CC BY 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2024; 59(01): e139-e142
DOI: 10.1055/s-0041-1724086
Relato de Caso
Ombro e Cotovelo

Fratura segmentar da clavícula em paciente politraumatizado: Relato de caso

Article in several languages: português | English
1   Ortopedia e Traumatologia, Pontificia Universidad Javeriana, Bogotá, Colômbia
,
1   Ortopedia e Traumatologia, Pontificia Universidad Javeriana, Bogotá, Colômbia
,
2   Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Hospital Universitario de la Samaritana, Bogotá, Colômbia
,
3   Universidad de la Sabana, Chía, Colômbia
,
3   Universidad de la Sabana, Chía, Colômbia
› Author Affiliations
Suporte Financeiro O presente trabalho não recebeu nenhum suporte financeiro de fontes públicas, comerciais, ou sem fins lucrativos.
 

Resumo

A fratura de clavícula representa 5% das fraturas em adultos. No entanto, as fraturas segmentares da clavícula são infrequentes e pouco estudadas na literatura atual. Há relatos de casos com bons resultados após o tratamento cirúrgico ou conservador, mas não existe consenso quanto ao diagnóstico ou manejo dessas lesões.

Relata-se um paciente com fratura segmentar média e lateral da clavícula após politraumatismo em acidente de trânsito. O paciente também apresentava traumatismo em hemicorpo direito, múltiplas fraturas segmentares da costela e do hemotórax. Após estabilização, ele foi encaminhado à cirurgia para redução aberta e fixação interna da clavícula pela técnica de placa dupla, raramente descrita na literatura. O resultado funcional foi considerado satisfatório e adequado no acompanhamento pós-operatório.

Apesar das poucas evidências sobre o manejo desse tipo de patologia, o tratamento cirúrgico é uma opção válida devido ao risco de não união, apesar da possível diminuição da funcionalidade do paciente.


#

Introdução

As fraturas da clavícula são bastante comuns, correspondendo a até 5% das lesões ósseas em adultos e 44% daquelas que ocorrem na cintura escapular.[1] Aparentemente, são mais frequentes no terço médio (69%), seguido pelo terço distal (28%), terço proximal (3%)[2] e padrão segmentar (0,8%).[3] Apresentam dois picos: o primeiro, em adultos jovens, predominantemente no sexo masculino, decorrente de lesões diretas durante exercícios e traumas de alta energia; o segundo, em pacientes do sexo feminino, mais velhas e com osteoporose.[2] [4]

As fraturas segmentares da clavícula são incomuns, mas ocorrem em traumas de alta energia associados a outras lesões, como fraturas de costela ou escápula.[3] [4] A literatura é escassa e baseada principalmente em relatos de casos. Não há consenso sobre sua fisiopatologia ou tratamento.[5]

Descrevemos no presente trabalho o caso de um paciente com fratura segmentar da clavícula, secundária a trauma de alta energia e lesões associadas, com discussão de seu tratamento e evolução.


#

Relato do caso

Um paciente do sexo masculino, de 57 anos, deu entrada no pronto-socorro por politraumatismo em acidente de trânsito. O paciente sofreu trauma direto no hemitórax direito ao ser ejetado do veículo. Não havia evidências de lesão cerebral traumática. À internação, múltiplas fraturas da caixa torácica direita, fratura segmentar da clavícula direita (terço médio e distal, classificada como tipo 2B2 de Robinson [[Fig. 1]]) e do hemotórax foram documentadas.

Zoom Image
Fig. 1 Fratura segmentar do tipo 2B2 de Robinson da clavícula direita. As setas indicam as duas fraturas.

