamento das doenças neurológicas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000

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Fig. 1 Computed tomography of the skull showing a posterior fossa lesion, adjacent to the cerebellum tentorium. (A) coronal cut; (B) axial cut; (C) sagittal cut.
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Fig. 2 Image of the immunohistochemical study demonstrating histiocytes reactive to the S-100 protein.
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Fig. 1 Tomografia computadorizada de crânio evidenciando lesão em fossa posterior, adjacente à tenda do cerebelo. (A) corte coronal, (B) corte axial, (C) corte sagital.
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Fig. 2 Imagem do estudo imuno-histoquímico demonstrando histiócitos reativos à proteína S-100.