Durante o atendimento, a presença de lesões vasculares e nervosas foi descartada. A fratura da clavícula foi caracterizada com o uso de tomografia computadorizada (TC) ([Fig. 2]). Após o controle de comorbidades, o paciente foi encaminhado para tratamento cirúrgico. Por meio de incisão superior suficiente e dissecção por planos, a fratura diafisária foi identificada, reduzida e estabilizada com parafuso cortical de tração (lag) de 3,5 mm. Em seguida, após a extensão lateral da incisão, a segunda fratura e o acrômio foram expostos, e houve identificação de um pequeno segmento não passível de redução direta. Esse segmento foi submetido à redução indireta com placa de gancho de 3,5 mm. Uma placa de compressão anterior (LCP, na sigla em inglês) de 3,5 mm foi usada para aumentar a estabilidade do construto. Por fim, apesar da utilização de placa de gancho e considerando o padrão de dupla fratura, usamos FiberTape (Arthrex, Naples, FL, EUA) ao redor do processo coracoide para aumentar a estabilidade lateral da articulação acromioclavicular ([Fig. 3]). O paciente apresentou evolução adequada após 1 ano de acompanhamento, com recuperação completa da amplitude de movimento do ombro direito ([Fig. 4]).

Zoom Image
Fig. 2 Tomografia computadorizada de fratura segmentar de tipo 2B2 de Robinson. (a) e (c), Projeções axial e coronal, fratura lateral (seta). (b) e (d) Projeções axial e coronal, fratura medial (seta).
Zoom Image
Fig. 3 (e) Imagem cirúrgica, osteossíntese de placa dupla (placa anterior e placa de gancho) e aumento com FiberTape (seta). (f) Radiografia pós-operatória.
Zoom Image
Fig. 4 Resultados clínicos 1 ano após a cirurgia.

#

Discussão

A incidência de fraturas segmentares da clavícula é de 0,8% segundo Throckmorton e Kuhn, em 2007.[1] [6] [7] [8] [9] Esse tipo de fratura é mais comum em homens com menos de 60 anos e está associada a traumas de alta energia.[6] [10] [11] [12] [13] [14] Por outro lado, também ocorre em mulheres com mais de 60 anos e pode estar associada a traumas de menor energia.[4] [7]

Não há consenso quanto ao mecanismo de trauma de uma fratura segmentar da clavícula. Esse tipo de fratura, porém, parece ligado a traumatismos de alta energia com lesões associadas ou mesmo dois traumatismos sucessivos.[1] [2] [4] [6] [7] [8] [10] [11] [12] [13] [14] [15]

Esses tipos de fraturas são geralmente observados em radiografias nas projeções usuais de ombro e clavícula.[1] [2] [3] [4] [7] [8] [11] [12] [13] [14] [16] [17] Há também relatos de diagnóstico tardio, principalmente em pacientes politraumatizados, devido à não identificação de uma das duas linhas de fratura em radiografias convencionais, com necessidade de TC.[4] [5] [6] [7] [10] [11] [15]

A literatura relata desfechos diversos, sem consenso quanto ao melhor tratamento para esse tipo de fratura.[1] [4] [5] [7] [8] [10] [13] [15] [17] A maior parte da literatura é composta por relatos e séries de casos e, embora os estudos reforcem a ausência de consenso quanto ao tratamento, um número maior de relatos de casos opta por cirurgias devido ao risco de não união.[1] [2] [3] [4] [5] [7] [8] [10] [11] [17]

Nos casos que descrevem o tratamento cirúrgico, não parece haver tendência quanto à melhor escolha da osteossíntese. O uso de placas de bloqueio é o mais relatado, bem como a estabilização com fios de Kirschner utilizando procedimentos com banda de tensão e até métodos experimentais.[1] [3] [6] [8] [10] [11] [12] [13] [14] [16] [17] O uso de placa dupla foi descrito em alguns casos com bons resultados, mesmo quando realizado em duas etapas.[2] [5] [7]

Aparentemente, as melhores evidências são do estudo de Malkoc et al.,[3] no qual foram comparados os resultados de dois grupos submetidos a tratamentos diferentes. A consolidação e a funcionalidade foram semelhantes, mas o controle da dor foi melhor no grupo operado.

De modo geral, os estudos relatam resultados adequados, independentemente da opção terapêutica, exceto em alguns casos com necessidade de mudança de tratamento ortopédico para cirúrgico.[7]

Esse tipo de fratura é incomum e requer avaliação radiológica adequada, principalmente em pacientes politraumatizados. O diagnóstico correto determina o melhor tratamento para cada caso, com a ressalva de que não há evidências da superioridade de abordagens ortopédicas ou cirúrgicas.


#
#

Conflito de Interesses

Os autores não têm conflito de interesses a declarar.

Trabalho desenvolvido no Hospital Universitario de la Samaritana, Bogotá, D.C., Colômbia.


  • Referências

  • 1 Daolagupu AK, Gogoi PJ, Mudiganty S. A rare case of segmental clavicle fracture in an adolescent. Case Rep Orthop 2013; 2013: 248159
  • 2 Heywood R, Clasper J. An unusual case of segmental clavicle fracture. J R Army Med Corps 2005; 151 (02) 93-94
  • 3 Malkoc M, Korkmaz O, Bayram E. et al. Short-term results of robinson type 2B2 clavicular fractures treated conservatively or surgically. Orthopedics 2016; 39 (02) e276-e279
  • 4 Sethi K, Newman SDS, Bhattacharya R. An unusual case of bipolar segmental clavicle fracture. Orthop Rev (Pavia) 2012; 4 (03) e26
  • 5 Yalizis MA, Hoy GA, Ek ET. A Rare Case of Bipolar Clavicle Fracture. Case Rep Orthop 2016; 2016: 4309828
  • 6 Ha SS, Hong KD, Sim JC, Seo YR, Nam TS. The Different Treatment Methods for Segmental Fractures of the Clavicle: Cases Report. J Korean Fract Soc 2017; 30 (03) 151
  • 7 Varelas N, Joosse P, Zermatten P. Operative treatment of an atypical segmental bipolar fracture of the clavicle. Arch Trauma Res 2015; 4 (04) e29923
  • 8 Grossi EA. Segmental Clavicle Fracture. Rev Bras Ortop 2015; 46 (06) 733-735
  • 9 Throckmorton T, Kuhn JE. Fractures of the medial end of the clavicle. J Shoulder Elbow Surg 2007; 16 (01) 49-54
  • 10 Miller D, Smith KD, McClelland D. Bipolar segmental clavicle fracture. Eur J Orthop Surg Traumatol 2009; 19 (05) 337-339
  • 11 Hagino T, Ono T, Hamada Y. Unusual double clavicle fracture complicated by ipsilateral scapular neck fracture. J Orthop Sci 2002; 7 (03) 417-419
  • 12 Osman N, Sinopidis C, Gibson L. Unusual segmental fracture of the clavicle associated with rib fractures and pneumothorax. Internet J Orthop Surg. 2012; 15 (02) 2-6
  • 13 Marjoram TP, Chakrabarti A. Segmental clavicle fracture and acromio-clavicular joint disruption: an unusual case report. Shoulder Elbow 2015; 7 (03) 187-189
  • 14 Singh B, Singh S, Saraf N, Farooque K, Sharma V. Unusual Mechanism Of Injury With Segmental Fracture Clavicle. J Orthop Surg (Hong Kong) 2006; 6 (01) 2-5
  • 15 Pang KP, Yung SW, Lee TS, Pang CE, Pang CE. Bipolar clavicular injury. Med J Malaysia 2003; 58 (04) 621-624
  • 16 Karimi A, Ettehad HAM. Segmental Fracture of the Clavicle (a Very Rare Case in Trauma Surgery). Shiraz E Med J 2007; 8 (02) 90-95
  • 17 Prasarn ML, Meyers KN, Wilkin G. et al. Dual mini-fragment plating for midshaft clavicle fractures: a clinical and biomechanical investigation. Arch Orthop Trauma Surg 2015; 135 (12) 1655-1662

Endereço para correspondência

Luisa F. García, MD
Hospital Universitario de la Samaritana
Carrera 8 No. 0-29 Sur, Bogotá, Bogotá, 110411
Colombia   

Publication History

Received: 14 September 2020

Accepted: 01 December 2020

Article published online:
31 March 2021

© 2021. The Author(s). This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution 4.0 International License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/)

Thieme Revinter Publicações Ltda.
Rua do Matoso 170, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20270-135, Brazil

  • Referências

  • 1 Daolagupu AK, Gogoi PJ, Mudiganty S. A rare case of segmental clavicle fracture in an adolescent. Case Rep Orthop 2013; 2013: 248159
  • 2 Heywood R, Clasper J. An unusual case of segmental clavicle fracture. J R Army Med Corps 2005; 151 (02) 93-94
  • 3 Malkoc M, Korkmaz O, Bayram E. et al. Short-term results of robinson type 2B2 clavicular fractures treated conservatively or surgically. Orthopedics 2016; 39 (02) e276-e279
  • 4 Sethi K, Newman SDS, Bhattacharya R. An unusual case of bipolar segmental clavicle fracture. Orthop Rev (Pavia) 2012; 4 (03) e26
  • 5 Yalizis MA, Hoy GA, Ek ET. A Rare Case of Bipolar Clavicle Fracture. Case Rep Orthop 2016; 2016: 4309828
  • 6 Ha SS, Hong KD, Sim JC, Seo YR, Nam TS. The Different Treatment Methods for Segmental Fractures of the Clavicle: Cases Report. J Korean Fract Soc 2017; 30 (03) 151
  • 7 Varelas N, Joosse P, Zermatten P. Operative treatment of an atypical segmental bipolar fracture of the clavicle. Arch Trauma Res 2015; 4 (04) e29923
  • 8 Grossi EA. Segmental Clavicle Fracture. Rev Bras Ortop 2015; 46 (06) 733-735
  • 9 Throckmorton T, Kuhn JE. Fractures of the medial end of the clavicle. J Shoulder Elbow Surg 2007; 16 (01) 49-54
  • 10 Miller D, Smith KD, McClelland D. Bipolar segmental clavicle fracture. Eur J Orthop Surg Traumatol 2009; 19 (05) 337-339
  • 11 Hagino T, Ono T, Hamada Y. Unusual double clavicle fracture complicated by ipsilateral scapular neck fracture. J Orthop Sci 2002; 7 (03) 417-419
  • 12 Osman N, Sinopidis C, Gibson L. Unusual segmental fracture of the clavicle associated with rib fractures and pneumothorax. Internet J Orthop Surg. 2012; 15 (02) 2-6
  • 13 Marjoram TP, Chakrabarti A. Segmental clavicle fracture and acromio-clavicular joint disruption: an unusual case report. Shoulder Elbow 2015; 7 (03) 187-189
  • 14 Singh B, Singh S, Saraf N, Farooque K, Sharma V. Unusual Mechanism Of Injury With Segmental Fracture Clavicle. J Orthop Surg (Hong Kong) 2006; 6 (01) 2-5
  • 15 Pang KP, Yung SW, Lee TS, Pang CE, Pang CE. Bipolar clavicular injury. Med J Malaysia 2003; 58 (04) 621-624
  • 16 Karimi A, Ettehad HAM. Segmental Fracture of the Clavicle (a Very Rare Case in Trauma Surgery). Shiraz E Med J 2007; 8 (02) 90-95
  • 17 Prasarn ML, Meyers KN, Wilkin G. et al. Dual mini-fragment plating for midshaft clavicle fractures: a clinical and biomechanical investigation. Arch Orthop Trauma Surg 2015; 135 (12) 1655-1662

Zoom Image
Fig. 1 Fratura segmentar do tipo 2B2 de Robinson da clavícula direita. As setas indicam as duas fraturas.
Zoom Image
Fig. 2 Tomografia computadorizada de fratura segmentar de tipo 2B2 de Robinson. (a) e (c), Projeções axial e coronal, fratura lateral (seta). (b) e (d) Projeções axial e coronal, fratura medial (seta).
Zoom Image
Fig. 3 (e) Imagem cirúrgica, osteossíntese de placa dupla (placa anterior e placa de gancho) e aumento com FiberTape (seta). (f) Radiografia pós-operatória.
Zoom Image
Fig. 4 Resultados clínicos 1 ano após a cirurgia.
Zoom Image
Fig. 1 Robinson type 2B2 segmental fracture of the right clavicle. Arrows pointing at both fractures.
Zoom Image
Fig. 2 Computed tomography scan of Robinson type 2B2 segmental fracture (a) and (c) Axial and coronal views, lateral fracture (arrow). (b) and (d) Axial and coronal views, middle fracture (arrow).
Zoom Image
Fig. 3 (e) Surgical image, double plate osteosynthesis (anterior and hook plates) and augmentation with FiberTape (arrow). (f) Postoperative X Ray.
Zoom Image
Fig. 4 Clinical results after 1 year of surgery.